Por Rui Cunha*
Nota: os títulos das aventuras de Tex, neste período, são apresentados a negrito e em itálico. Quaisquer erros existentes são da exclusiva responsabilidade do autor.
Ao longo da História da Humanidade houve um tempo, fosse ele em que século fosse, em que as nações existentes tiveram que se defrontar com convulsões internas, muitas delas resultaram em guerras civis, das quais as nações em questão dificilmente se livraram. Aconteceu com as nações antigas, nomeadamente as do Oriente e as do Velho Continente, mas também aconteceu com as nações mais jovens, como os Estados Unidos da América.
Em 1861, quando começou a Guerra de Secessão, (os Estados Unidos eram uma das mais jovens nações do mundo, tinha-se tornado independente em 1783), que viria a durar até 1865, os Estados esclavagistas (possuíam escravos) do Sul (também chamados confederados) declararam a sua intenção
de abandonar a União e formar “A Confederação dos Estados do Sul”. Os restantes Estados que não se revoltaram, mantiveram a União e eram conhecidos simplesmente como “O Norte”. A Guerra de Secessão teve a sua origem na polémica questão da escravatura e nas diferenças entre um norte que, por falta de terrenos bons para a prática agrícola, se viu forçado a procurar outras fontes de rendimento e tornar-se cada vez mais industrializado e modernizado, e um sul rico em terrenos férteis para o cultivo tornando-se muito dependente do trabalho agrícola manual.
As hostilidades tiveram início no dia 12 de Abril de 1861, quando as forças confederadas atacaram e conquistaram o Forte Sumter, na Carolina do Sul. Lincoln, recém eleito Presidente dos Estados Unidos, pediu a cada Estado-Membro da União que enviasse tropas para reconquistar o forte. Não concordando com esta decisão, quatro Estados esclavagistas abandonam a União e juntaram-se aos outros sete Estados que formavam a Confederação sob a presidência de Jefferson Davis (1861-1865).
Ao fim de quase um ano de guerra civil, entre muitos avanços e recuos de ambas as partes, Lincoln, para não ver o país afundar-se numa guerra interminável, fez aprovar, ao fim de uma grande luta política, a Proclamação da Emancipação, que tornou o fim da escravatura um objetivo primordial para acabar com aquela sangrenta guerra. Em 1863, aconteceu o ponto de viragem na Guerra de Secessão que terminou com as muitas incursões confederadas em territórios da União, o que acontecia quase desde o início da guerra. A 1 de Julho, perto da vila de Gettysburg, na Pensilvânia, as forças nortistas e as forças sulistas enfrentaram-se naquela que foi a maior batalha daquela guerra. Durante três dias, aconteceu uma carnificina que só terminou quando Robert E. Lee, comandante das forças confederadas, depois de perder mais de 25.000 soldados, recuou definitivamente para sul, abrindo caminho à vitória nortista que, no entanto, só aconteceria dali a dois anos, em Junho de 1865.

Tex e Dick Dayton, mais conhecido por Dick Furacão, fugindo a cavalo do acampamento militar de Buffington, onde Dick se encontrava detido. Desenho de Claudio Villa
A Guerra de Secessão esgotou os recursos financeiros do Norte que foram utilizados exaustivamente no esforço de guerra e arruinou completamente a economia do Sul, cujos campos de algodão, principal fonte do monopólio sulista, foram destruídos sucessivamente pelos sulistas que não os queriam nas mãos dos conquistadores e depois queimados pelos nortistas, numa espécie de retaliação social contra as populações. Sem nada com que viver, inúmeras populações emigraram para outras regiões, principalmente para o Norte e para o Oeste, enquanto outros abandonaram a devastação do Sul, para fugir da recessão económica e outras retaliações, como as perseguições e discriminações, e emigraram para outros países em busca de um novo começo de vida.
Mas nem toda a população norte-americana participou nas hostilidades. Houve quem, inicialmente, se declarasse neutro no conflito. Não só a população o fez, como também algumas forças de ordem pública, pontualmente, o fizeram. Foi o caso dos rangers do Texas, a cujos quadros pertencia Tex Willer.
Antes do início das hostilidades, Tex, já ranger, envolve-se nos preparativos duma guerra que se sabe estar eminente. Em “O Enigma do Hipocampo”, Tex é convocado com urgência ao Comando dos Rangers em Santa Fé, para ajudar numa investigação acerca de uma quadrilha que é responsável por inúmeros homicídios, assaltos a bancos e a comboios que transportavam ouro e também pelo assassinato de cinco rangers. A quadrilha, liderada por uma mulher de imensa beleza, de nome Manuela Guzman, era na realidade a fachada de uma organização que financiava o exército do México na sua luta contra os Estados Unidos para retomar a posse dos territórios que tinha perdido em 1848 e que, através de informações confidenciais, já tinha conhecimento da eventual eclosão da Guerra de Secessão.
