Tex 598 – “La prova del fuoco“, de Agosto de 2010 e Tex 599 – “Un ranger per nemico“, de Setembro de 2010. Argumento de Pasquale Ruju, desenhos de Ernesto Garcia Seijas e capas de Claudio Villa. História inédita no Brasil e Portugal.
Tudo começa como tantas e tantas aventuras do velho oeste. Depois de um sangrento e proveitoso assalto a um banco, o comando dos rangers incumbe Jack Loman de ir em busca do bando de Tom McDormand. Jack, um velho colega de Tex, acaba por cruzar-se no seu caminho, quando este, juntamente com Carson, regressa do Colorado e prepara-se para levantar um carregamento de mantimentos destinado aos Navajos. Devido à importância do caso, Tex e Carson decidem ajudar Jack e os rangers, entre os quais encontra-se o seu filho Michael, que aqui surge na sua primeira missão, a sua prova de fogo. Depois de descobertos no seu refúgio e após um violento tiroteio, McDormand e alguns dos seus homens conseguem escapar, mas na sua fuga deparam-se com Michael. Infelizmente, este sente na pele a pressão da sua primeira missão e acaba abatido, deixando o pai destruído pela dor. A partir daqui, Jack vai empreender a sua vingança, usando, para o efeito, métodos pouco lícitos e dignos de um homem ao serviço da lei.
Se tudo começa como já vimos inúmeras vezes, Ruju tem aqui oportunidade para nos deixar uma história violenta quanto baste. Violenta nos métodos utilizados, violenta na exaltação dramática de sentimentos. O autor já provou por diversas vezes não fazer concessões, preferindo deixar bem vincada a realidade dura e crua que, por vezes, a vida encerra. Noutras séries, sobretudo em Demian e mais recentemente com Cassidy, Ruju prefere sublinhar o dramatismo de muitas situações, a realidades que podem afinal não passar de meras ilusões. Vem isto a propósito do caminho escolhido por uma personagem como Jack Loman que, depois de uma vida dedicada ao combate pela justiça e ao serviço da lei, acaba, por força das contingências de um acontecimento dramático, ultrapassar a ténue linha delimitadora da fronteira entre o que é lícito e o que o não é, entre a lei da bala e a lei dos homens. Jack muda forçado por um destino doloroso, porque a perda de um filho leva-o a assumir comportamentos que ele sempre combateu uma vida inteira.
O sentimento de vingança perpassa por toda a aventura e engole literalmente todas as páginas. Inteligentemente, Ruju aproveita a acção de Jack para afirmar a acção e a conduta texiana, porque apesar do filho Kit não sofrer o mesmo destino de Michael, a verdade é que o ataque de que é alvo deixa Tex impotente perante o mesmo sofrimento, evitando no entanto seguir o caminho do colega. Se Jack opta por um caminho que sabe não ter retorno, Tex nunca perde de vista os seus códigos e a sua conduta. E é nesta oposição que reside muito do interesse da aventura, não se resumindo a mesma a uma mera história de vingança. Porque, como o dissemos, Ruju afirma-se como um autor que não faz concessões, não facilitando, quer nos objectivos de Jack, mas sobretudo na conduta texiana. Há um limite de salvaguarda, há uma linha que importa não ser ultrapassada e Ruju tem isso sempre em mente. História de sentimentos, de sofrimentos e profundamente dramática, a prova de fogo surge assim como um verdadeiro teste à capacidade texiana de interpretar as contingências impostas pelo destino, mas também saber interpretar a fraqueza humana e os seus diversos comportamentos. Por isso e apesar de tudo, para Tex, Jack permanecerá como um ranger, um amigo que se dedicou sempre a lutar pela lei.
Exceptuando uma composição de Tex que não colhe totalmente, todo o trabalho do argentino Ernesto Garcia Seijas é de elevada qualidade. Uma vez mais, Seijas suplanta-se nos cenários e ambientes, nas personagens e no desenvolvimento empregue em cada página, deixando bem patente um grande dinamismo. O seu traço cuidado, elaborado e com um estilo algo arredondado, deixa no leitor uma sensação clássica, de um tempo em que o western primava nas páginas dos jornais e revistas, respira a aura do desenho clássico. A sua composição de Jack Loman é muito boa, conseguindo realçar os tormentos e o dramatismo da sua conduta, toda a espessura psicológica idealizada por Ruju, num homem que vive obcecado por uma vingança que lhe deixa um profundo ódio estampado no rosto.
Se nesta aventura, toda a cena do ataque dos rebeldes apaches ao carregamento de mantimentos, sublinhado na capacidade do herói em enfrentar os índios a solo, ou mesmo, posteriormente, no duelo com Rhett Durham e os seus homens, após o assalto ao banco, permitem vincar o herói bonelliano, já as emoções e dúvidas de Tex e Águia da Noite permitem-nos pensar num herói mais próximo de Nolitta. Sem esquecermos que toda esta panóplia de personagens (muito bem construídas) e acontecimentos que se vão interligando, podem deixar expresso o desejo de tornar o herói numa personagem boselliana, capaz de adaptar-se ao seu tempo. Ao assumir a violência da aventura e o drama dos sentimentos vividos, Ruju pode estar a escolher o seu próprio caminho e a deixar a sua marca e contributo na série, mas no meio de tudo, importa construir o protagonista, importa no fundo saber que Tex podemos esperar em Ruju, no fundo o que é que o autor quer para o herói. E esse é um caminho mais difícil, mas que importa ser trilhado.
Texto de Mário João Marques