O blogue português do Tex tem o privilégio de publicar aquele que é o primeiro conto de Tex Willer, pois é a primeira vez que Tex aparece sob a forma de narrativa escrita curta, depois do romance “Il massacro di Goldena”, escrito em 1951 por Gianluigi Bonelli e recentemente reeditado, como já noticiámos. Regendo-se por outras regras e por uma noção de tempo e espaço mais concisa que a do romance ou da novela, o conto é também uma forma diferente de interpretar e de ver em acção o Ranger mais famoso do Oeste americano, permitindo até entrar mais no âmago das personagens do que quando a narração é feita por imagens.
Trata-se de uma obra inédita, em homenagem a Tex e aos seus criadores, da autoria de dois dos mais prestigiados nomes ligados à Banda Desenhada portuguesa (texto de Jorge Magalhães e ilustrações de Augusto Trigo), em mais um exclusivo integrado nos festejos dos 60 anos do mítico Ranger!
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NO RIO GRANDE
Sob o ardor forte do sol, o cavaleiro avançava pela margem norte do rio, à procura de um vau. As margens eram esbarrancadas e cobertas de vegetação. Aqui e além, uma árvore debruçava-se com os seus longos ramos sobre a água, oferecendo um abrigo fresco e convidativo contra o calor do meio-dia. Mas o cavaleiro continuava a sua busca, com o chapéu de abas largas derrubado sobre os olhos, por causa da reverberação implacável das rochas, que chispavam como espelhos de metal na luz crua do sudoeste.
Aquele estreito curso de água era o Rio Bravo do Norte — também chamado Rio Grande, nome pomposo, com centenas de anos, para uma corrente tão insignificante, sobretudo como linha fronteiriça. Do outro lado, o terreno elevava-se numa série de pequenas colinas arborizadas e semeadas de cactos, cujas silhuetas bizarras se destacavam como sentinelas vigilantes na paisagem. O próprio céu, tingido por pequenas nuvens de cor púrpura, parecia diferente, como se o horizonte se alargasse e a claridade fosse mais ofuscante. Não havia letreiros nem marcos simbólicos, mas todos os viajantes vindos do norte sabiam que a partir dali se estendia o território do México, uma república que tinha vivido, durante muito tempo, sob o signo da revolução.
Quando encontrou o vau, o cavaleiro começou resolutamente a travessia, evitando os remoinhos de água lodosa, onde a força da corrente aconselhava prudência. No ar quente e espesso, vibrava o zumbido dos mosquitos.
O território do outro lado do rio era uma espécie de «terra de ninguém». Os fora-da-lei e os apaches, perseguidos pelo governo americano, atravessavam constantemente a fronteira. Nenhum mexicano gostava de apaches nem de gringos, mas o México era um vasto palheiro onde um homem podia desaparecer sem deixar rasto, como uma agulha. O Rio Bravo não impedia também as invasões maciças, com grandes exércitos movimentando-se nos dois sentidos e as bandeiras mexicana e americana flutuando ora nos muros derrocados de El Álamo, ora nos sumptuosos palácios de Vera Cruz, Monterrey e Guadalupe.
O cavaleiro cruzou o vau em diagonal, com o cavalo, em certos pontos, mergulhado na água quase até à barriga, embora não fosse a altura do ano em que o rio ia mais cheio. Mas a travessia decorreu sem incidentes, porque cavalo e cavaleiro formavam uma única peça que obedecia a uma única vontade.
O forasteiro chamava-se Tex Willer e o sol, de vez em quando, arrancava reflexos prateados à insígnia presa na sua camisa coberta pelo pó de uma longa jornada. Era um homem de feições nobres mas curtidas pela vida ao ar livre, hábil com as armas, duro e resoluto no cumprimento do dever, e conhecia bem o território que se estendia ao sul do Rio Grande.
Em todas as viagens que fizera ao México, ficara com a certeza de que nenhum peón mexicano, por razões que se perdiam num passado longínquo, encarava um gringo como amigo, qualquer que fosse o motivo da sua visita. Desta vez, confiava, até certo ponto, no auxílio das autoridades mexicanas. Mas temia que nenhum distintivo, nenhuma arma, nenhum gesto de amizade, fossem capazes de romper a desconfiança desses camponeses grosseiros e sujos, que viviam miseravelmente em cabanas de adobe, apesar de lhes correr nas veias o sangue dos altivos guerreiros aztecas.
Tex Willer era um homem sem os preconceitos peculiares da sua raça, habituado a conviver com outros povos, respeitado pelos próprios índios navajos, que o tinham eleito seu chefe, mas curiosamente, apesar de ter amigos do outro lado da fronteira, fazia dos camponeses mexicanos a mesma ideia que a maioria dos seus compatriotas, quase os considerando um povo inferior, semi-bárbaro e inculto. Por isso, quando vadeou o curso do Rio Grande, naquela tarde de canícula, teve mais uma vez a sensação de transpor a fronteira entre dois mundos, tão diferentes um do outro como a noite do dia.
JUAN HERÉDIA
Tex fez o resto da jornada num trote ligeiro, para não cansar o cavalo, avistando, de longe em longe, aldeias perdidas na árida planura, que se assemelhavam a pequenas manchas ocres contra os imponentes contrafortes da Sierra Madre. A estrada, ladeada de cactos, ondulava suavemente entre colinas e campos pedregosos. As montanhas tinham uma cor escura e hostil.
Chegou ao seu destino no dia seguinte, ao lusco-fusco, sem ter encontrado mais de cinco pessoas no caminho. O poente tingia o céu com um clarão sanguíneo.
San Felipe era um vilarejo sem importância, perdido na base das montanhas, com uma rua tortuosa e cheia de poeira, vinte ou trinta casas que já não eram caiadas há muito tempo, um largo e uma igreja de estilo barroco, ao fundo da rua. A igreja, grande e de paredes sólidas, parecia datar do tempo da dominação espanhola.
Era dia de mercado e o largo estava ainda cheio de gente que viera das redondezas, com os seus burricos pitorescamente ajaezados com guizos de metal e pequenos chapéus de palha. Nas locandas próximas bebia-se com animação. Arcos festivos e balões de papel davam a San Felipe um garrido ar de arraial.
