Encontro em Barcelona com Manfred Sommer (e Jesús Blasco)

Por Jorge Magalhães [1]

Foi com surpresa e consternação que soube da morte de Manfred Sommer, por intermédio do blogue do Tex – que cada vez mais é um sítio de consulta e de informação imprescindível. Sommer era um artista que eu muito apreciava, não só por ser um magnífico desenhador, em cujo estilo são bem visíveis as influências de Hugo Pratt, como também por pertencer à categoria dos autores completos, criador de séries inolvidáveis como Frank Cappa, que eu próprio traduzi para O Mosquito da Editorial Futura, há mais de 20 anos. Bons tempos!…

Legenda: Página da 1ª história do “Frank Cappa” publicada no “Mosquito” e em Portugal.

Legenda: Página da 1ª história do “Frank Cappa” publicada no “Mosquito” e em Portugal.

Lembro-me de tê-lo conhecido na primeira vez que fui a Barcelona, em 1984, com a Catherine Labey e uma comitiva de que faziam parte, entre outros, o José Ruy, o Diferr, o Geraldes Lino, o Eugénio Silva (que partiu um pé a dançar e teve de regressar a Portugal de muletas!) e o saudoso dr. Chaves Ferreira, dono da Futura e director dessa 5ª série d’O Mosquito, que eu coordenei… e cujo 1º número, saído pouco antes, nos serviu de «cartão de visita» no Salão, onde toda a gente lhe teceu os maiores elogios. De certa forma, foi também o pretexto para visitarmos, pela primeira vez, a magnífica mansão da família Blasco, onde tive o privilégio de ser convidado pelo irmão mais novo, Adriano, a entrar no seu vasto atelier, cheio de preciosas relíquias, entre as quais várias pranchas de uma história do Águia da Noite que «los hermanos» Blasco estavam a realizar nessa altura. Como Blasco se estreou na saga texiana em 1986, com «A Volta da Mão Vermelha», presumo, portanto, que se tratava dessa primeira aventura!…

Legenda (da esquerda para a direita) : Luís Diferr, Jesús Blasco, Dr. Chaves Ferreira e Jorge Magalhães.

Legenda (da esquerda para a direita) : Luís Diferr, Jesús Blasco, Dr. Chaves Ferreira e Jorge Magalhães.

Irmãos Blasco-Cuto e Adriano

Legenda (da esquerda para a direita) : Alejandro Blasco – que serviu de modelo, quando era rapaz, à figura do Cuto – e Eugénio Silva (sentados à mesa a conversar) e Jorge Magalhães e Adriano Blasco (em pé a conversar)

 Mas, voltando ao Manfred Sommer, conhecemo-lo, como já disse, durante essa viagem que fizemos ao fantástico Salão de BD de Barcelona, e logo lhe propusemos a compra de direitos da série Frank Cappa, que tempos depois se estreou n’O Mosquito. Recordo-me nitidamente da presença distinta e da grande simpatia do Sommer, que nos acompanhou e a outros grandes da BD espanhola e mundial – como Jesús Blasco, Puigmiquel, Iranzo, Juan Gimenez, José Ortiz e Alberto Breccia – na festa de encerramento do Salão, onde foram distribuídos os prémios nacionais de BD, seguida por baile que durou toda a noite numa das maiores discotecas de Barcelona, uma sala enorme, cheia de gente, com uma decoração psicadélica como eu nunca tinha visto. Bem, na verdade, nunca fui grande frequentador de discotecas (risos…).

Foi durante esse baile que o Eugénio Silva, que tem uma costela espanhola e era danado para dançar, escorregou e partiu o pé, obrigando-nos a deixar a festa e a levá-lo ao hospital, onde permanecemos o resto da noite, sem sabermos se lhe dariam alta a tempo de regressar connosco a Portugal. Felizmente, a fractura não era grave e o Eugénio lá se conseguiu amanhar com as «canadianas»… embora a dança fosse outra (risos…). Foi uma cena infeliz mas ao mesmo tempo hilariante, que serviu para passarmos a viagem de regresso (tínhamos ido e voltámos todos de autocarro, menos o Geraldes Lino, que preferia o avião) a contar anedotas sobre esse acidente. De tal maneira, que um casalinho que tinha aguentado o nosso entusiasmo, à ida, durante todo o trajecto… às tantas, desabafou, pedindo que os deixássemos dormir um pouco, pelo menos dessa vez! O que acabámos por fazer, devido ao cansaço, mas o frio que rapámos naquela noite, ao atravessar a serra de Guadarrama, por causa do aquecimento do autocarro avariado, roubou-nos toda a disposição para o sono.

Legenda (da esquerda para a direita) : Dr. Chaves Ferreira, Juan Espallardo, Eugénio Silva (de cócoras), Catherine Labey, José Ruy, Jorge Magalhães e António Alfaiate.

Legenda (da esquerda para a direita) : Dr. Chaves Ferreira, Juan Espallardo, Eugénio Silva (de cócoras), Catherine Labey, José Ruy, Jorge Magalhães e António Alfaiate.

Voltei a encontrar o Manfred Sommer noutra ida a Barcelona, já a Futura tinha publicado um álbum com algumas histórias do Frank Cappa, álbum esse que ele apreciou imenso, pois foi o primeiro que saiu em Portugal, onde a sua obra, graças ao Mosquito, já era bastante popular… e isso deve ter-lhe tocado no ego, apesar de nos ter dito sempre que preferia a pintura e a ilustração à banda desenhada e só voltara a esta por insistência do seu editor, o Rafael Martinez, da Norma, e pelo facto de em Espanha as revistas de BD estarem outra vez na «berra» e se dirigirem a um público mais adulto e esclarecido, dando-lhe total liberdade criativa.

Manfred SommerE vejam como uma notícia triste, de que eu não estava à espera, visto o Sommer não ter uma idade ainda muito avançada, me despoletou tantas recordações… Receio que isso seja também um sintoma de velhice, pois temos, de facto, a tendência de nos virarmos para as memórias do passado quando chegamos a certa etapa da vida. Enfim, a realidade é que o tempo não pára e que os meus 40 anos já vão bem longe (risos…).


[1] Editor, autor de banda desenhada (argumentista), autor de numerosos textos de estudo, análise e história da BD, em livros, revistas, jornais e fanzines e também leitor e coleccionador de Tex Willer.

Um comentário

  1. É também graças a textos como este (aproveitando a frase inicial do Jorge Magalhães) que o blogue do Tex é cada vez mais um sítio de consulta e de informação imprescindível.

    Com esta frase quero dar os mais sinceros parabéns ao autor do (histórico e curioso) texto porque deste modo ficamos a conhecer um pouco mais de dois grandes e saudosos desenhadores da saga de Tex: Manfred Sommer e Jesús Blasco!

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