Tex Willer: o spaghetti western em quadrinhos

Texto da revista “Showtime western“, de Fevereiro de 2007, publicação da Aspen Editora Ltda.
Sergio Martorelli

Tex Willer - o spaghetti western em quadrinhos

Tex Willer: o spaghetti western em quadrinhos

Setembro 1948. A era fascista e a guerra haviam recém-terminado e, na Itália, as pessoas acordavam daquele longo pesadelo com um desejo de reconstrução. Após anos sob uma ideologia que mostrava a América como uma tentação maléfica de democracia e liberdade, os italianos puderam voltar ao sonho americano encarnado nos filmes, nos livros, nos quadradinhos e nos heróis, especialmente os do Velho Oeste. Talvez a Europa se assemelhasse um pouco ao Oeste, com tudo o que o havia para ser reconstruído. Outro motivo para o renascimento do género na Itália do pós-guerra pode ser atribuído à intolerância da América, contra as proibições e a autoridade, um sentimento que invadia a Itália pós-fascista.

Num pequeno apartamento na via Saffi, em Milão, Tea Bonelli havia montado sua pequena editora especializada em quadradinhos. Dividia o apartamento com seu filho Sergio e com o desenhista Aurelio Galleppini. G. L. Bonelli, que havia começado a escrever contos e roteiros de quadradinhos nos anos 30, foi um dos primeiros editores italianos a retornar às BD’s depois da guerra. Em 1946 publicava a revista Cowboys, editada por Fernando de Leo, e dois anos depois já criava as tiras western I Tre Bill, Yuma Kid, Hondo e Rio Kid. Em Setembro de 1948, enviou às bancas o primeiro número de um novo personagem destinada a se tornar um clássico, provavelmente a revista western mais longeva de todos os tempos.

Tex Willer, o spaghetti western em quadrinhos - Parte 1O primeiro número da “Collana del Tex” (Colecção do Tex) era intitulado “O Totem Misterioso“. Tex aparece como um fora-da-lei de astúcia e pontaria infalível, mas aos poucos a personagem demonstra que age seguindo um ideal de justiça e passa a ser chamado de “o justiceiro solitário” e de “o melhor atirador do oeste”. Pela sua bravura, coragem e determinação obstinada na luta contra as injustiças, não demorou muito e Tex foi chamado para adentrar nas fileiras dos rangers do Texas, a convite do próprio comandante das tropas de Austin, Mr. Herbert Marshall – ocasião em que Tex conhece Kit Carson. Esse homem, mais velho, nem de longe se assemelha ao verdadeiro explorador americano, mas é sobretudo um tributo dos autores a um outro famoso artista italiano, Rino Albertarelli, que havia ilustrado a BD “Kit Carson” nos anos 30. Carson torna-se o melhor amigo de Tex: seu cinismo e seu humor sempre compensam a seriedade e as atitudes um pouco paternalistas de Tex.

Tex Willer, o spaghetti western em quadrinhos - Parte 2Numa aventura, Tex é salvo da morte pela índia Lilyth, ou Lírio Branco, que viria a se tornar sua esposa e, na verdade, a única mulher a quem o ranger realmente amou. Dessa união nasceu uma criança, chamada entre os índios de Pequeno Falcão (Kit Willer). Mas Lilyth logo morre com varíola, numa epidemia causada por cobertas infectadas levadas à reserva por alguns bandidos ansiosos para livrar-se de Tex. Esse acontecimento levará a uma longa série de aventuras dominadas pelos temas da vingança, da dor e da amizade. Nesse período Tex se aproxima de Tiger Jack (no Brasil, Jack Tigre), um índio silencioso e misterioso, cuja trágica história será revelada apenas depois de vários anos. Estabelece-se um forte relacionamento entre Tex e os Navajos, que fazem dele seu chefe honorário com o nome de Águia da Noite. Graças a esse pacto de sangue, Tex tomou-se anos mais tarde Chefe dos Navajos, pois Lilyth era a filha de Flecha Vermelha, o grande chefe de todas as tribos navajos.

Tex Willer, o spaghetti western em quadrinhos - Parte 3Tex é o representante sincero que os índios podem contar sempre, quer seja no trato com os “casacas-azuis”, com os órgãos governamentais ou para ajudar a dissipar qualquer ameaça à paz. Empossado agente indígena dos navajos do Arizona, as acções de Tex beneficiam também todas as tribos indígenas norte-americanas. Em muitas ocasiões o vemos deslocando-se aos mais remotos confins dos Estados Unidos sempre firme na luta contra os exploradores que aproveitam-se dos indígenas, quer para apossar-se de suas terras, quer para traficar armas ou álcool.