Após conseguir desmantelar a quadrilha, Tex regressa a Santa Fé e toma conhecimento, através do seu chefe James Hovendal, da iminência da guerra e daquilo que se espera dos rangers: que estes não tomarão parte no conflito ao lado de nenhuma fação e que apenas serão polícias, e agirão como tal, para impedir que atos de banditismo sejam cometidos por qualquer uma das partes envolvidas.
Já com a Guerra de Secessão a decorrer, em “Piutes!”, Tex e os rangers, enquanto investigam o tráfico de armas que envolve os índios Piutes, recebem uma preciosa ajuda do Tenente Robert, que pertence ao Quinto Regimento do Exército Confederado. Após algumas peripécias e depois de ser tratado com alguma cordialidade pelos Sulistas, Tex revela que o traficante há muito procurado, o falso general confederado Samuel Quantrill, não roubava armas aos Sulistas para depois as passar para os Nortistas, mas sim traficá-las para os índios Piute. Avisada a guarnição nortista de Forte Russell, por onde supostamente passavam as armas traficadas, os rangers, ajudados pela guarnição do forte, conseguem destruir a aliança entre o traficante e os Piute. Quantrill, porém, consegue fugir.
Inevitavelmente, ninguém consegue ficar indiferente ou até mesmo imparcial em qualquer conflito, seja ele qual for, durante a sua duração. O mesmo acaba por acontecer aos rangers e, particularmente, a Tex.
Neutro e, inicialmente, a colaborar cordialmente com Nortistas e Sulistas, Tex acaba por ter que fazer uma escolha e optar por uma das fações. No seu caso, opta por se juntar ao exército da União e justifica-a por entender que é o Texas (o seu estado natural), que está do lado errado. Em “A Planície da Traição”, Tex, depois de ter participado como batedor do exército nortista na batalha de Glorieta Pass (1862), acompanhado pelo seu amigo Dick Dayton encontra um destacamento sulista que luta lado a lado com um grupo de civis, contra os índios Kiowas. Tex e Dick juntam-se à luta e ao grupo junta-se Beau Danville, um tenente sulista. O combate torna-se renhido à medida que o destacamento militar tem que servir de proteção contra os índios para permitir que os civis se possam pôr a salvo. Acabam por ser salvos pelo exército confederado, não sem pesadas baixas. Pouco antes de morrer, o tenente sulista confessa a Tex que, na realidade, estava a conduzir uma investigação sobre a venda de armas aos Kiowas.
Assumindo oficialmente a fação nortista, em “Entre Duas Bandeiras” Tex participa na Batalha de Shiloh, em 1862, e ajuda na destruição de um dos bastiões mais poderosos dos Sulistas, o Forte Henry. A narrativa começa em Abilene, quando Tex, na companhia de Kit Carson (que durante a ausência de Tex nos rangers, integrara a força e viria a tornar-se o companheiro inseparável de aventuras) e Kit Willer (filho de Tex), encontra o seu velho amigo e companheiro de armas na guerra de secessão, Dick Dayton, e ambos relembram alguns episódios de guerra. A história, contada em “flashbacks”, relata como os dois amigos, antes de se alistarem no 3º Regimento de Caçadores do Kentucky, passaram por algumas aventuras que acontecem no início da guerra, quando ainda eram civis e andavam ambos a conduzir gado com Rod Virgil, um outro amigo, o qual, pela força das circunstâncias, acaba por se separar dos restantes e Tex e Dick alistam-se e participam na sangrenta Batalha de Shiloh, que aconteceu em Abril de 1862, o que é contado nas histórias “Quando Explodem os Canhões” e “A Batalha Sangrenta”. No final da batalha, em que não se consegue encontrar um vencedor, tal foi a carnificina (que só seria superada por aquela que aconteceria em Gettysburg, em 1863), Tex e Dick são transferidos para os Exploradores do Exército da União e reencontram Rod Virgil, agora soldado confederado e mortalmente ferido. Em face deste acontecimento e fartos da luta fratricida que opõe amigos contra amigos, irmãos contra irmãos, os dois amigos decidem abandonar o Exército e voltar aos antigos trabalhos.