Tex passou vagarosamente entre grupos de mexicanos que o saudavam, sem grande curiosidade, tirando os largos sombreros. Na praça, alguns pares dançavam, ao som de violas. O crepúsculo morria numa luz cinzenta.
Só havia uma pousada na aldeia. Não parecia grande coisa, mas o preço, pelo menos, condizia com o aspecto. Tex pediu um quarto e uma boa ração de aveia para o seu cavalo. Depois, fiel ao princípio de nunca perder tempo, tratou de procurar o alcalde, uma espécie de administrador local, cuja casa encontrou sem dificuldade. E foi aí que as suas surpresas começaram. O digno funcionário estava sentado à mesa, com toda a família, e Tex estacou à porta, indeciso, de chapéu na mão, iluminado pela luz que vinha do interior.
Vivamente, com uma agilidade que o fazia parecer mais novo, D. Juan Herédia, o alcalde, saltou da mesa e, limpando os bigodes, ordenou à sua filha mais nova Lolita, uma bela rapariga que não teria mais de vinte anos, que oferecesse uma cadeira ao visitante e pusesse outro prato na mesa.
— Recebi uma mensagem de Piedras Negras, avisando-me da sua chegada. Devo dizer-lhe, señor, que a sua fama é tão grande aqui como no seu próprio país. Suponho que veio ao México, mais uma vez, para fazer justiça. Mas sugiro que deixemos esse assunto para mais tarde. Sentir-me-ei muito honrado, señor Willer, se quiser ser meu hóspede e provar uma tortilla e um trago deste viño. Não há nada melhor do que a comida mexicana para refazer forças depois de uma longa jornada! — exclamou, com um largo sorriso, certo de que o visitante não recusaria o seu convite.
Os netos de Juan Herédia — quatro ou cinco garotos de cabelos negros e olhos espertos e brilhantes como colibris — saltavam-lhe para cima dos joelhos, dando-lhe puxões ao bigode farto, que tremia com orgulho. Também a insígnia do estrangeiro lhes chamou a atenção e não tardou que fizessem a Tex as honras da casa, arrulhando como pardais satisfeitos no seu linguarejar infantil cheio de pitoresco.
Terminado o jantar e espantado o alegre bando com algumas palmadas no traseiro, o alcalde dispôs-se a escutar o visitante, entre duas cachimbadas, enquanto Lolita levantava a mesa.
— Muchas gracias, señor Herédia! — exclamou o ranger, esfregando a barriga. — Falava verdade quando gabou a comida mexicana. Mas estou tão cheio que não sei como vou dormir esta noite!
— Não se preocupe, señor Willer. Se um homem tem a consciência tranquila, as noites do México fazem-no gozar o sono dos justos, mesmo que tenha o estômago muito pesado.
— Procuro um homem… — continuou Tex, que sentia a curiosidade das mulheres, entrincheiradas na cozinha. — Um homem chamado Ramón Gonzaga, que tem aqui família.
— Um mexicano? — perguntou o alcalde, enrugando a testa.
— Sim. Tem uma pena às costas por roubo de gado e homicídio. A sentença é de dez anos em Yuma, o que equivale quase à pena máxima, mas o homem conseguiu fugir e passar a fronteira. Yuma é um inferno, onde nem os mais fortes sobrevivem por muito tempo, mas Gonzaga merece essa pena. Tenho cartazes com o retrato dele. É um tipo grosseiro e brutal, que andou em companhia de comancheros e fora-da-lei. O género de bandido capaz de matar a sangue-frio, sem qualquer escrúpulo. O seu bando espalhou o terror no Texas e no Arizona até cair nas malhas da lei. Agora, Ramón viu-se acossado e deve ter voltado aqui, contando que a família o ajude a esconder-se.
— Tem razão, señor Willer. Conheço Gonzaga e sei que é um bandido. Mas nunca fez nada contra a lei no México e duvido que alguém o denuncie. Tem mulher e dois filhos pequenos, que já não via há muitos anos. Chegou há algum tempo, sem avisar ninguém, e é a mulher quem trabalha para ele, apesar de já estar à espera de outro filho. Tenho-o visto na botica, a beber e a fazer apostas nos combates de galos. Um patife, señor Willer. Mas nenhum mexicano erguerá sequer um dedo, quando souberem que veio aqui para o prender.
— Tenho um mandado de captura, Don Herédia, e basta-me o seu auxílio para poder cumprir a minha missão. Deixe-me narrar-lhe o caso com mais pormenores: Gonzaga e o seu bando assaltaram um rancho há alguns meses, mas não se contentaram com 200 cabeças do melhor gado do Texas; feriram também gravemente o rancheiro, depois de lhe violarem a mulher e a filha. Quando chegou auxílio, a casa ardia e muitos cadáveres de animais domésticos juncavam o solo. Os bandidos destruíram sem piedade tudo o que não puderam levar. É por isso que quero capturar Gonzaga, o único que, até agora, conseguiu fugir à justiça. Esse patife merecia a forca, mas Yuma pode ser, para muitos, um castigo ainda pior!…
— Lamento, mas não creio que possa ajudá-lo. Sei que é um desses Texas Rangers de quem tanto se fala e que nunca desiste de apanhar o seu homem. Mas bem vê, señor Willer, aqui, apesar da sua reputação, não passa de um estrangeiro, um gringo. Esta gente pode não gostar de Gonzaga, mas, por lealdade, unir-se-á toda para o defender. Julgo que conhece os mexicanos, señor. Posso dizer-lhe onde está o homem que procura, mas de que serve isso? Cruzar-se-á com tantos olhares hostis que será obrigado a desistir. Esconderão Gonzaga fora da aldeia, se for preciso, dar-lhe-ão de comer e vitoriá-lo-ão quando o senhor se for embora. Depois, tudo voltará à mesma. Gonzaga continuará a beber e a bater na mulher. Chamar-lhe-ão malo hombre e qualquer dia, numa rixa, alguém lhe espetará uma faca na barriga. Mas que importa isso? São seus vizinhos! Está a perceber-me, señor?
