Resgatando o passado: Fabio Civitelli, três décadas cavalgando com Tex

Por Mário João Marques *

Introdução
Numa das suas várias entrevistas, quando instado a comentar a situação atual da banda desenhada, Fabio Civitelli sublinhou que o mais importante é fazer bem o seu trabalho. Um autor deve ter uma permanente preocupação em não defraudar o leitor, deve trabalhar muito e no duro, treinar constantemente o seu traço, experimentar novas soluções, ler e acompanhar o que se vai fazendo noutros domínios como o cinema ou a pintura. Não basta dominar a técnica do desenho, é fundamental conhecer as regras e as técnicas de um meio tão específico como a 9ª Arte, desenvolver uma grande cultura visual, de modo a saber contar uma história por intermédio de imagens e desenhos. Se tivéssemos que caraterizar em algumas palavras o autor Fabio Civitelli, certamente que estas linhas assentariam que nem uma luva, já que o artista aretino desde cedo foi capaz de compreender que a banda desenhada não se reduz a um mero conjunto de desenhos com maior ou menor dinamismo, é também e sobretudo uma arte feita de artífices que trabalham no duro, ansiando pelo reconhecimento de um público cada vez mais exigente.

Para deleite dos leitores texianos (e da banda desenhada de uma forma geral), durante os últimos 30 anos Fabio Civitelli tem vindo a colocar notavelmente em prática esta forma de pensar, contribuindo de forma muito evidente para que Tex, sem renegar a sua origem popular, passasse a ser visto e identificado como um produto de grande qualidade. Com a sua constante ambição em experimentar novas técnicas, novos caminhos, outras soluções, Fabio Civitelli já está na História de Tex, ao lado de outros grandes desenhadores como Galleppini, Ticci ou Villa que, a seu modo, também trouxeram algo de novo à série, a qual, ao aproximar-se dos 70 anos de vida, continua a marcar gerações e a fascinar leitores dos mais diversos quadrantes da sociedade.

Civitelli é hoje um dos autores marcantes de Tex, não só pela sua personalidade, pela sua carreira, mas sobretudo porque entre o autor e a personagem se nota uma relação perfeita feita de muita entrega e paixão. Civitelli já deu muito à personagem, mas soube sempre reconhecer tudo o que Tex já lhe deu, presenteando o leitor com um crescente carinho e atenção.

Por isso, ao contrário de muitos comentadores dos mais variados quadrantes, quando chamados a tecer comentários ou falar sobre alguém, tentarem sublinhar desde logo a sua independência e imparcialidade, referindo que nada os move a favor ou contra a pessoa, que não a conhecem pessoalmente ou que nunca estiveram com ela, pelo contrário, tudo me move a favor de Fabio Civitelli. Este artigo poderá estar imbuído de alguma parcialidade, alimentada pela grande admiração que nutro pelas suas qualidades humanas e pela paixão que tenho pelo desenhador, pelo artista, pelo seu trabalho, pela sua dedicação a Tex. Este texto, mais do que uma pequena homenagem a um grande autor que, ao longo das 3 últimas décadas, tem vindo a alimentar o meu sonho e o sonho de muitos texianos, no fundo traduz o que objetivamente penso de Fabio Civitelli.

Acredito que muitos leitores de Tex e de banda desenhada em geral pensarão da mesma forma, porque Civitelli, para além das inúmeras qualidades profissionais que o tornaram num grande autor, reúne ainda variadas qualidades pessoais, congregando em si uma enorme admiração que o leva a ser constantemente requisitado por esse mundo fora, o que não o impede, mesmo após o sucesso alcançado, continuar a irradiar simpatia e simplicidade, nunca renegando um autógrafo, um sorriso, uma conversa ou um abraço. No fundo, Civitelli é a prova provada que humildade pode naturalmente rimar com sucesso.

Desenho realizado para a Mostra di Fumetti 2002 em ATRI (Abruzzo)

Breve Biografia

Nascido em 9 de abril de 1955 em Lucignano, província de Arezzo, desde cedo conviveu com os lápis e os cadernos que a sua mãe lhe comprava, para que ele se entretivesse a desenhar enquanto ela se ocupava das lides domésticas. Este hábito enraizou-se no jovem Civitelli que, ainda hoje, não consegue estar mais de um par de dias sem desenhar. Por isso, também bastante cedo, os “fumetti” aparecem na vida de Civitelli, sendo Tex desde sempre uma das suas personagens preferidas. Mas até cumprir o sonho de entrar na série e tornar-se numa das suas referências, Civitelli percorreu um longo caminho.

Começou a trabalhar em 1974 no Studio Graziano Origa em Milão onde ilustrou a série Lady Lust. Passou por editoras como Dardo, Ediperiodici, Universo e Mondadori, onde desenhou várias séries (incluindo alguns super-heróis da Marvel como Quarteto Fantástico e Homem-Aranha, escritas por Alfredo Castelli), tendo inclusive chegado a assumir um pseudónimo, Pablo de Almaviva, na série Doctor Salomon com argumento de Silverio Pisu. Curiosamente, Sergio Bonelli tentou por várias vezes contatar este “autor”, por apreciar o seu trabalho, nunca o tendo conseguido, até ao dia em que lhe colocaram na sua secretária umas pranchas de um jovem vindo de Arezzo e que tinha passado na editora para apresentar os cumprimentos de Ferdinando Fusco, um dos desenhadores históricos de Tex. Sergio Bonelli reconhece imediatamente o traço de Pablo de Almaviva o qual, afinal, tratava-se de um italiano de nome Fabio Civitelli.

Tal como já acontecera com Vicenzo Monti, os primeiros trabalhos de Civitelli para a SBE vão ser em Mister No, permitindo ao autor desenhar, pela primeira vez na sua carreira, histórias mais longas e articuladas. Em Mister No trabalhou com Guido Nolitta, Alfredo Castelli, Claudio Nizzi e Tiziano Sclavi. Desenha ainda Pomeriggio Cubano e L’Avana – Serenata Cubana, duas aventuras escritas por Giuseppe Ferrandino em 1983, publicadas respetivamente nas revistas Orient Express e Giungla!. Com a aventura I Due Killers, escrita por Claudio Nizzi, inicia a sua brilhante carreira em Tex, no número 293 (série italiana), corria o longínquo ano de 1985, passando de então para cá a dedicar-se quase em exclusivo ao ranger, uma vez que, entretanto, desenhou um Almanacco dell’Aventura em 1994, assim como teve oportunidade de desenhar em 2014 uma breve aventura de Dylan Dog, protagonizada por algumas das principais personagens da SBE, nomeadamente Nathan Never e Mister No, com o qual começara a sua carreira na editora.