Claudio Villa retrata nesta ilustração nocturna o momento em que Tex Willer, nas proximidades de Richmond e em plena Guerra da Secessão, mais precisamente no final do ano de 1864, apresta-se para salvar Tom, um negro, da fúria dos sulistas que o queriam enforcar
Novamente ranger, em “Chamas de Guerra” Tex é incumbido, no final de 1864, de uma missão secreta na Virgínia, junto do Vice-Governador do Estado Howard Walcott, que tem a ver com os seus dois sobrinhos, que combatem em lados opostos da guerra: John Walcott pelo lado da União e Leslie Walcott pela fação Sulista. John, depois de ter roubado um carregamento de ouro, é capturado e preso pelos Sulistas. O ouro entretanto desaparece. Os unionistas, certos de que John sabia da localização do
ouro, pedem a Tex que o resgate da prisão de Anderville e quando a evasão acontece, John diz desconhecer o paradeiro do ouro, um mistério que se mantém até aquela altura, quando parece que Howard Walcott o pretende revelar. Esta é mais uma história, contada em “flasback”, que Tex narra a Kit Carson durante uma viagem de comboio e na qual Tex se mostra desalentado com o que passou e viu na guerra. Mesmo assim, perante os acontecimentos que vive nesta aventura, ele reafirma os ideais que o motivaram a aderir à fação nortista: pôr fim à escravidão sulista.
Já no pós-guerra, num país devastado por quatro longos anos de uma guerra civil que causou mais de 600.000 mortos, entre militares e civis, ainda com muitas feridas abertas e com imensa dificuldade em conseguir cicatrizá-las (algumas nunca o serão totalmente), Tex, sempre na companhia do seu fiel amigo Kit Carson, continua o seu trabalho como ranger. Em “Os Irmãos Border” volta a ser chamado para colaborar numa investigação sobre as atividades de um bando de assaltantes de comboios no Missouri, liderados por dois irmãos sulistas, Bill e Frank Border, e que contava com a cumplicidade das gentes locais. Ajudado por Baxter, um detetive da Agência de Detetives Pinkerton, Tex toma conhecimento que o bando dos irmãos Border é, em tudo, muito semelhante aquele que é liderado pelos irmãos Jesse e Frank James e que as populações locais veem neles os verdadeiros heróis e fazem de conta que os caminhos-de-ferro e os bancos são os vencedores nortistas e invasores que têm de ser derrotados pelos bravos sulistas patriotas. Quando se dá o confronto, cinco assaltantes são mortos e o bando desmantelado.
O “Ouro dos Confederados”, a aventura seguinte de Tex, ainda nos conduz às consequências da guerra civil e leva o ranger e Kit Carson a perseguir Buchanan, um ex-capitão do exército confederado, que se evade de uma prisão nortista com a ajuda de um seguidor da Klu Klux Klan, uma organização sulista e racista. Buchanan leva os seus companheiros até um pântano onde se encontra um velho navio ancorado e abandonado e dentro dele está um tesouro em barras de ouro que o ex-capitão pretende apanhar e fugir com ele. Emboscadas, tiroteios, armadilhas e acidentes fatais tornam a viagem até ao local difícil, mas não impeditiva para os dois rangers, habituados a estes tipos de situações, cumprirem a sua missão.
Mas nos tempos do pós-guerra, enquanto a Nação lentamente se reconstruía, havia quem, secretamente, ansiasse pelo regresso às armas. É neste ambiente que “O Último Rebelde” decorre. Tex faz-se passar por presidiário na penitenciária de Peterburg, para se aproximar do Capitão Freemont, que se julga ser um dos comandantes do “Novo Exército Confederado”, um grupo de soldados sulistas que pretende vingar a humilhação sofrida na guerra civil. Tex e Freemont conseguem escapar e, juntamente com Kit Carson, vão para o quartel da organização onde esta tem vindo, através de ações de guerrilha, a preparar o terreno para o contra-ataque. Mas Freemont tem outras ideias e, com o auxílio do Major Corbett, pretende pô-las em prática, a não ser que alguém os consiga impedir.
Se se vir bem o trajeto de vida do ranger, facilmente se perceberá que ele não poderia passar ao lado deste conflito: Tex foi um rancheiro que fez justiça pelas próprias mãos, cowboy em rodeos, fora-da-lei procurado pela justiça, ranger cumpridor da lei e, a partir de certa altura da sua vida, defensor dos ideais nortistas de uma certa mentalidade progressista, pois trata de igual para igual um escravo e consegue ver dignidade em muitos dos seus adversários sulistas. Inevitavelmente, torna-se contraditório com este tipo de atitude, pois prefere prender e julgar pela justiça, apesar de também, se for necessário, espancar e ferir a tiro qualquer fora-da-lei; os seus valores são altos e não lhe permitem bater ou matar pessoas desarmadas ou atirar pelas costas.
É por causa destas contradições que todos gostamos de Tex, sempre íntegro nos seus ideais, lemos, amiúde, as suas histórias carregadas de ação, que garantem a longevidade da personagem e a conquista do público que, estou certo, nunca lhe faltará.
* Texto de Rui Cunha publicado originalmente na Revista nº 4 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2016.
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)