Tex não respondeu. Era evidente que o alcalde tinha razão. Mas ele viera ao México para prender Gonzaga, seguindo uma lenta pista que começara em Austin, há três meses, depois do assalto àquela herdade onde havia as melhores cabeças de gado do Texas e uma família que ficara para sempre destruída. Tex era um homem teimoso e não voltaria a casa sem ter cumprido a sua missão. Tinha carta branca dos rangers para agir, além de um salvo-conduto passado pelas autoridades mexicanas.
Infelizmente, o seu velho pard Kit Carson, cuja resmunguice bem-humorada ajudava a amenizar o tédio das longas cavalgadas, não pudera acompanhá-lo desta vez.
A noite estava quente, cheia de trinados, e Juan Herédia levou Tex até ao largo pátio espanhol nas traseiras da residência, onde uma árvore centenária estendia os ramos frondosos por cima dos muros. Apesar da singeleza dos seus hábitos em família, o alcalde vivia na melhor casa da aldeia e era visível o orgulho com que a mostrava ao visitante. O luar prateava as folhas e o tronco da velha árvore, as cigarras cantavam e um suave perfume envolvia o pátio, como uma presença feminina, aumentando o sortilégio da noite mexicana.
— Obrigado por me expor tão francamente a situação! — disse Tex, depois de uma longa pausa em que os dois homens permaneceram em silêncio, como que absortos na contemplação do fumo que se desprendia dos seus cigarros. Tex munia-se sempre, em viagem, de uma boa provisão de tabaco e oferecera um maço ao seu hospedeiro, que não escondeu a sua alegria.
— Muchas gracias, señor Willer! Raramente tenho o prazer de trocar o meu velho cachimbo por outros hábitos… como quando andei na guerrilla com Juarez, junto à fronteira. Os gringos que se juntavam a nós para combater Maximiliano e os franceses traziam-nos armas, dinheiro e cigarros… muitas armas e muitos cigarros! — exclamou o mexicano, aspirando deliciado o fumo suavemente aromático do tabaco da Virgínia.
— Conheceu o Imperador Maximiliano, Don Herédia?
— Lutei contra ele em Queretaro e estive ao lado de Juarez quando o usurpador foi fuzilado. Nesse dia, acabou o seu império… e renasceu o México!
Tex arqueou os lábios, soltando outra baforada de fumo, e meneou a cabeça numa espécie de vénia.
— É uma grande honra para mim, Don Herédia, conhecer um ex-juarista… um patriota!
Depois da alegre balbúrdia que saudara a chegada do gringo e a sua presença à mesa como conviva, a casa parecia agora estranhamente silenciosa. Era tarde e as mulheres e as crianças já deviam estar a dormir. Tex pensou em Lolita, que, durante o jantar, correspondera timidamente aos seus olhares lisonjeiros, e lamentou só ter trocado duas ou três palavras de circunstância com ela. Não era muito pródigo em elogios à beleza feminina, mas sabia apreciá-la quando a tinha à sua frente.
— Bem, amanhã, verei o que posso fazer — disse o forasteiro, sentindo chegar o momento da partida. — Mas como sabe, Don Herédia, para um ranger a sua missão é sagrada, quaisquer que sejam as dificuldades que encontrar pelo caminho.
— Ay! Esse famoso culto do dever, essa indomável vontade de lutar até ao fim! Foi por isso que aqui no México lhes chamaram “los diablos tejanos”, durante a guerra de 46 com os seus compatriotas. Mas aplaudo a sua ideia, señor Willer. À luz do dia, temos sempre outra perspectiva das coisas.
Não havia sombra de azedume naquele comentário sobre uma guerra que custara ao México boa parte do seu território e Tex sorriu, satisfeito, pensando que o encontro em casa do alcalde não podia ter acabado de forma mais amena. Despedindo-se de Juan Herédia, depois de lhe agradecer a magnífica hospitalidade, o ranger voltou à pousada e foi guardar o seu cavalo no estábulo anexo.
Chamava-lhe Dinamite, em memória do seu antigo companheiro, um animal quase tão lendário como Pégaso, que estava agora enterrado na reserva dos navajos. Quantas cavalgadas tinham feito juntos, como amigos inseparáveis, quantas aventuras tinham vivido ao longo de muitos anos, até em regiões longínquas, quantos obstáculos, quantos inimigos e quantas ameaças tinham enfrentado com a mesma audácia e o mesmo desprezo pelo perigo!… Tex continuava a pensar com afecto no seu velho companheiro, mas as saudades eram mitigadas pelo novo Dinamite, que parecia ter herdado também as melhores qualidades da raça: nobreza, inteligência, vigor e uma dedicação sem limites pelo dono. Era como se não houvesse qualquer diferença, em muitos aspectos, entre o primeiro e o segundo Dinamite!
Quando saiu do estábulo, a praça estava deserta. Ouvia-se, algures, o som dolente de um violão e uma voz que cantava. Tex, cujo espanhol era quase fluente, distinguiu alguns versos da canção, entoada por uma voz masculina, que vibrava languidamente, com um tom fatalista, nas cordas tangidas por dedos exercitados.
Siempre con mi dolor
Como fiel compañera,
Voy como un trovador
Que sueña con su quimera.
Um magnífico céu estrelado estendia-se sobre as montanhas banhadas pelo luar. Tex lembrou-se de outras noites de verão no Texas, tão luarentas como aquela, mas, fatigado pela viagem, adormeceu depressa, como o alcalde vaticinara, mergulhando num sono tranquilo, povoado por imagens dos ardentes chaparrais do México, que se fundiam com a figura esbelta e os suaves olhos negros da filha de Juan Herédia.
“SANGRE Y MUERTE”
Tex acordou bruscamente poucas horas depois, como se saísse de um vago torpor, ao ouvir gritos na rua.
«Que algazarra é esta?» — perguntou a si próprio, acercando-se da janela. San Felipe parecia varrida por um ciclone. Na luz ainda incerta da madrugada, a rua e o largo, em frente da igreja, estavam cheios de gente que corria e gritava, numa confusão indescritível.
À entrada do pueblo, alguns homens erguiam uma barricada com carros e sacos de areia. Os sinos da igreja começaram a repicar com um som plangente, dominando os gritos da multidão.