Um sonho chamado Tex

Cultivando diariamente a paixão pelo desenho, Civitelli nunca teve formação artística. O seu grande desejo em tornar-se um dia desenhador profissional levou-o a devorar revistas de BD, permitindo-lhe assimilar tendências e estilos. Quando o próprio Sergio Bonelli decide o seu ingresso na editora, Civitelli dá o primeiro passo para poder cumprir um dos seus sonhos: desenhar Tex, personagem que fascinava e prendia as atenções do autor desde a sua infância. A SBE pedia regularmente a Civitelli para fazer testes para outras personagens. Fez para Ken Parker, mas a série foi suspensa, fez para Zagor, mas não houve sequência, até que um dia o próprio Sergio Bonelli pediu-lhe páginas com estudos para Tex. Civitelli nunca tinha desenhado um western, nem era mesmo o género que mais o agradava, mas Bonelli insistiu para que o autor apresentasse desenhos baseados no estilo de Ticci, tendo sido aceite. Com humildade, Civitelli admite os receios sentidos na altura, mas quando um autor ama a personagem e se identifica com ela, tudo se torna mais fácil e a segurança adquire-se gradualmente.

Ao longo dos anos, o traço de Civitelli foi-se identificando com o próprio autor, iniciando um caminho muito próprio, feito de constante inovação. Em entrevista ao blogue português de Tex, Civitelli veio sublinhar que o facto de trabalhar para uma série considerada comercial não impede que um autor não possa inovar, experimentar, renovar e melhorar a própria qualidade do seu trabalho. Assim cresce uma sintonia flagrante entre o autor e a personagem, um amadurecimento constante e gradual de aventura para aventura, um trabalho feito de paixão, carinho e sobretudo muito orgulho pelo caminho já percorrido, mas ao mesmo tempo com um sentimento de enorme reconhecimento por todos os que acreditaram que Civitelli pudesse desenhar um ícone da banda desenhada italiana e mundial.

Tex sempre foi o herói italiano por excelência, uma série que durante décadas, ano após ano, consegue vender milhões de exemplares. Para este “palmarés” contribuíram variados fatores: estratégias editoriais, os valores emanados da série, capacidade de rejuvenescer e adaptar-se aos novos tempos, a qualidade dos argumentos, os quais, apesar de se basearem em temas já por várias vezes utilizados, conseguem inovar no seu desenvolvimento e com isso atrair a atenção do leitor, ou ainda a elevada qualidade dos seus desenhadores, vertente que tem vindo sempre em crescendo. Muitos apelidam e conotam a série com a banda desenhada popular. Mas Tex é uma série popular não só porque vende milhares de cópias semanais. Tex é popular porque atinge todas as franjas da sociedade, chega a todo o tipo de leitor. O público hoje é muito exigente e seTex vende é porque tem qualidade. Autores como Civitelli muito contribuíram para que essa qualidade tenha hoje atingido patamares como nunca. Numa sociedade onde tudo gira em redor do visual e do imediato, Civitelli compreendeu o quanto importante é ser exigente consigo mesmo para apresentar o melhor produto final a um leitor que não se contenta apenas em ler, mas que também visualiza, contempla e aprecia. Civitelli assume-se assim como um artista na sua plenitude, um autor em constante aprendizagem e renovação, com uma ambição própria colocada ao serviço da série e do leitor.

Desenho realizado para colecionador privado

Ao contrário do que muitos possam julgar, Tex é uma personagem difícil não só de escrever, mas também de desenhar. Há toda uma caraterização que o deve tornar reconhecível perante o leitor. Civitelli partiu da influência ticciana e rapidamente chegou ao seu próprio Tex, um modelo situado algures entre Ticci e Villa, de acordo com o próprio Civitelli. Não renegando essas origens, o Tex de Civitelli é, no entanto, único e muito apreciado pelos leitores. É um Tex imponente como em Ticci ou pujante e altivo como em Villa, mas a elegância civitelliana é única e ímpar.

Por outro lado, os cenários e ambientes do western são muitos e variados, obrigando aos seus autores uma vasta documentação. Como chefe dos Navajos, Tex cavalga permanentemente entre duas culturas, entre múltiplas fronteiras, situando-se as suas aventuras nos cenários poeirentos do Texas, nas montanhas do grande norte, numa qualquer aldeia mexicana, na elegância das cidades, em ambientes mais ou menos fantásticos, numa reserva índia ou mesmo a bordo de um barco navegando num rio ou oceano. Se no início Civitelli receou a sua entrada na série, o facto de poder desenhar toda a monumentalidade do oeste americano, a sua natureza, todos estes ambientes tão diferenciados, levam-no a apaixonar-se e a sentir-se realizado como desenhador. A partir da aventura Gli spiriti della notte Civitelli assume na plenitude estar à vontade com Tex e com o western, acreditando poder desenhar com o seu próprio estilo, procurando sempre melhorar e evoluir. De então para cá, Civitelli tem vindo a presentear o leitor com um conjunto de trabalhos de grande qualidade gráfica, cujas caraterísticas merecem que nos debrucemos um pouco sobre as mesmas.

A arte ao serviço de uma paixão

Quando começa a trabalhar em Tex, o traço de Civitelli obedece ao classicismo tradicional da série. A equipa de desenhadores, se bem que alargada relativamente aos primeiros anos, ainda não era constituída pela extensa legião que hoje trabalha para responder a cada vez mais publicações e um maior número de solicitações dos leitores. Naquela altura, a equipa de desenhadores não fugia muito dos cânones da série, dando uma interpretação gráfica mais constante e homogénea do herói, adotando algumas vezes o seu próprio estilo, mas sem ultrapassar os limites impostos pela editora. Apesar disso, apesar deste evidente classicismo, nada impede Civitelli de construir desde logo um Tex com bases ticcianas, mas identificável com o próprio autor, tornando-o, como já acima afirmado, único e pessoal. Um Tex que, tal como de Ticci, raramente abre totalmente os olhos, permitindo apresentar um herói permanentemente concentrado, atento e irónico no seu sorriso.

