Vingança: a gênese do herói bonelliano da fronteira

Por Célio Soares (autor do blogue  Distração Planejada)

Tex Willer, Patrick Wilding, Kenneth Parker e Ned Ellis são quatro dos mais populares personagens dos quadrinhos italianos publicados pela Sergio Bonelli Editore. Suas aventuras se passam no mesmo cenário, o mítico velho oeste americano. Conhecidos entre os indígenas como Águia da Noite, Zagor Te-nay, Rifle Comprido e Mágico Vento, os quatro compartilham de um mesmo elemento formador de suas origens: a vingança. O impulso original que os lança a uma vida de aventuras a serviço da lei, da justiça ou simplesmente dos mais fracos, é um ato individualista, bárbaro, que se afasta dos ditames da civilização que pretende ser implementada nas terras além da fronteira.

Um ambiente que nasce através da força do homem branco que irrompe barreiras naturais e usurpa territórios ao custo de massacres indígenas é propício a atos de vingança, sendo natural este o palco onde, através da tragédia familiar, os heróis se redimam da prática da justiça pelas próprias mãos pelo bem da coletividade.

Patrick Wilding vivia com seus pais em uma cabana em Clear Water até que, um dia, um grupo de índios liderados por uma espécie de pregador chega ao local em busca do seu pai, clamando por vingança. Apenas o jovem Patrick conseguiu escapar com vida devido a um ato desesperado de sua mãe, que o jogou em um rio.

Crescendo na floresta tendo como tutor um trapper ermitão, Wandering Fitz, Patrick manteve o ódio contra os índios em seu coração, até que chegou o dia em que pôde descontar toda a sua fúria contra os assassinos de sua família, causando uma chacina com suas machadinhas apenas para descobrir a dor de uma guerra mesmo quando vencida. A vitória fora amarga, pois ele percebera tardiamente que apenas perpetuou um ciclo inútil de vingança.

“Vingança” é literalmente o título da aventura de estreia de Ken Parker. A história de um caçador comum que vivia pacificamente em sua região natal, Montana, até o dia em que se vê compelido a sair em uma caçada aos assassinos de seu irmão. Parker atingiu seu objetivo, mas mergulhou em trilhas dolorosas, fez amigos, inimigos e se tornou também um fora da lei ao matar um xerife corrupto, em uma das mais belas e aplaudidas jornadas do velho oeste.

O soldado do exército Ned Ellis renasceu como Mágico Vento após o trem que estava ter sofrido um acidente. Sem memória de seu passado, renegou a vida pregressa e todos os episódios de vingança que o conduziram até aquele ponto mas que esporadicamente emergem do passado. Como xamã do povo lakota, teve de sair em missão de vingança após o assassinato de seu pai espiritual, Cavalo Manco, o homem que o fez renascer e reaprender a viver. Como novo líder espiritual de seu povo adotivo, o antigo soldado esteve em conflito consigo mesmo, trilhando caminhos de amor e paz, vingança e redenção.

Como que, para justificar a grandeza do personagem, Tex foi submetido a mais sofrimentos que os demais. O jovem Tex Willer vivia no rancho da família no vale do Nuces, no Texas. Sua mãe faleceu pouco após o nascimento de seu irmão, Sam. Quando seu pai, Ken Willer, é assassinado por ladrões de gado, um jovem e furioso Tex sai em uma trilha de vingança que custaria também a vida de alguém que poderia ser considerado um segundo pai.

Posteriormente, seu irmão também cairia vítima de uma cilada covarde armada para roubar suas terras. Jurando vingança mais uma vez sob o sangue derramado de sua família, Tex caçou e matou os assassinos de seu irmão, se tornando definitivamente um fora da lei no processo ao assassinar um xerife corrupto envolvido com o caso.

A tragédia o tocaria mais uma vez, provocando um novo juramento de vingança, quando sua esposa índia, Lilyth, morreu devido à varíola transmitida por cobertores propositadamente contaminados. Provavelmente é a cena mais emocionante de toda a carreira editorial do personagem.

Ainda um outro juramento de sangue por Lilyth foi proferido quando um grupo de bandidos, planejando saquear as reservas auríferas da aldeia navajo, profanou o túmulo da eterna esposa de Tex, em uma história mais recente publicada na nossa edição nº 400, “Homens em fuga”.

Todos os quatro personagens bonellianos compartilham a vingança como elemento motivador, a morte como indutor transformador de suas vidas. Esse é um tema comum no gênero western, utilizado como força motriz de inúmeros histórias contadas no cinema e nas próprias hq’s da Bonelli.

Mas se o sentimento funciona como impulso para lançar um herói ao horizonte infinito da fronteira americana, não é suficiente para se tornar um elemento motivador perene, uma vez que a vingança é um ato que se encerra quando satisfeita. Tex, Zagor, Ken Parker e Mágico Vento percebem em algum ponto de suas jornadas que a vingança é ato trágico e pode condenar tanto o caçador quanto o alvo.

Após sua conclusão, ela é posta de lado e estes, como que para expiar suas culpas, passam a agir como cavaleiros andantes levando a justiça para os mais fracos, para que outras pessoas não tenham de passar pelo que eles sofreram. Tex e Zagor poderiam passar por hipócritas ao tentarem, em diversas histórias, impedirem a vingança de terceiros, mas suas experiências de vida o autorizam a esse tipo de censura.

Ao entrar na pista da vingança pessoal, Tex perdeu seu segundo pai, Gunny Bill. O mesmo aconteceu com Zagor, além de descobrir o erro que cometera após manchar as mãos com o sangue indígena. Se a história não se repetiu com Ned Ellis, foi graças à providência superior que levou suas memórias, ainda que estas voltassem fisicamente para o desafiar cobrando antigas dívidas. Ken Parker alcançou sua justiça, mas o prêmio foi uma vida nômade cheia de tormentos e ele mesmo se tornou caçado em determinado momento, longe das terras onde cresceu.

Os heróis bonellianos entregaram seus destinos às demandas da vingança e pagaram o preço se tornando instrumentos eternos da justiça em terras sem lei. Tex, parte do corpo de Rangers do Texas. Zagor, o espírito com a machadinha, protetor de Darkwood. Ken Parker, um cavaleiro errante, sempre disposto a estender a mão a quem precisar. Mágico Vento, o guia espiritual do povo lakota, também não nega auxílio a quem quer que seja, inclusive a espíritos.

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