Tex ouviu bater à porta do quarto e apressou-se a ir abri-la. A face congestionada do alcalde, muito diferente do rosto alegre e bonacheirão que ele conhecera na noite anterior, fitou-o com uma expressão de alarme.
— Venha depressa, señor Willer! Os índios vão atacar-nos! Toda a gente está a procurar refúgio na igreja!
Sem perder tempo, Juan Herédia conduziu o americano até ao largo onde a multidão engrossava a cada instante. O êxodo tinha começado nos arredores da aldeia, onde havia casebres espalhados e pequenas haciendas indefesas.
A igreja, construída de pedra, com a sua pesada porta de madeira maciça e as paredes picotadas de balas — recordação de ataques anteriores —, tinha o ar de uma verdadeira fortaleza.
Pelo caminho, o alcalde explicou a Tex o que se passava. De madrugada, um mensageiro chegara, a toda a brida, com notícias de uma razia dos apaches coyoteros, vindos do outro lado da fronteira, em som de guerra e de pilhagem. Duas aldeias ao norte, distantes poucos quilómetros de San Felipe, tinham sido atacadas e destruídas durante a noite. Ninguém sabia onde estavam os rurales, uma pequena força que patrulhava a região, e, sem telégrafo nem outro contacto com o exterior, urgia pensar na própria defesa.
— Venga, señor. Na igreja estaremos em segurança. É um velho mas sólido edifício, construído pelos espanhóis, quando San Felipe se transformou numa vila importante com a chegada dos missionários. Apesar da confusão que reina em todo o lado, não estamos completamente desprevenidos, señor Willer. Há tempos, formei uma milícia com os melhores atiradores da aldeia, por causa das investidas dos apaches.
— Bravo, Don Herédia. Assim, já podem assegurar a vossa defesa. Espero que tenha seguido o nosso exemplo. A disciplina e o treino são essenciais num grupo desses… tal como nos Texas Rangers.
— Não é fácil incutir disciplina num peón que nunca combateu, habituado apenas a amanhar a terra. Mas são homens valentes e orgulho-me deles. No último assalto, os índios levaram que contar!
— Por que há tantos problemas com os apaches no México?
— Por causa das perseguições, señor Willer, da semente do ódio que germinará sempre entre apaches e mexicanos. Dantes, eles eram ladrões de gado, que viviam escondidos na Sierra Madre, e só atacavam quando tinham fome. Mas, apesar disso, foram caçados como lobos e os seus escalpes valeram dinheiro, muitos dólares de prata, pagos pelo próprio governo central. Eram os fatídicos “contratos de sangre”, que acabavam por recair também sobre os índios pacíficos. Houve gente que se aproveitou disso, sem respeitar mulheres nem crianças. Triste medida, señor Willer. Deviam ter punido esses homens, esses “scalphunters”, na sua maioria gringos, que agiram como selvagens. Há muitas viúvas e muitos órfãos no México por causa deles. Agora, os apaches, para se vingarem, destroem as nossas colheitas e as nossas casas!
— Tem razão, Don Herédia. Os apaches foram vítimas de muitas injustiças… tanto num como noutro lado da fronteira! — retorquiu Tex, estugando o passo para acompanhar o alcalde, que em face do perigo revelava uma inesperada energia. — Não são selvagens sedentos de sangue, como muitos os descrevem, mas as suas represálias provocam ainda mais ódios. Para eles, a vingança é uma dívida de honra. Só Cochise compreendeu que o futuro dos chiricahuas e de toda a nação apache residia na paz, na convivência com os brancos, e não numa permanente luta de guerrilha.
— Parece conhecer bem os apaches, señor Willer.
— Sim, tenho uma longa relação com eles e com os navajos, que me chamam “Águia da Noite”. Até ajudei Cochise a resolver algumas crises, como a do massacre de Santa Rita del Cobre, onde muitos apaches, sobretudo mulheres e crianças, caíram numa traiçoeira armadilha.
— Não o censuro por ser amigo dos apaches. Cochise era um grande chefe.
— Bem sei, e tenho orgulho em ser seu “irmão de sangue”. Mas as surtidas dos apaches não vão continuar por muito tempo, Don Herédia, isso lhe garanto. Geronimo já se rendeu várias vezes e não tardará a cansar-se da guerrilha. Cada vez são menos os bravos que o seguem. E quando ele finalmente entregar as armas, os últimos bandos dispersar-se-ão e a paz voltará, pouco a pouco, à fronteira.
— Madre de Dios! Espero que tenha razão! — exclamou o alcalde, sem diminuir a sua passada larga e ágil, um pouco jingada, que Tex observava curiosamente, recordando-se de alguém que também caminhava assim: o seu amigo Montales.
Um caudaloso rio humano precipitava-se para a igreja, soltando gritos de pânico. Era um longo cortejo de carroças, homens, mulheres, crianças, e até animais. Aquela pobre gente procurava salvar o que podia dos seus parcos haveres, esquecendo-se de que a igreja era pequena para os conter a todos. Muitos teriam de abandonar, à mercê dos índios, o fruto de uma vida inteira de trabalho.
— Es muy triste, señor Willer, muy triste! Que espectáculo tão diferente do de ontem! Pero… que podemos fazer? — comentou o alcalde, quando os refugiados começaram a entrar na igreja. — Se não fossem os apaches, o povo de San Felipe estaria agora a assistir à primeira missa, antes de um novo dia de trabalho.
— Por que se dirigem todos para aqui… e carregados com tantas coisas? — perguntou Tex, admirado com o que via.
— A igreja é o único refúgio seguro. Claro que aqui dentro o que conta é a vida humana… sobretudo a das mulheres e das crianças. Mas não lhes posso recusar que tragam alguns dos seus bens… senão entregar-se-iam ainda mais ao desespero!
— Mas como é que consegue organizar a defesa com tanta gente a atrapalhar os seus movimentos?
— Já estou habituado, señor Willer. O que importa é não deixar ninguém para trás.
Tex avaliou rapidamente a situação. Mesmo escolhidos entre os melhores e os mais valentes, os defensores chefiados pelo alcalde eram poucos e estavam mal armados, com carabinas de modelo antiquado, algumas com mais de vinte anos. E os restantes camponeses só tinham enxadas, foices, forquilhas e catanas. Se os apaches atacassem em grande número, não seriam tão facilmente repelidos como nos assaltos anteriores. Juan Herédia enviara um homem a cavalo à procura dos rurales, mas andavam outros bandos de apaches na região e o próprio mensageiro corria perigo.
Finalmente, o êxodo da população terminou e um grande silêncio desceu sobre o pequeno povoado. Na igreja, pelas seteiras da torre do sino, nos postigos defendidos por grossas grades, espreitavam canos de velhas espingardas. Homens, mulheres e crianças comprimiam-se uns contra os outros, cheios de angústia. No meio daquela confusão de mulheres que gemiam, galinhas e patos que esvoaçavam, porcos e cabras que guinchavam, burricos que agitavam nervosamente as orelhas e a cauda, ouvia-se também, leve como um zumbido, o murmúrio de orações. As crianças, agarradas às saias das mães, pareciam mais curiosas do que assustadas.
Juan Herédia organizava a defesa, distribuindo a cada homem o seu posto de combate, tranquilizando as mulheres e as crianças com uma espécie de ternura paternal, falando a todos como se fossem da sua própria família.
— Coragem, Dona Lupe. Então, Paco, hombre de Dios, que tremores são esses? Tens de dar o exemplo aos teus filhos. Venham cá, muchachos, o avô Juan quer que se portem como homenzinhos!
Todas as crianças gostavam dele. Era o velho «avô Juan», sempre paciente e terno, uma espécie de patriarca da aldeia, bonacheirão nos dias de festa, corajoso e calmo em face do perigo. Ao ver que Tex fora buscar o seu cavalo, sorriu e disse:
— Gosta dessa montada, verdad, señor Willer? Um homem de acção, um ranger como usted, distingue-se pela forma como cuida das suas armas, mas também do seu cavalo. Seria pena que este belo animal caísse nas mãos dos apaches!
Depois, mirou curiosamente a carabina do americano, uma Winchester 73, de calibre 44, tiro rápido e preciso.
— Entonces, foi com esta arma que os gringos conquistaram o Oeste e venceram os índios?
— Sabe quem inventou essa frase, Don Herédia? Jornalistas, escritores e políticos, gente do Leste… Mas a lenda é verdadeira!
— O nosso saudoso presidente Benito Juarez, El Índio, recebeu muitos «presentes» deste género quando a revolução estava no auge. Eram carabinas Henry, que disparavam 16 balas em 10 segundos. Podíamos atingir um inimigo a 200 metros. Juarez ficou entusiasmado. Então, não havia tantos apaches no México, mas os tempos também eram maus. O nosso país fora invadido por tropas estrangeiras e o governo caíra nas mãos de um fantoche imperialista. Tem corrido muito sangue nesta terra, señor Willer… e há-de continuar a correr. Sangre y muerte! Gostaria que, quando os meus netos fossem crescidos, já não se ouvisse este grito no México!
Baixou a cabeça, mergulhado em tristes pensamentos e, por instantes, pareceu que o desânimo lhe alquebrava os ombros fortes. Mas logo os seus olhos escuros, em que chispava um clarão de energia, fitaram novamente o americano.
— Pero, señor Willer, há coisas mais importantes a fazer, agora, do que ouvir as lamentações de um velho alcalde. Sei que é um homem que vale mais do que uma dúzia de pistoleros e que fará muitos estragos entre os atacantes com a sua lendária pontaria. Desejo-lhe suerte, señor!
Tex encarregou-se da defesa do ponto mais vulnerável: a pequena porta das traseiras, na sacristia repleta de refugiados. Ao ocupar o seu posto, viu Lolita junto de um grupo de mulheres que rezavam. Os olhos escuros da rapariga fitaram-no com uma expressão ao mesmo tempo tímida e doce. Tex sorriu. Era uma moça guapa e instruída, que falava correctamente inglês como o pai. Pena que tivesse nascido naquele lugar ermo, onde as mulheres trabalhavam tão duramente como os homens, sacrificando a beleza e a juventude para arrancarem à terra seca e poeirenta o seu sustento.
Encostado à parede, com a espingarda entalada debaixo do braço, Tex enrolou vagarosamente um cigarro. Era um homem solitário, que não tinha tempo para pensar em mulheres, mas sentia a monotonia das longas horas preenchidas somente pelo cumprimento do dever. Apesar da amizade fraternal de Carson e do amor do seu próprio filho, o jovem Kit, invejava por vezes aqueles que tinham uma mulher à sua espera, no fim de um longo dia de trabalho. As tarefas mais árduas passavam, então, para segundo plano, mercê de um sorriso, de dois braços cheios de calor, do palpitar de um coração terno.
Lilyth, a sua jovem mulher índia, era uma recordação distante, que lhe despertava ainda dolorosos pensamentos. Graças a ela, soubera, durante umas breves núpcias, o que era a felicidade. Mas a Lilyth devia mais do que a felicidade — devia a própria vida, pois ela fora a «Pocahontas» que o salvara de morrer no poste de tortura.
Franziu a testa ao pensar que Lilyth e Lolita eram nomes com uma pronúncia estranhamente semelhante. Estaria o destino a segredar-lhe alguma coisa?
Esqueceu o cigarro entre os dedos, perturbado. Depois, voltou a olhar as camponesas que rezavam. Lolita sorria, entre o medo e as lágrimas reprimidas das outras, e o seu sorriso era estranhamente reconfortante para ele, um homem sem lar, sem mulher, sem vida amorosa.
Os mexicanos tinham ajoelhado, voltados para o altar, onde um frade dominicano, de rosto seco como um velho pergaminho, erguia os braços, dando a bênção. Tex não conseguia lembrar-se de nenhuma oração, nem mesmo daquelas que decorara maquinalmente em criança, quando a mãe o obrigava a acompanhá-la à missa. E sentiu-se só, um homem que tinha de percorrer ainda um longo caminho semeado de lutas e de ódio, um homem demasiadamente habituado à companhia das armas, demasiadamente orgulhoso, para ajoelhar, como faziam os mexicanos, e simplesmente, humildemente, recolher-se por instantes e escutar a voz da própria consciência.
No fundo, embora estivesse ao serviço da Lei, era um pistoleiro, fiel aos rudes e primitivos códigos do Oeste, um caçador de homens, rápido no gatilho, que não dava tréguas aos seus inimigos. Talvez se Lilyth não tivesse morrido tão cedo, ele se sentisse agora mais humano, mais capaz de amar, de levar uma vida tranquila “caçando e domando cavalos” (1), em vez de seguir, em nome da justiça, a trilha da violência e da vingança.
(1) — Alusão a uma frase proferida por Tex no decurso do episódio “Nos Rastros de Tom Foster”, de G.L. Bonelli e E. Nicolò (Tex Colecção n.º 222, Julho de 2005, Mythos).
Sangre y muerte!… Como as palavras de Juan Herédia lhe pareciam o eco de outras bem familiares… Blood and death! Não fora essa a estrela que norteara a sua vida nos últimos vinte anos?
Quando era mais novo nunca se preocupara com o seu destino, pois acreditava que ele fora talhado pelo caminho da aventura e da liberdade que escolhera, junto dos seus pards e da tribo de navajos confiada à sua guarda. Para os defender e a outras causas que considerava justas, agira algumas vezes à margem da lei, movido por um inabalável imperativo moral, seguro da sua razão, do seu direito e da sua força. “His own brand of justice”, como orgulhosamente definia esse modo de agir. Mas não estaria a enganar-se a si próprio?
Lembrava-se, a propósito, de ter lido num jornal do norte, muito fértil em estatísticas, que ao longo da sua carreira de agente da lei abatera ou prendera mais de 3.000 foragidos à justiça. Era um número impressionante, mas que parecia suscitar algumas reticências ao próprio jornalista. Tanta eficácia e tanto zelo pela lei podiam ter um efeito adverso na opinião pública, tão volúvel como a opinião dos políticos, transformando o herói em algoz, num pistoleiro sem piedade, e os bandidos em vítimas. O próprio Tex, no meio de tantas dúvidas que assolavam o seu espírito, gostaria de encontrar uma resposta para a mais importante de todas as perguntas: seria esse o verdadeiro caminho da justiça?
Na rua, levantou-se um súbito burburinho. O ar encheu-se de clamores ferozes. Todos correram para os seus postos. Os apaches tinham destruído a barreira de carros sem esforço, incendiando-a, e semeavam a destruição na aldeia. Era um bando mais numeroso do que anteriormente e parecia embriagado pelo furor do saque e da matança. Depois de lançarem fogo às primeiras casas da povoação, cujos telhados de colmo ardiam como uma grande fogueira, dividiram-se em dois grupos e avançaram para a igreja.
Tinham armas mais modernas que as dos mexicanos, fornecidas pelos traficantes da fronteira, que as roubavam ao Exército. Um dos grupos, cobrindo-se com cerrado tiroteio, deslizou para as traseiras da igreja. Tex não precisou que o avisassem. Estava alerta e, mal a cabeça de um apache surgiu ao alcance da sua mira, a Winchester troou numa série de disparos rápidos e mortíferos.
Juan Herédia orientava o fogo dos mexicanos e a primeira vaga de assaltantes não tardou a bater em retirada. Os dois bandos dispersaram-se e, durante uma hora, o saque do pueblo continuou. Os coyoteros pilhavam tudo o que podiam, antes de deitarem fogo às casas, soltando clamores selvagens. Garrafas de tequilla passavam de mão em mão e a embriaguez aumentava o ódio e a fúria dos apaches, que pareciam dispostos a deixar apenas ruínas e mortos atrás de si. Espessas nuvens de fumo negro pairavam sobre a aldeia.
Num canto da plaza, ainda há poucas horas invadida por rumores festivos, as paredes sólidas da igreja erguiam-se como um rochedo invulnerável no meio da tempestade.
A ÚLTIMA ESPERANÇA
Inquieto com o rumo que os acontecimentos tomavam, Herédia mandou um homem subir à pequena torre do sino e vigiar os movimentos dos assaltantes. Tex ouviu-o exclamar em surdina, como se falasse consigo próprio, embora se dirigisse ao americano que o destino tornara seu companheiro de luta:
— Espero que não tenham destruído também a minha casa. Confesso, señor Willer, que não esperava uma devastação tão grande. Este ataque é pior do que os outros!Semicerrou os olhos, como se fitasse um ponto distante, perdido no horizonte, e acrescentou, com um suspiro, encolhendo os ombros:— Com estes índios, excitados pelo mescal e pela tequilla, temos tantas hipóteses de parlamentar como com uma matilha de cães selvagens! Mas as casas são o menos importante. As paredes e os telhados podem refazer-se…Arguto e inteligente, Tex compreendeu que uma das maiores preocupações de Juan Herédia era a sua velha árvore, esse gigante centenário, talvez o maior e mais antigo das redondezas, cuja sombra já abrigara muitos dos seus familiares.— San Felipe ainda está muito atrasado, señor Willer. Se tivéssemos telégrafo, não seríamos atacados tantas vezes. Mas, no México, com tantas revoluções e tantas mudanças de governo, o progresso é muito lento. Como eu invejo os gringos! Fizeram uma guerra entre norte e sul, uma espécie de revolução, ainda mais sangrenta do que as nossas, para enterrar o passado, para acabar com as desuniões. Aqui, no México, vivemos à sombra da guerra, do passado… sem esperança de futuro!
Tex concordava com as palavras do alcalde. Lembrava-se da Guerra da Secessão, do rasto sangrento que deixara e da influência que tivera no destino de tantos homens. Uma guerra para acabar com a escravatura… que, pela voz de um homem, de um Presidente idealista, ensinara a muitos americanos o valor da liberdade. Uma causa nobre que tivera um elevado preço… um terrível conflito bélico que também nele deixara marcas. Mas, para unir o país e construir o futuro, fora preciso esse sacrifício.
Talvez a servidão no México também acabasse, um dia… mesmo à custa de outra revolução e de outra mudança de governo. Devia ser esse o maior sonho de Juan Herédia.
Pela primeira vez, nessa manhã, Tex lembrou-se da missão que o trouxera a San Felipe. Estaria Ramón Gonzaga entre os refugiados? Com o seu apurado instinto de caçador, o ranger sentia que estava perto da presa, mas que era esta, escondida, que o observava.
Carson costumava dizer, por piada, que ele tinha olhos na nuca. Mas esses olhos, agora, apenas pressentiam o perigo, não o viam. Perigo? Tex teve vontade de troçar dos seus próprios pensamentos. A única ameaça, naquele momento, vinha do exterior, onde um bando de índios embriagados e tão belicosos como um touro na arena se preparava para atacar novamente a igreja, depois de ter destruído quase metade do pequeno povoado.
As tréguas tinham restabelecido a confiança e a calma entre os sitiados, mas Tex e o alcalde sabiam que elas eram de curta duração, porque aquele bando não se contentava só com a pilhagem. Também queria troféus de guerra: escalpes, armas, mesmo antigas como as dos mexicanos, relíquias e reféns para venderem aos traficantes. A luta ia ser dura, pensou Tex.
E, pouco depois, o tiroteio recomeçou. Os coyoteros corriam de esquina em esquina, disparando sempre, em grupos de dois ou três para oferecerem menos alvo. Quando chegaram ao terreno descoberto em frente da igreja, avançaram isoladamente, escudando-se com os corpos dos companheiros mortos no primeiro ataque. Não se aproximaram das traseiras da igreja, onde a arma de Tex os repelira duramente da primeira vez. O assalto agora era frontal e Tex correu a ajudar Juan Herédia e os seus companheiros.
Apesar do fogo cerrado dos defensores, os coyoteros conseguiram, pouco a pouco, ganhar terreno e aproximar-se da igreja. Um súbito silêncio caiu sobre a povoação. Sitiados e atacantes suspenderam o fogo. Dentro da igreja, as mulheres e as crianças não paravam de rezar. Tex regressou ao seu posto, mas não havia indícios de movimento nas traseiras do velho edifício.
De repente, gritando como demónios, quatro ou cinco apaches saltaram pelo telhado, que pareceu desmoronar-se sob os seus pés, como se as traves apodrecidas tivessem ruído, naquele instante, sob o peso dos séculos. Houve alguns segundos de confusão, enquanto soavam gritos de pânico e os camponeses, demasiado atónitos para se defenderem, eram ceifados pelas balas dos atacantes.
Juan Herédia foi o primeiro a recuperar o sangue-frio e, erguendo a arma, abateu um índio que corria para ele. Travou-se luta corpo a corpo, feroz e desesperada, mas os apaches, ágeis e bravios como pumas, levaram a melhor.
Depois de abrir caminho até ao altar, um guerreiro corpulento, com a cara pintada de vermelho, agarrou um crucifixo de prata e brandia-o em sinal de triunfo, ululando ferozmente, quando um mexicano, num golpe certeiro, lhe cravou uma catana nas costas, prostrando-o aos pés do altar. Tex, com um sangue-frio e uma rapidez espantosos, pôs fora de combate os três restantes.
O mexicano olhou para ele e riu em silêncio. Aquela face angulosa e escura, sulcada por rugas fundas e marcas de varíola que lhe davam um ar rude, quase patibular, não era estranha ao ranger, que se lembrou dos cartazes representando Ramón Gonzaga, o bandido. Mas antes que pudesse observar melhor o homem, uma explosão abalou a porta principal, derrubando-a. Um inferno de fogo e fumo acompanhou o estrondo ensurdecedor.
Aproveitando a luta no interior da igreja, os apaches tinham feito saltar a porta com dinamite. E agora nada parecia ser capaz de detê-los. Houve uma debandada geral para a sacristia. Só o alcalde, Tex e poucos mais, ficaram para defender a entrada. Entre o fumo denso, os vultos dos coyoteros avançavam curvados, ziguezagueando para escapar às balas. Pareciam nascer do chão, como formigas, e os seus gritos de guerra tinham um clamor de triunfo. Mas as barreiras que os mexicanos tinham erguido com os bancos da igreja e os próprios animais, na ânsia de fugirem, embaraçavam os seus movimentos, tornando-os um alvo mais fácil.
Apesar da gravidade da situação, Tex não pôde evitar um pensamento irónico:
— Que pandemónio! Parece mais uma feira do que um campo de batalha!
O ranger fazia prodígios com a Winchester, mas uma única arma de grosso calibre não podia suster o furioso ataque. De repente, sentiu uma queimadura no braço direito e largou a carabina. Mal teve tempo para empunhar um dos colts com a mão esquerda e disparar, abatendo um apache que se atirara contra ele, de punhal em riste, e cujo corpo inerte não pôde evitar na queda.
— Bravo, señor Willer! Mesmo ferido e em desvantagem, não falha um tiro! — exclamou Juan Herédia, com uma vibração de entusiasmo na voz enrouquecida pelo fumo.
— A questão não está só em apontar bem, para não desperdiçar balas… mas em saber quantas ainda nos restam! — volveu Tex, libertando-se a custo do apache que tombara sobre ele.
Juan Herédia assentiu gravemente, com um aceno de cabeça, e ajudou o ranger a voltar para a sacristia, onde Lolita começou a tratar-lhe do braço. Nos lindos olhos da rapariga havia uma expressão de terror, mas esse olhar transfigurava-se quando um ferido ou uma criança se aproximavam dela, em busca de auxílio ou de uma palavra de conforto.
— Não é possível detê-los, pois não, señor Willer? — perguntou numa voz abafada e ligeiramente trémula. — Oh! Virgem Santa de Guadalupe protege as crianças!
Era muito jovem ainda, mas, ao pé das outras raparigas, parecia a mais firme e a mais corajosa. Tex fitou-a, sentindo também o desespero invadi-lo, um desespero surdo, feito de raiva, ódio e impotência. Pela primeira vez na sua vida cheia de aventuras e de perigos, pensou que não voltaria a ver os seus companheiros de longa data e que, ao cabo de tantas peripécias, o destino o traíra, sem lhe permitir que acabasse a tarefa que o trouxera de novo ao México.