Desde cedo que Civitelli afirma a sua personalidade, a sua constante busca de novos territórios gráficos, a sua permanente evolução, levam-no a adotar ao longo dos anos determinadas caraterísticas técnicas, sem nunca renegar o evidente classicismo do seu traço, realista, apurado, preciso e limpo. As qualidades gráficas do autor permitem-lhe desenhar verdadeiras obras-primas em qualquer ambiente ou cenário, constituindo cada trabalho uma nova solução gráfica, sustentada no aprofundamento de técnicas já desenvolvidas, sem contudo se coibir em experimentar outras, conduzindo Civitelli a uma constante aprendizagem. Luca Raffaelli chega mesmo a afirmar que procurar erros ou incongruências em cada quadrado ou em cada prancha do autor aretino torna-se uma tarefa quase impossível, já que Civitelli não comete erros nem no mais ínfimo detalhe, sendo extraordinária a meticulosidade do seu trabalho. Há uma “espécie de exaltação dos acabamentos… sem recorrer a inúteis concessões formais: com um estilo quase linear, quase de documentário e de rara eficácia narrativa”, de acordo com Giovanni Battista Verger.

Desenho realizado em 1998 para o livro Cinquantex da editora Lo Scarabeo a propósito dos 50 anos de Tex

A caraterística técnica que mais facilmente transparece do desenho de Civitelli é o denominado pontilhismo, que o autor vai utilizar como forma determinante e concreta para conferir dinamismo, contraste e luminosidade, pontos importantes do seu desenho. O pontilhismo consiste na utilização de pontos organizados bem próximos uns dos outros e sobrepostos, dando ao observador a impressão de um todo. O desenho possui sombras que combinam com a luminosidade, dando um efeito de dimensão e profundidade. O pontilhismo em Civitelli advém de uma incessante procura por novas soluções, nasce da necessidade do autor em trazer tons intermédios para a série (quando na SBE havia apenas o preto e o branco), permitindo criar um dinamismo ímpar, superar as exigências técnicas dos contrastes, criar uma sombra ou uma claridade perfeitamente definida. Integralmente realizado à mão e sem recurso a qualquer auxiliar informático, o pontilhismo em Civitelli é um elemento essencial, decisivo, primordial e protagonista, não se reduzindo a uma mera técnica decorativa.

Ponto importante no desenho de Civitelli é o dinamismo, já que para o autor não bastará que um desenhador saiba dominar muitas das técnicas do desenho se não conseguir ou se não souber dotar o seu trabalho de dinamismo. Este efeito pode ter variadas origens, tornando-o mais ou menos apurado consoante o desenhador o saiba utilizar em doses equilibradas. O dinamismo pode ser transmitido por via das fisionomias, dos movimentos ou das posturas que o autor imprima às personagens, mas também por via de efeitos gráficos como pontos, linhas, traços, onomatopeias que acompanhem a ação e possam ser capazes de conferir uma importância à cena que levem o leitor a concentrar-se na mesma. Na primeira fase da sua carreira em Tex, muitas das cenas de ação em Civitelli são dominadas por traços que partem do centro para o exterior, outros que, pelo contrário, apontam para o interior, traços que acompanham o movimento do corpo das personagens, tudo sublinhado por onomatopeias, resultando daqui um dinamismo ímpar. Missione a Boston é a aventura onde Civitelli consegue explorar ao limite todas estas vias e caraterísticas, não hesitando em sair momentaneamente do classicismo que o carateriza, como forma de exaltar toda esta técnica.

Por outro lado, Civitelli prefere trabalhar a preto e branco, apesar de aceitar naturalmente a crescente importância da cor, mesmo numa editora mais tradicional como a SBE. Trabalhar com o preto e branco ensina um autor a dominar os efeitos entre o claro e o escuro, ensina a conferir profundidade e legibilidade, permite ao autor controlar o trabalho até ao final, apresentando-o ao leitor como foi elaborado, não sendo necessária a intervenção de um colorista, que muitas vezes pode não compreender plenamente as indicações do desenhador. Deste modo, para Civitelli os contrastes entre claro e escuro e os efeitos que estes possam proporcionar assumem uma grande importância, há uma permanente busca por uma gama de luzes e de sombras que possam tornar o desenho o mais realista possível. No fundo, luzes e sombras são um prolongamento do dinamismo que Civitelli imprime ao seu desenho. Trata-se de mais um efeito gráfico que o autor utiliza de modo superior e que o torna tão inconfundível perante o leitor.

Prancha de Missione a Boston

Esta arte de Civitelli, este seu desenho ímpar tem muito da técnica fotográfica. A fotografia, outra das paixões de Civitelli, surge assim como um complemento ao desenho, uma vez que os enquadramentos, o estudo da luz e da perspetiva fotográfica são bases auxiliares bem evidentes no seu trabalho. A fotografia obriga a saber enquadrar algo nos limites de uma objetiva e o modo de o fazer, por isso o desenho de Civitelli acaba por transmitir a visão do autor, o modo como observa e enquadra uma determinada realidade tal e qual ela se apresenta aos seus olhos, existindo assim uma notável fidelidade em transmitir o que se efetivamente visualiza.

Civitelli vê a fotografia como “uma companheira de viagem do meu trabalho de desenhador”. As duas coisas comunicam sempre uma com a outra”.

Sem nunca ter frequentado escolas de arte ou cursos especializados, Civitelli é um autodidata, um autor em permanente evolução com um desenho imediatamente reconhecível de tal modo que se pode afirmar existir um estilo Civitelli. Tendo dedicado os primeiros anos ao estudo da anatomia, dos enquadramentos e da perspetiva, de modo a obter bases sólidas para a posição e o movimento, o autor evoluiu para outros campos. Centrou energias no estudo dos efeitos entre o claro e o escuro e da luz e aprofundou a utilização dos meios-tons, dos cinzentos, de modo a obter efeitos de luz inéditos. Estes tons intermédios raramente são aplicados às personagens, antes utilizados nos cenários, de modo a poder realçar as figuras, as personagens, os atores que o autor desenha com fortes contrates. O próximo passo desta crescente evolução poderá ser o estímulo da cor, que o autor já teve ocasião de abordar diretamente, não só em vários desenhos isolados, como também em duas curtas histórias de Tex, Il Duello e La Preda.

Civitelli e Tex, uma relação feita de aventuras

Em três décadas de trabalho, a atividade de Civitelli em Tex é marcante. Com exceção de Guido Nolitta, Civitelli trabalhou com os mais importantes argumentistas de Tex, como Gianluigi Bonelli, Claudio Nizzi, Mauro Boselli ou Gianfranco Manfredi. Desenhou inúmeras personagens, umas mais anónimas, outras pertencentes ao imaginário texiano, como El Morisco, Tigre Negro ou Yama, um dos protagonistas da sua próxima aventura. Desenhou uma plenitude de ambientes e cenários, combinando os mais poeirentos e agrestes do velho oeste com ambientes fantásticos, pantanosos ou ainda os elegantes ambientes citadinos. Trabalhou noutros projetos da série, ilustrando obras como Tex – Romance da Minha Vida, de Mauro Boselli ou O Meu Tex de Giovanni Battista Verger. Expôs por inúmeras vezes e em variadas ocasiões um pouco por todo o mundo. Um dia talvez seja o próprio Civitelli a escrever o argumento de uma aventura situada no Canadá, com Jim Brandon, a Polícia Montada, extensas florestas e a neve, os únicos cenários e das poucas personagens que lhe faltará desenhar.