Amante da vida livre na pradaria, sempre que pode Tex recusa a oportunidade de viajar nos trens do velho oeste para estar na sela de seu cavalo. Muitos “amigos de quatro patas” já foram selados por Tex, porém nenhum deles igualou-se àquele que respondia pelo nome de Dinamite, o companheiro fiel desde o tempo das aventuras como fora-da-lei. Aliás, Dinamite sempre deu mostras de ter “tutano”, como Tex gostava de dizer, chegando até mesmo a salvar a vida de seu dono em algumas situações.

Tex Willer, o spaghetti western em quadrinhos - Parte 4Frequentemente Tex, Kit e Tiger se afastam das limitações da vida do Velho Oeste e acabam num mundo de magia. Nos álbuns de Tex o cenário se combina com horror, fantasia, intriga policial, suspense, viagens à nascente metrópole californiana ou à civilização desaparecida. Com isso, não são explorados apenas os diversos locais da narrativa, mas também outros aspectos da América são integrados na série. Ainda que os heróis obedeçam às clássicas regras da invencibilidade, Mantegazza e Salvarani delineiam o esquema fundamental das missões de Tex frente a inimigos típicos: “Diante de um crime (ou de um mistério), Tex decide se envolver, frequentemente convidado por uma figura externa; os Maus fazem de tudo para eliminá-lo; ele se livra e surra um bandoleiro até Jazê-lo “cantar”; depois, chega ao Grande Chefe dos Maus e o elimina”.

G.L. Bonelli havia criado o herói como queria que fosse: um homem corajoso e generoso que não tolera a arrogância, o poder, a mentira e os soldados. Um homem que condena todo acto de violência gratuita mas que não teme nada e ninguém. Exemplo de dinamismo e de energia, como um concentrado de imagens do Oeste extraídas de filmes e da literatura, mas também dos heróis de London, Dumas, Hugo, Verne e Salgari, Tex é um híbrido que nasceu espontaneamente da imaginação de Bonelli e Galleppini, depois redefinido pelo filho de Bonelli, Sergio, por Claudio Nízzi e por diversos outros artistas. G.L. Bonelli amava a acção e as intrigas, Sergio tinha uma inclinação pelo fantástico, Nizzi voltou ao modelo original e tornou o herói ainda mais invencível e as histórias mais realistas.

Para saber mais, visite o site www.texbr.com.

Copyright: © 2007 Revista “Showtime western“; Sergio Martorelli

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

2 Comentários

  1. Não concordo que Tex Willer seja o “Spaghetti Western” em quadrinhos.
    Primeiro, porque ele é bem anterior a isso, e depois porque ele está muito mais próximo dos western americano do principio do século XX.
    Os heróis do “Spaghetti Western” são “anti-heróis”, sujos, sem escrúpulos, egocêntricos, invariavelmente preocupados em ganhar vantagens e dinheiro sem muito esforço.
    Não que eu não goste dos chamados “Spaghetti Western”, eu até gosto muito, acho até que a maioria deles estão mais próximos da realidade daquela época… mas certamente eles não têm nada a ver com Tex Willer e o seu universo.

    AMoreira.

  2. Não é rigorosamente o estilo cinematográfico do spaghetti western, porque de fato Tex não tem aquelas características negativas como ambição desmedida,etc, caras ao gênero elaborado pelo outro Sergio, o Leone, mas é preciso apontar que na energia e na violência ele é bem parecido com os personagens spaghettianos.
    Aliás antecipou de certa forma essas características. Não concordo quando o colega AMoreira diz que ele está mais próximo do western americano do início do séc. XX. A referência logicamente é o cenário, o habitat do cowboy na paisagem americana, no entanto a maneira de representar as personagens e a construção formal e do conteúdo (história/roteiro) são totalmente diferentes.O padrão americano passa por uma total reformulação, eu diria uma ressignificação mesmo. É uma outra visão própria do europeu e mais particularmente do italiano que adora reinventar tudo. O temperamento de Tex é outro, bem latino, diferente do comportamento anglosaxônico dos cowboys do cinema americano. Não é de fato rigorosamente western spaghetti, mas está muito mais próximo desse estilo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *