Por Jesus Nabor Ferreira*
As grandes aventuras de Tex e dos seus pards são, inegavelmente, aquelas vividas dentro do ambiente tradicional, o que convencionalmente chamamos de “velho oeste”.
Aventuras com os habituais cowboys, índios, militares, xerifes, foras da lei, criadores de gado, pioneiros, diligências, comboios, brigas nos saloons, tiroteios na rua principal, duelos ao entardecer, batalhas nas pradarias, cidades fantasmas, assaltos a bancos e longas perseguições. Mas a poderosa imaginação de G. L. Bonelli não permitiu que o criador de Tex se limitasse por estas convenções, trazendo então para este universo do western clássico uma verdadeira miríade de situações extraordinárias, que acabou por também conquistar uma grande legião de fãs. O fantástico e o sobrenatural ganharam espaço no cenário tradicional do oeste selvagem e seres espectrais e fantasmagóricos começaram a transitar lado a lado com as figuras tradicionais das personagens do género.
Uma das maiores criações dentro destes pressupostos é a figura extraordinária do Bruxo Mouro, El Morisco. Um dos mais antigos e importantes amigos do ranger, El Morisco está sempre disposto a ajudar os pards nas investigações de casos misteriosos, tendo sido ele o responsável por Tex ter vivido uma das mais inusitadas experiências psicadélicas da saga do ranger. Ahmed Jamal (El Morisco) é um estudioso, um cientista egípcio, mas que escolheu o México para viver, ao lado do seu assistente e amigo Eusebio.
Profundo conhecedor das ciências ocultas, esteve sempre disposto a desvendar os mistérios das antigas civilizações que habitavam o México antes da chegada dos conquistadores espanhóis. Os seus estudos também o levam incontáveis vezes a lugares distantes e, sendo também considerado como um “homem da medicina”, tem grandes amigos entre os shamans e curandeiros índios, bem como entre os médicos do exército americano. E é em auxílio de alguém que este simpático e astuto “bruxo” acaba por se envolver em grandes aventuras, repletas de mistério e perigos, sempre, claro, ao lado de Tex e seus pards.
Quando a lua cheia surge dominando a noite, ninguém na pequena aldeia dos Apaches Broncos está a salvo do terrível Diablero1, o ser sobrenatural que ataca todos os que ousam cruzar os seus caminhos.
Junto com ele está sempre uma linda mulher, uma jovem feiticeira que domina o estranho ser, Mitla, a Rainha da Noite. O fascínio que a bela índia causa nos jovens apaches da aldeia dos Broncos, faz com que eles a persigam noite dentro, afastando-se da proteção da aldeia e acabando por serem presas fáceis do monstruoso Diablero. A bela feiticeira parece possuir poderes sobrenaturais, pois domina uma alcateia de lobos e comanda também os terríveis morcegos vampiros denominados de “filhos da noite”.
Incapaz de lidar com estes assombrosos inimigos, o chefe da aldeia, Mangos, pede a ajuda de El Morisco, que, por sua vez, convida um militar, também estudioso das ciências ocultas, para o acompanhar à aldeia apache. Por um capricho do destino, Tex e os seus pards estão no forte quando chega a carta do Bruxo Mouro ao Capitão Walson, decidindo acompanhar o militar para encontrar o seu amigo Morisco. O que se verá a seguir não perde em nada para os melhores filmes de suspense e terror. A viagem do militar e dos pards ao encontro de El Morisco será marcada por diversas situações de verdadeiro perigo, pois a feiticeira Mitla tentará a todo custo impedir que o Capitão Walson se encontre com El Morisco, antevendo que, se ambos juntarem forças, talvez consigam pôr fim às suas atividades, trazendo um perigo mortal até mesmo para o temível Diablero.