Para além do desenho, Civitelli também já teve oportunidade de intervir, de modo mais ou menos direto, em argumentos para aventuras do ranger. Esta sua faceta menos conhecida, definidora do ecletismo e da importância do autor na série, nasce da verdadeira paixão de Civitelli por Tex e foi possibilitada pela cumplicidade e sintonia que sempre manteve com Claudio Nizzi, o que lhe permitiu estar à vontade para sugerir, modificar, variar, propor ideias, intervir para além do desenho.

A primeira história escrita por Fabio Civitelli para Tex surge em 1998 com Il Duello, uma breve aventura de 16 páginas onde um jovem pistoleiro se confronta com o ranger. No entanto, foi no Festival de Lucca em 1996 que a parceria com Nizzi parece ter tido o seu início, quando Civitelli sugeriu que este lhe escrevesse uma aventura onde fosse retirado o papel de agente índio a Tex. Nizzi achou que isso seria uma bela ideia e desafiou o próprio Civitelli a escrever a história. Alguns meses mais tarde nasce Il Presagio, aventura que será publicada em 2000 e que de alguma forma resume a temática geral dos seus argumentos, uma abordagem mais intimista e emocional com raízes no passado de Tex, no fundo não deixando de inovar como faz constantemente com o seu desenho.

Desenho realizado em 1998 para o livro Cinquantex da editora Lo Scarabeo a propósito dos 50 anos de Tex

Em função de toda esta atividade, importa assim revisitar as aventuras texianas de Civitelli, para melhor compreender a sua evolução e o seu papel marcante na série.

1985 – I due killers – Tex Italiano 293, 294 e 295
No Brasil: Tex 199, 201 e 202 e Tex Ouro 2 (Os dois assassinos)
Estreia de Civitelli em Tex, numa aventura escrita por Claudio Nizzi, mas nessa altura ainda creditada a Gianluigi Bonelli. O traço limpo e muito realista de Civitelli é uma verdadeira novidade na série. O oeste de Civitelli é ordenado, equilibrado nos seus contrastes, imponente e elegante nas suas personagens. Civitelli assume as dificuldades em passar dos ambientes da selva amazónica de Mister No para os ambientes mais áridos do Arizona, mais a mais numa época onde a documentação escasseava, mas a estreia é aplaudida e revela-se brilhante.

1986 – Omicidio a Corpus Christi – Tex Italiano 304, 305, 306 e 307
No Brasil: Tex 211, 212 e 213 e Tex Ouro 6 (Os conspiradores)
Claudio Nizzi escreve uma saga mexicana com múltiplos e variados ambientes para mais um grande trabalho de Civitelli, que confere muita atenção aos enquadramentos e aos jogos de luzes, com uma certa liberdade na composição das pranchas, ao inserir vinhetas verticais. Entretanto, Civitelli vinha acumulando já uma preciosa documentação, que vai ser de grande utilidade nesta aventura: as armas apresentadas equipavam efetivamente os oficiais do exército mexicano da época; o mosteiro, apesar de contestado por Decio Canzio, situa-se verdadeiramente no México; o navio é desenhado a partir de um modelo real, o Cutty Sark. Com esta aventura, Civitelli passa a ser visto aos olhos da editora como sendo um desenhador com um traço muito polido e menos adaptado a cenários mais “sujos”. Segundo o autor, foram necessários cerca de 15 anos para alterar, em parte, esta opinião.

1987 – Pista di morte – Tex Italiano 319, 320 e 321
No Brasil: Tex 227 e 228 e Tex Ouro 12 (Na pista de El Lobo)
Primeira das duas aventuras que Fabio Civitelli desenhou com argumento de Gianluigi Bonelli. Menos espetacular e elaborada, quando comparada com as do passado, esta foi uma das últimas aventuras escritas pelo criador de Tex. Civitelli afirma ter feito uma tentativa em “sujar” um pouco o seu traço, para que de alguma forma pudesse traduzir melhor os ambientes do velho oeste. O resultado não o deixou satisfeito, convencendo-o ainda mais que um autor deve seguir o seu caminho, tentando sempre aperfeiçoar-se e melhorar, mas sem alterar as suas próprias caraterísticas e personalidade.

1987 – La città corrotta – Tex Italiano 323
No Brasil: Tex colorido 2 e Almanaque Tex 34 (A cidade corrompida)
Uma aventura auto conclusiva ambientada em Nova Orleães, perfeitamente ilustrativa de um dos grandes filões narrativos da série: Tex e Carson chegam a uma cidade para combaterem um senhor local. O desenho de Civitelli retrata com grande fidelidade histórica a cidade de Nova Orleães: o porto, o bairro francês, Canal Street, a catedral, tudo é retratado de acordo com as fotos da época que a própria editora forneceu a Civitelli. O desenhador inseriu ainda dois modelos de pistolas que ninguém desenhara, mas que se encontravam muito utilizados na época: a Double Action e a Pocket Navy.

1989 – Gli spiriti della notte – Tex Italiano 346, 347, 348 e 349
No Brasil: Tex 256, 257, 258 e 259 e Tex Ouro 20 (A volta de Zhenda)
Regresso da bruxa Zhenda, personagem criada por Gianluigi Bonelli, uma espécie de Mefisto de saias que é guiada pelos mesmos objetivos de dominar e liquidar Águia da Noite. Escrita por Claudio Nizzi, a aventura toca na questão da usurpação do poder e parte das mesmas premissas bonellianas, procurando a mesma inspiração e os mesmos artifícios, mas sem a mesma originalidade do clássico de 1981, escrito por Gianluigi Bonelli e desenhado por Galleppini, auxiliado por Francesco Gamba. Ao fim de quatro anos a desenhar Tex, Civitelli assume estar à vontade na série a partir desta aventura, que o ocupou por mais de dois anos, mas deu-lhe a oportunidade de desenhar ambientes fantásticos e experimentar efeitos de contraluz. Nota curiosa, a cena de flashback da aventura não foi realizada a partir de fotocópias dos desenhos de Galleppini, mas com desenhos originais de Civitelli adaptados ao estilo do criador gráfico de Tex.

1991 Agguato nella miniera – Tex Italiano 367, 368 e 369
No Brasil: Tex 277, 278 e 279 e Tex Ouro 29 (Revolta em Chihuahua)
Esta longa aventura, desenrolada no México, guarda em si a originalidade de ter sido desenhada por dois autores: Ferdinando Fusco e Fabio Civitelli. Claudio Nizzi não estava muito confortável em entregar as mais de 500 páginas a um só desenhador, receoso do tempo que este levasse a finalizar o trabalho. Por isso, sabendo do excelente relacionamento entre Fusco e Civitelli e do facto de residirem próximos um do outro, Nizzi dividiu tarefas. No entanto, desde logo surgiu um problema, já que enquanto Fusco desenhava as primeiras páginas, ao realizar ao mesmo tempo as 250 páginas finais, Civitelli teria que compor cenários, ambientes e personagens que Fusco ainda não tinha desenhado. Foi uma experiência cansativa para Civitelli, que não o permitiu ser tão veloz quanto desejaria, acabando a aventura por ter demorado o mesmo tempo a ser concluída, caso todas as páginas tivessem sido desenhadas pelo
mesmo desenhador.

1993 – Intrigo a Santa Fé – Tex Italiano 393, 394 e 395
No Brasil: Tex 304, 305 e 306 e Tex Férias 5 (Intriga em Santa Fé)
Passavam trinta anos após o assassinato de John Kennedy em Dallas e a ocasião parece ter influenciado Claudio Nizzi a escrever uma das aventuras mais apreciadas da série, levando Tex e Carson a Santa Fé, onde descobrem uma conspiração tendente a assassinar o Presidente Ulisses Grant. Bem construída e sobretudo muito bem desenvolvida, a aventura conduz o leitor até aos meandros de uma conspiração política plena de suspense e sempre em crescendo dramático, a história perfeita para Civitelli provar de modo eloquente as suas capacidades técnicas e estilísticas: enquadramentos cinematográficos com grandes planos, planos longos, contra campo, enquadramento inferior, superior, cenários grandiosos, expressões e dinamismo das personagens, efeitos de contraluz, cenas magistrais e inesquecíveis. Civitelli demonstra estar perfeitamente à vontade na construção texiana e de personagens, logrando desenhar páginas de rara beleza e intensidade dramática. Toda a cena da emboscada na ponte ficou nos anais da história texiana, porque a juntar ao elemento cénico Civitelli utiliza planos e ângulos que conseguem transportar o leitor para outros patamares, no fundo como se estivéssemos a viver a carga dramática latente. Também as cenas do incêndio na cabana ou a captura do atirador furtivo durante a visita de Grant contribuem também para um trabalho que fica na memória de todos os que já leram esta aventura. Civitelli mantém uma elevadíssima qualidade em todos os cenários, passeando toda a sua arte pelas ruas de Santa Fé ou pelos corredores dos seus edifícios, assim como denota uma energia nas planícies do oeste como poucos sabem interpretar.

1995 – Missione a Boston – Tex Italiano 414, 415 e 416
No Brasil: Tex 326, 327 e 328 e Tex Ouro 48 (Missão em Boston)
Em mais uma aventura escrita por Claudio Nizzi, Tex e Carson viajam até Boston em busca de um renegado navajo que se encontra na cidade para receber um contrabando de armas proveniente da Europa e destinado a um general mexicano rebelde. Mudança radical de ambientes, já que Boston é apresentada fustigada pela neve que não cessa de cair, o que vai permitir a Civitelli transformar este elemento da natureza como o verdadeiro protagonista da aventura. A arte do desenhador consegue elevar a qualidade da história a um patamar superior ao enredo de Nizzi, tendo representado um enorme desafio técnico para Civitelli. Por exemplo, em vez de desenhar as cenas normalmente e posteriormente adicionar os flocos de neve, Civitelli optou por utilizar a neve como o primeiro elemento
da imagem, com flocos grossos, de certa forma anulando os cenários, conferindo crescente importância ao elemento meteorológico perante o olhar do leitor. Por outro lado, para sobressair melhor os cinzentos e as sombras na neve, experimentou uma técnica que consistiu em espalhar a tinta no papel com uma palhinha. Todo este trabalho deixou uma grande satisfação em Civitelli, algo desvanecida depois das páginas impressas na editora, já que os efeitos pretendidos acabaram por ficar atenuados.

Capa de portfólio publicado pela Little Nemo que inclui litografias numeradas e de edição limitada. O desenho pretende ser a capa perfeita para a aventura com o Tigre Negro escrita por Nizzi e desenhada por Civitelli

1997 – Il ritorno della Tigre Nera – Tex Italiano 443, 444 e 445
No Brasil: Tex 356, 357, 358 e 359 e Tex Ouro 63 (O retorno do Tigre Negro)
Alguns anos após a primeira aventura, Claudio Nizzi propõe o regresso do Tigre Negro, um dos mais carismáticos inimigos de Tex, personagem camaleónica que Claudio Villa tinha interpretado graficamente de modo soberbo. Este regresso é em si mesmo um acontecimento na série, já que o Tigre Negro fora adotado pelos leitores pelo seu carisma e mistério, convincente no ódio que emanava. Desta
vez o desafio foi proposto a Civitelli, deixando os leitores literalmente surpreendidos com a caraterização que o desenhador fez do Tigre Negro, muito fiel à interpretação de Villa, mas adquirindo uma certa grandiosidade e sobretudo uma frieza glacial. Tex mergulha num autêntico ambiente de horror, numa atmosfera gótica, permitindo a Civitelli compor na perfeição as figuras humanas e juntando a técnica do pontilhismo que acentuará a tridimensionalidade das personagens perante os variados ambientes. O autor vai utilizar uma técnica que consiste em pressionar o pincel sobre a prancha, inserindo um conjunto de pontinhos irregulares que depois serão retocados, de modo a uniformizá-los. Civitelli considera as cenas noturnas que decorrem nos pântanos e aquelas onde compõe zombies como sendo dos seus melhores desenhos de sempre.

2000 – Il presagio – Tex Italiano 475, 476 e 477
No Brasil: Tex 390, 391, 392 e 393 e Tex Especial Civitelli 1 (O presságio)
Esta aventura encerra em si uma caraterística que a distingue no panorama da série: Trata-se da primeira aventura de Tex publicada na série regular que registou o contributo de Civitelli também no seu argumento, a si se devendo a ideia inicial do enredo, posteriormente desenvolvido por Claudio Nizzi. Cansado de histórias ambientadas em cenários mais urbanos, o argumento parte do desejo de Civitelli em desenhar uma aventura protagonizada por índios, soldados, feiticeiros e contrabandistas de armas, encontrando-se patente um certo insuflar de sangue novo, nomeadamente na personagem de Alison, uma bela viúva que acolhe Tex na sua casa, mas sobretudo no seu coração, existindo assim uma evidente cumplicidade entre os dois. Civitelli pretendeu explorar bem a sua paixão pelos ambientes naturais do western: Forte Defiance, a aldeia navajo, as montanhas, as planícies, a cidade ou o saloon. Um trabalho que o consumiu durante quase dois anos e meio e que permite cimentar as técnicas que o autor vinha desenvolvendo ao longo dos anos, tendo sido galardoado com o Prémio Fumo di China 2000 para o melhor desenhador realista. No entanto, Il Presagio acabará por demonstrar a Civitelli os limites impostos pela série e que a editora dificilmente deixará ultrapassar, com o final da aventura a ser modificado, já que a SBE o considera algo delicado. No argumento de Civitelli Tex era mais afetuoso, não sendo indiferente o interesse manifestado por Alison, mas Nizzi vem apresentar um Tex mais frio e que se limita a vê-la partir para Santa Fé, depoisde aceitar a proposta de casamento do  cunhado.

2001 – La morte nera – Tex Italiano 493
No Brasil: Almanaque Tex 15 (A morte negra)
Numa pequena cidade mineira muitos habitantes andam a morrer com a particularidade de mudarem a cor da pele, atribuindo-se o facto à vingança de um velho feiticeiro índio. Pequena aventura escrita por Claudio Nizzi, que apresenta um Tex como um verdadeiro detetive. O enredo é pouco denso e rapidamente o leitor adivinha a sua conclusão. Desenhada por outro a aventura rapidamente seria esquecida, mas mais uma vez Civitelli consegue apresentar um trabalho rico de detalhe, de fortes contrastes entre o claro e o escuro e com uma notável capacidade no desenho das personagens e de ambientes naturais, provando estar à vontade em qualquer registo.

Prancha de Ritorno a Culver City

2003 – Ritorno a Culver City – Tex Italiano 511 e 512
No Brasil: Almanaque Tex 25 (Retorno a Culver City)
A partir de uma ideia de Fabio Civitelli, Claudio Nizzi apresenta uma aventura que marca um retorno ao passado de Tex quando, na companhia do filho Kit, regressa ao velho rancho dos seus pais e aos locais onde passou a infância juntamente com o seu irmão Sam. Mas marca também o regresso a um passado de vingança e de justiça, quando sozinho enfrentou e desmantelou o poder de Tom Rebo na cidade. Nizzi e Civitelli não mergulham apenas no passado do herói, homenageiam de igual modo o passado da série. Ritorno a Culver City é ainda uma viagem ao western clássico, feito de ação, muita pólvora, armadilhas, chantagens e corrupção, onde impera a lei do mais forte, uma singela homenagem a westerns da idade de ouro de Hollywood, a atores como Gary Cooper, John Wayne ou James Stewart e a cineastas como John Ford ou Howard Hawks. Uma aventura feita de memórias, de lembranças e de imagens e que permite ao leitor conhecer alguns factos dos pais de Tex: a sua mãe chamava-se Mae e, de acordo com as inscrições nas respetivas tumbas, nasceu em 1814 e morreu em 1856; Ken Willer, o pai, nasceu em 1812 e morreu em 1865; permite ainda perceber que, tendo decorrido cerca de 20 anos após a morte de Sam Willer, e que nessa altura Tex ainda não conhecia Lilyth, Kit Willer não poderá ter mais de 19 anos. Civitelli retrata de modo sublime o peso do passado em duas magníficas pranchas, singularmente feitas de silêncio (páginas 28 e 29). No entanto, tal como foi publicada, Ritorno a Culver City aproveita apenas a ideia base de Civitelli, o regresso de Tex e do filho Kit à cidade e a sua visita ao velho rancho dos Willer. Nizzi aprecia o argumento, mas lembra a Civitelli que a SBE não aceitará facilmente a introdução de novas personagens, já que inicialmente tinha sido prevista a participação de um sobrinho de Tex. Todo o preâmbulo melancólico e nostálgico é puramente civitelliano, mas o resto da aventura, alterado por Nizzi, acabará por conservar de Civitelli apenas o espírito.

2005 – Tumak l’Inesorabile – Tex Italiano 536 e 537
No Brasil: Tex 442 e 443 (Tumak, o Implacável)
História idealizada por Civitelli e que parte da mesma premissa de Il pueblo perduto, desenhada por Ticci com argumento de Claudio Nizzi, assim como se assemelha nos ambientes a Il diadema indiano de Boselli e Letteri e que tinha sido publicada uns meses antes. Uma vez mais, Nizzi aproveita a ideia de Civitelli mas introduz modificações, alterando mesmo alguns pontos do argumento. Um especialista em civilização pré-colombiana acredita ter descoberto os vestígios dos Anasazi, uma antiga tribo índia, num velho pueblo abandonado. A expedição depara-se no entanto com o fanático guerreiro Tumak, que odeia os brancos e pretende a todo o custo defender o vale sagrado e os direitos da sua raça. Civitelli tinha intitulado a aventura como Il canyon di fuoco, apresentando Tumak como uma personagem algo abrutalhada, com pouco de implacável como o título final escolhido pela SBE parece caraterizar. Graficamente, Civitelli desenha paisagens de modo admirável e os seus enquadramentos sobressaem pela rara beleza. Esta aventura carateriza-se por algumas inovações relativamente aos códigos estabelecidos pela SBE para a série: um pesadelo de Tex é representado com um desenho a aguarela, para melhor o distinguir e reforçar o respetivo efeito, assim como uma vinheta vertical, ao longo de toda a página, apresenta Tex a descer com a intenção de reforçar a sensação de vertigem.

2005 – Il fugitivo – Almanacco del West 2005
No Brasil: Almanaque Tex 27 (O fugitivo)
Detido numa pequena cidade, acusado de assassinato a sangue frio e em fuga para as montanhas para escapar a linchamento, estes são os traços gerais de uma aventura cujo argumento foi sugerido a Claudio Nizzi por Civitelli. Destinada a ser desenhada pelo estreante Rossano Rossi, Civitelli vai realizar os esboços das últimas 35 páginas, devido ao atraso que se verificava.