O engenhoso roteiro de G. L. Bonelli deixa diversas perguntas em aberto no final desta aventura, pois afinal acabamos por conhecer pouco sobre a misteriosa e linda jovem Mitla. Apenas que vive com Guiamas, um gigantesco índio, no interior de um templo em ruínas, num vale secreto da Serra do Osso. Nem mesmo qual o grau de parentesco – se é que há algum – entre ela e Guiamas, ou ainda qual o motivo da sua “maldade”. G. L. Bonelli não nos dá nenhuma explicação, deixando para o leitor tirar as suas conclusões, o que torna estas personagens ainda mais fascinantes e misteriosas.
Na parte gráfica, Letteri constrói, através de imagens de composição cinematográfica, dignas dos melhores filmes de suspense e terror, um crescendo quase que angustiante, com a ação a desenvolver-se numa primeira fase em ambiente aberto, com a perseguição dos jovens apaches e a percepção de que eles não estavam sozinhos na noite enluarada e que uma criatura maligna rondava por perto e, por fim, a sugestão ao leitor de que algo terrível aconteceu com o jovem apache, insinuando, sem mostrar explicitamente, o horror.
Esta aventura dos pards contra Diablero marca o reencontro de Tex e Carson com o misterioso Bruxo Mouro, lembrando que a primeira vez que os rangers encontraram El Morisco foi durante a aventura O Tesouro do Templo. Nesta história, G. L. Bonelli utiliza um enredo até bastante comum nas aventuras de “faroeste”, o roubo de gado para revelar uma trama mais ambiciosa, em que uma antiga descendente dos Aztecas e do imperador Montezuma, a princesa Esmeralda, procura restaurar a grandiosidade dos seus antepassados expulsando os homens brancos, contando para isso com a ajuda de bandidos mexicanos que, por sua vez, utilizam uma tribo rebelde comanche, a quem oferecem cogumelos “mágicos”, os chamados Fungos Sagrados. E será por conta de um destes fungos que Tex irá viver uma inusitada experiência psicadélica. Mas não nos adiantemos…
Chegando a Pilares, Tex e Carson procuram logo pela casa do Bruxo Mouro e, após as apresentações, Tex explica o caso, dizendo que o Capitão Walson o aconselhou a procurar junto dele informações sobre os chamados Fungos Sagrados. El Morisco explica então que o fungo provoca, naqueles que o ingerem, experiências fantásticas, visões incríveis por conta da substância alucinógena que o fungo contém, derivada dos frutos do 2. Estas alucinações (ou visões), tanto podem ser relacionadas a percepções fantasiosas de acontecimentos ou eventos passados, como também previsões futuras. Tex logo entende o motivo dos índios comanches se terem aliado ao bandoleiro Fidel Romulio para cometerem os roubos de gado em troca de uma porção de fungos. O chefe dos comanches ganhou enorme prestigio entre os seus pares por controlar os fungos que permitem, a quem os use, comunicar com o grande espírito.
Carson, céptico como sempre, duvida dos efeitos dos fungos, mas El Morisco oferece aos dois pards a oportunidade de experimentarem o alucinogénio. Tex aceita e diz a Carson que irá sujeitar-se sozinho a esta experiência, provando o fungo. Poucos minutos depois, Tex viverá os efeitos “mágicos” do fungo, proporcionando-lhe, segundo o Bruxo Mouro, uma consciência mística, percepções alteradas de informações que se encontravam armazenadas no seu inconsciente, e também uma espécie de presságio. Os efeitos das visões são presenciados por Carson que se assusta com a reação do amigo.
Mas o Bruxo Mouro acaba por explicar aos dois pards o que de facto aconteceu…
Foi desta forma que se deu o primeiro encontro entre os pards e o misterioso Bruxo Mouro, nesta aventura repleta de ação e mistério. O templo azteca e o seu fabuloso tesouro permaneceram inalcançáveis para todos aqueles que tentaram profanar as suas galerias. A bela Esmeralda garantiu que ninguém tivesse acesso à sepultura sagrada e aos subterrâneos onde se encontravam os misteriosos fungos. Estes mesmos fungos são encontrados pela Rainha da Noite e este mesmo templo, no vale escondido, serviu de abrigo para Mitla e o seu companheiro Guiamas, fazendo assim uma perfeita ligação entre as duas aventuras.
Mais uma vez fica comprovada a incrível capacidade de G. L. Bonelli para desenvolver os seus roteiros perpassando diversas linhas argumentais. Mesmo trabalhando com assuntos corriqueiros ao género western, G. L. Bonelli encontra espaço para apresentar aos leitores elementos estranhos que enriquecem as suas histórias. O conhecimento enciclopédico do autor é usado para dar credibilidade e fundamentação aos seus textos.
A lincantropia, a lenda do homem-lobo, as antigas civilizações, os efeitos das drogas alucinógenas, são alguns dos temas destas duas aventuras, os quais, no entanto, não ficam em primeiro plano, pois o compromisso dos autores é alcançar para os seus leitores uma história repleta de ação, suspense e aventura. Mesmo que o cenário seja muitas vezes utilizado, G. L. Bonelli parece renovar a mesma e velha fórmula. Entre um tiroteio e outro, entre uma cena de perseguição ou ação desenfreada, há espaço para momentos de considerações, como as do bom Bruxo Mouro junto do chefe Bronco relativamente às motivações da jovem Mitla, ou ainda, a explicação a Tex e Carson dos efeitos do Peyote.
Outra curiosidade sobre estas duas aventuras diz respeito às inimigas enfrentadas pelos rangers. Tanto Mitla como Esmeralda acabam vítimas do seu destino, sem que os pards tenham uma participação direta no facto. Tex, aliás, nutre mesmo uma certa admiração sobre a personalidade de Mitla, chegando a dizer que gostaria de poder interrogá-la sobre os seus misteriosos poderes. Mas Carson, e principalmente Jack Tigre, não partilham das mesmas intenções do amigo. Diablero e O Tesouro do Templo são duas clássicas histórias que em nada perdem para as melhores, elencadas nas listas das mais lembradas de todos os fãs. Assim como Mitla e Esmeralda estão, para sempre, no panteão das grandes inimigas de Tex.
Outras grandes personagens da editora de Tex também já enfrentaram encarnações destes seres mitológicos. É o caso da aventura de Zagor em Zagor Contra o Homem-Lobo, de Dylan Dog em As Noites da Lua Cheia ou Martin Mystère em A Noite do Homem-Lobo. Todas estas fantásticas aventuras refletem o sobrenatural, o suspense e o terror dentro do cenário habitual onde cada herói actua. Dylan Dog e Martin Mystère transitam por misteriosas e desconhecidas vilas encravadas nos locais mais distantes, enquanto Zagor tem de enfrentar os licantropos nos Estados Unidos da primeira metade do
século XIX.
A lenda do lobisomem vem de tempos distantes, com origem em tradições europeias, tendo o mito do homem-lobo nascido na Grécia antiga. Segundo a lenda, um homem foi mordido por um lobo numa noite de lua cheia. E assim, sempre que a lua surja no céu em todo o seu esplendor, o homem transforma-se num lobo gigante e passa a atacar os demais animais e habitantes do lugar, só voltando à forma humana ao amanhecer.
Notas
1. Conforme a lenda mexicana e das tribos Yaquis, Diablero é alguém perverso que pratica magia negra e é capaz de se transformar num animal gigantesco.
2. O Peyote é o nome dado a um tipo de cacto encontrado no sudoeste dos Estados Unidos até à região central do México. O seu principal componente é a mescalina que, quando ingerida, confere efeitos alucinógenos. Era usado em diversos rituais religiosos pelos nativos dos povos antigos destas regiões.
* Texto de Jesus Nabor Ferreira publicado originalmente na Revista nº 7 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2016.
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