2006 – La banda dei tre – Tex Italiano 554 e 555
No Brasil: Tex 458 e 459 (O trio mortal)
Chegado à reforma, um velho xerife pede a Tex que o ajude a descobrir os responsáveis pela morte da sua mulher, ocorrida 15 anos antes durante um assalto ao banco de Silver Bell. Inicialmente renitente, o ranger acaba por aceder, relembrando-se dos mesmos sentimentos de vingança que sentiu quando anos antes mataram a sua mulher Lilyth. O argumento de Claudio Nizzi apresentava uma ideia forte, colocar lado a lado dois homens que sofreram a mesma experiência dramática, mas enfraquece-se quando se torna difícil que o leitor aceite factos pouco credíveis e de sustentação frágil. Traço limpo, seguro, firme e elegante, o desenho de Civitelli ajuda a criar uma atmosfera muito própria, caracterizada por um western perfeito no modo como é realizado. A sua aptidão é tanta que por vezes o leitor acredita estar em presença de um verdadeiro retratista de ambientes.

Tex e Lilyth. Desenho realizado para o Festival Lucca Comics em 2011

2008 – Sul sentiero dei ricordi – Tex Italiano 575
No Brasil: Tex Especial 60 Anos (Na Trilha das recordações)
Acontecimento marcante de 2008, uma vez que a publicação desta aventura a cores foi uma das formas que a SBE encontrou para homenagear os 60 anos de Tex. Todo o ambiente e a envolvência escolhidos para o argumento acabaram também por marcar a aventura, uma vez que, como muito bem escreveu Júlio Schneider “a aventura especial comemorativa dos 60 anos de publicação de Tex é uma agradável união de história sentimental com faroeste puro”, constituindo uma viagem do herói pelo caminho das suas recordações mais dolorosas, a sua vida sentimental com Lillyth, mãe de Kit Willer. Esta aventura é, ainda hoje, a única publicada a cores fora da numeração centenária, assim como apresenta Lilyth com honras de capa pela primeira vez. Civitelli acompanha de perto o trabalho de colorização e mostra-se satisfeito, assumindo que o resultado final fica próximo daquilo que tinha em mente. Uma edição marcante que vem reconhecer a dedicação de Civitelli à série e que constituirá o seu último trabalho em sintonia com Nizzi. Realce para o facto do beijo de Tex a Lillyth partir de uma ideia do desenhador.

2009 – La Grande Sete – Tex Italiano 585 e 586
No Brasil: Tex 487 e 488 (A grande sede)
Gianfranco Manfredi regressa a Tex, depois de já ter escrito La pista degli agguati, desta vez com um argumento centrado na temática do grande proprietário que suga em seu proveito os recursos dos mais fracos, patenteando a sua superioridade em busca de qualquer lucro, seja material ou mesmo com o objetivo de uma carreira política. No centro de tudo surge a questão da água, cuja importância não se reduz ao velho oeste americano, já que, transposta para os nossos dias e sobretudo nas zonas mais áridas, assume contornos por vezes dramáticos. Civitelli utiliza muito os grandes planos, sobretudo de Tex e Carson, revelando uma aptidão para desenhar os dois pards que importa sublinhar. Na verdade, Tex e Carson surgem com expressões espantosas, denotando um grande à vontade de Civitelli, um prazer mesmo, em desenhar ambas as personagens. Por toda a aventura existem cenas de antologia, como a do banheiro, mas aquela que mais marca é certamente a da emboscada no pueblo, onde Civitelli simplesmente se suplanta.

Página de La Cavalcata del Morto, Speciale Tex N° 27, Mauro Boselli e Fabio Civitelli (21/6/2012)

2012 – La cavalcata del morto – Speciale Tex 27
No Brasil: Tex Gigante 27 (A cavalgada do morto)
“Un giorno mi telefona Sergio Bonelli e a bruciapelo mi dice: ti andrebbe di fare un texone?… Io l’ho preso próprio come un Oscar!”. Civitelli torna-se assim no quarto desenhador do staff texiano a desenhar uma edição gigante, depois de Galleppini, Ticci e Garcia Seijas. Se poucos, muito poucos, possam não a classificar como a obra-prima de Civitelli, mesmo assim esta aventura representa um verdadeiro triunfo do seu trabalho enquanto desenhador, porque resume em páginas inolvidáveis o seu enorme talento, a sua maturidade, o exponenciar de modo sublime de toda a arte civitelliana. Aqui estão bem patentes todas as caraterísticas técnicas e todas as soluções gráficas que Civitelli vinhaprocurando, experimentando e desenvolvendo ao longo dos anos, mas o inquietante argumento de Mauro Boselli (a vingança de um cavaleiro sem cabeça e que marca mais um regresso de El Morisco) vai permitir-lhe apresentar um conjunto de cenas noturnas como raramente visto. Nunca hesitando em procurar novas soluções técnicas, Civitelli parece querer ir sempre mais além, construindo ambientes noturnos que se assemelham a negativos fotográficos, capazes de representar o movimento do vento. Muitas das cenas noturnas de La cavalcata del morto são assim o corolário e a perfeita demonstração da utilização de técnicas fotográficas ao serviço do desenho.

2014 – Delta Queen – Color Tex 5
Inédito no Brasil
Civitelli regressa a uma aventura a cores e volta a trabalhar com Mauro Boselli. Desta vez, a história desenrola-se quase sempre no mesmo cenário, as águas do Mississipi, quando Tex e os seus pards investigam o assassinato de um ranger, o que os leva a embarcar no barco mais elegante e imponente que navega nas águas deste rio, o Delta Queen. A aventura é perfeitamente gerida e a planificação exemplar. Todos os elementos clássicos estão presentes, o bando de ladrões, as mesas de jogo, o saloon, tiroteios, mas sempre com o Delta Queen e as águas do Mississipi como pano de fundo. Depois da obra-prima anterior, Civitelli regressa em força e com a permanente vontade em explorar novos caminhos e experimentar outras fronteiras gráficas. Devido à necessidade de posterior colorização, Civitelli não utiliza de modo tão frequente a técnica do pontilhismo, adotando fundos mais ligeiros e menos elaborados.

E ainda…
Para além de todas estas aventuras, realce para La preda, uma história curta de 4 páginas com argumento de Mauro Boselli e que foi publicada em 2012 num suplemento de leitura do jornal Il Corriere della sera. Civitelli ainda escreverá umas páginas de L’oro e il piombo, aventura que acabará por não ser aceite, mas da qual Claudio Nizzi vai aproveitar mais tarde algumas ideias para escrever o argumento de Lo Squadrone Infernale, aventura desenhada por Ugolino Cossu.

O legado de Civitelli

Desenho para a capa da revista Cronaca di Topolinia nº 31, publicada em Novembro 2001

Três décadas de uma contínua e constante evolução, que conduziram Civitelli a experimentar novas soluções gráficas, inspirado e influenciado por múltiplas fontes e paixões, catapultaram o desenhador aretino ao patamar dos grandes autores de sempre de Tex. Civitelli é hoje uma verdadeira autoridade texiana não só pela sua antiguidade, mas muito pela inovação e pela evolução que emprestou ao grafismo da série, podendo falar-se com toda a legitimidade num legado ou numa herança do autor.

Se após sessenta anos de tantas aventuras ainda muitos continuam a ler Tex, um dos motivos talvez esteja na crescente qualidade gráfica que sempre caraterizou a série. O ranger continua a cavalgar por uma extensa pradaria onde pontificam autores de referência, alguns pertencendo a um passado glorioso, outros, onde sobressai o nome de Civitelli, felizmente bem presentes, deixando o seu cunho e a sua marca, influenciando uma geração cada vez mais ambiciosa e contribuindo, deste modo, para que Tex continue a encher de alegria e a proporcionar inesquecíveis horas de prazer a uma extensa legião de leitores apaixonados.

A História de Tex está preenchida por grandes desenhadores, os quais, com maior ou menor evidência, deixaram sempre algo de pessoal, emprestaram todo o seu saber, deram o seu melhor, contribuindo assim para alimentar o mito. Galleppini foi o seu criador gráfico e com este excelente desenhador Tex ganhou um rosto, uma identidade e uma projeção. Ticci trouxe uma expressividade gráfica notável e um modelo para Tex que veio influenciar quase todos. Villa, desenhador realista por excelência, trouxe um desenho muito elegante e elaborado, construindo um Tex muito pujante, herdando ainda a elaboração das capas.

Não cometerei qualquer exagero ao colocar Civitelli neste pequeno top, porque o desenhador aretino desde o início que tem vindo a dar um contributo notável no aumento da qualidade gráfica, tudo graças a um lento processo de experiências, de reflexão e de maturação que Civitelli sempre procurou. Os diferentes ritmos de trabalho também ajudaram certamente, já que hoje já não há o ritmo louco que era imposto a Galleppini, o que permite aos desenhadores debruçarem-se mais nos pormenores. Hoje há também outras fontes de documentação, auxiliares privilegiados para o vestuário, para as armas, para os ambientes. Mas foi Civitelli que melhor e mais rapidamente compreendeu a importância da documentação, da minúcia e do detalhe, foi ele que iniciou esta “resposta” às exigências cada vez maiores dos leitores. Civitelli percebeu as ambições dos leitores e gradualmente foi colocando a fasquia cada vez mais alta, incentivando outros autores a seguirem por este caminho.

Este entusiasmo, esta capacidade de refletir e de procurar as melhores soluções gráficas, acabou de certa forma por influenciar também os argumentistas, que começaram a perceber que podiam e deveriam ir mais além. Por exemplo, na aventura com o Tigre Negro, Nizzi solicita a Civitelli que utilize contrastes e efeitos gráficos ainda não tentados na série. A série ganha outra espessura, documenta-se, assume-se mais realista, credível e coerente, organiza-se perante a História da época que retrata. O nível de exigência civitelliano tinha dado o tiro de partida, os leitores aderiram e a série alcançou patamares crescentes de qualidade.

Todos os desenhadores acabam por ser influenciados pelos argumentos, mas com Civitelli houve desde sempre uma genuína vontade em caminhar por terrenos inexplorados, há uma permanente busca de originalidade, uma capacidade em elevar a outro patamar, através do seu desenho, mesmo aquelas aventuras cujo argumento não passe da mediania. Há sempre um algo mais quando nos deparamos com o nome de Civitelli, porque o autor trabalha sem estar muito condicionado com convenções e preconceitos gráficos. Há uma contínua procura pelos materiais que melhor possam servir as ambições do autor: as tintas, os papéis, as canetas e os pincéis são analisados minuciosamente para melhor potenciar os resultados.

Este é o caminho que o próprio Civitelli conscientemente desbravou, ciente da importância em inovar, em modernizar a série, dotá-la de uma qualidade que possa sintonizar-se com os anseios do leitor e que busque uma permanente comunicação com este. Este é o patamar que Civitelli alcançou e poucos são os que conseguem tão notavelmente encontrar este equilíbrio perfeito entre estética e narração visual. Este é o legado de Civitelli!

Estudos de Yama para a aventura que Civitelli se encontra atualmente a desenhar

Fontes:
Il Mio Tex, La Ballata del West, de Fabio Civitelli e Giovanni Battista Verger – Little Nemo Editore, 2010/2011.
Il West Secondo Civitelli, de Giuseppe Pollicelli e Sergio Pignatone – Little Nemo Editore, 2005.
Tex Secondo Nizzi, de Roberto Guarino – Allagalla, 2012.
Come Tex Non c’è Nessuno, Sergio Bonelli com Franco Busatta – Oscar Mondadori, 2008.
Il Pennello Ha Fatto Click, de Graziano Frediani e Fabio Civitelli: Un Fotografo Nel West, de Gianmaria Contro, artigos publicados em Tex Albo Speciale 27 – Sergio Bonelli Editore 2012.
Fabio Civitelli, Alchimista del Disegno, de Italo Marucci, A Proposito del Texone, de Guido Andruetto, Ferri del Mestiere, de Fabio Civitelli e Un Tex “Noir” per Il Maestro del Chiaroscuro, de Mauro Boselli, artigos publicados em La Cavalcata del Morto Edizione de Luxe – Little Nemo, 2013.
L’Arte di Civitelli, artigo de Paco Ordonez publicado em Tex Willer Magazine – nº 7, Novembro 2012.
Non Solo Chine, artigo de Ymalpas publicado em Tex Willer Magazine – nº 4, Abril 2011.
Civitelli Sperimentale, artigo de Mario Cobuzzi publicado em Tex Willer Magazine – nº 8, Maio 2013.
Foram ainda consultadas inúmeras entrevistas que Civitelli tem vindo a conceder ao longo dos anos, testemunhos privilegiados da forma de pensar e de estar do autor, entre as quais destacamos a que concedeu ao blogue português de Tex e ainda inúmeros artigos assinados por Luca Raffaelli, publicados em vários volumes da Collezione Storica a Colori, edição conjunta dos jornais italianos La Repubblica e L’Espresso.

* Texto de Mário João Marques publicado originalmente na Revista nº 2 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2015.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)

2 Comentários

  1. Excelente desenhista, o editor da Mythos gosta muito do trabalho dele.
    Traços limpos e perfeitos.
    Um dos 5 maiores da história.

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