O tiroteio continuava, entrecortado por curtas pausas, mas o ranger tentou tranquilizar Lolita, falando-lhe num tom calmo e seguro:
— Chiquita, usted acredita em Deus… e essa é uma boa razão para não perder a esperança. Eu sou um gringo, um estrangeiro sem fé, mas enquanto for vivo não deixarei que nenhum desses diabos lhe toque!
Lolita encarou-o, com uma expressão diferente, misto de surpresa e de comovido orgulho. Por momentos, Tex resistiu à tentação de a beijar. Mas o impulso foi mais forte e uniu os seus lábios aos da jovem, num beijo que encerrava um mundo de promessas — promessas que talvez nunca pudesse cumprir, em que ele próprio não acreditava.
Era como se as barreiras que os separavam, de raça, de religião, de país, e até de idades, se tivessem desmoronado, de repente, por causa do perigo que pairava à sua volta… e da atracção que nascera entre ambos, sem que nada a pudesse impedir. E Lolita sentiu, com irreprimível alegria, que esse beijo de amor, tão espontâneo e tão puro, lhe devolvia a esperança.
Juan Herédia fitou-os e no seu rosto sujo de pólvora brilhou um sorriso enternecido. Ao seu lado, um grupo de mulheres idosas sorria também, como que esquecidas momentaneamente do perigo.
Tex era um homem que não temia a morte, mas naquele momento sentia-se mais agarrado à vida do que nunca. Talvez por causa de Lolita… e do tempo que ainda poderia viver, se escapassem ao assédio dos coyoteros, de modo diferente do passado. Uma feroz vontade de lutar, de vender cara a vida, de proteger a rapariga e as crianças com o seu próprio corpo, como se fosse invulnerável, galvanizava-o, fazendo-o esquecer o ferimento, a escassez de balas, a superioridade dos atacantes.
Mas, por outro lado, Tex sabia que esse sentimento era perigoso. Tinha de controlar, pondo-se em guarda, as suas emoções e os seus instintos, para não desperdiçar nenhuma vantagem sobre os seus inimigos… como a presa que, mesmo encurralada, espreita sempre o ponto mais fraco do caçador. Um ranger com a sua têmpera e a sua experiência não podia perder o sangue-frio.
Foi então que aconteceu uma espécie de milagre: da rua, chegou um clamor de tiros e de tropear de cavalos. Eram os rurales, uma força pequena mas aguerrida, que carregava sobre os apaches com o ímpeto de uma avalanche. Apanhados entre dois fogos, os coyoteros procuraram a salvação na fuga, mas poucos o conseguiram. Travou-se um curto mas violento combate e, quando Juan Herédia saiu da igreja, acompanhado por todos os sobreviventes, a plaza estava juncada de corpos de índios abandonados pelos seus irmãos de raça. Se os coyoteros tivessem aprendido a lição, não voltariam tão cedo àquelas paragens.
A paz descera novamente sobre a aldeia, uma paz ensombrada pela angústia e pela dor dos que choravam os seus mortos e as ruínas das suas casas. Felizmente, a do alcalde fora poupada, mais uma vez, e a copa altaneira da velha árvore continuava a espreitar sobre os muros.
Em contraste com o fumo e as cinzas que ainda pairavam sobre o pueblo, uma luz radiosa banhava as colinas vizinhas, em sinal da aliança — como dizia o frade dominicano, arengando aos camponeses — entre a fé dos homens e a esperança divina. E, de facto, tanto para os mexicanos como para Tex, esse amanhecer radioso, depois do sangrento combate travado com os coyoteros, era como que uma ressurreição!
Juan Herédia, com uma expressão de júbilo no rosto tisnado, aproximou-se do ranger e tocou-lhe num ombro.
— Gracias pelo seu auxílio, señor Willer. Sem si, não teríamos resistido tanto tempo. Foi um exemplo, um baluarte, para todos nós, com a sua força calma e segura. É mais do que um amigo, agora é um dos nossos. Mas lamento que já não possa cumprir a sua missão. Gonzaga morreu. Veja, foi ali que ele caiu… abatido por uma bala perdida.
Tex olhou na direcção apontada, reparando no vulto curvado de uma mulher que chorava, junto do corpo do bandido. Juan Herédia soltou uma exclamação de pesar:
— Pobrecita! Ficou sem marido e sem casa!
— Um fim inglório para um bandido da sua espécie. Foi ele quem matou aquele apache ao pé do altar, não é verdade, Don Herédia? Nunca vi ninguém servir-se de uma catana com tanta perícia.
— Si… Gonzaga bateu-se como um valiente, defendendo as preciosas relíquias que são o maior orgulho da nossa igreja. Mas parece que Deus quis fazer justiça por Suas mãos!
— Um ladrão regenerado… que não deixa roubar os tesouros da sua paróquia! Não fazia essa ideia de Ramón Gonzaga! — volveu Tex, num tom de velada ironia. — Sei que ele me reconheceu. Vi-o olhar para mim e sorrir, com um esgar estranho, como se me desafiasse. Talvez estivesse à espera de uma oportunidade para me atacar, durante o combate.
— Está enganado, señor Willer. Gonzaga não comparecia à missa, mas era baptizado como a maioria dos mexicanos. Nunca cometeria um pecado tão imperdoável numa igreja!
— Mas correu muito sangue aqui dentro. Também nós lutámos ferozmente, sem pensar onde estávamos. Bem sei que era matar ou morrer!… Sou amigo dos índios, como lhe disse, Don Herédia, mas os coyoteros não nos deram alternativa.
— São dilemas que transcendem a minha humilde compreensão, señor Willer, e que usted, habituado ao uso das armas, encara melhor do que eu.
— Mas disse-me que andou na guerrilla, Don Herédia.
— Era novo e idealista, señor Willer, e juro pela Virgem que nunca matei senão em legítima defesa. Quando a vida está em jogo, Deus concede-nos o direito de a defendermos contra os nossos inimigos. É por isso que esta igreja simboliza o último refúgio, a última esperança daqueles que se vêem encurralados, à mercê de selvagens impiedosos. O que torna este chão, para nós, ainda mais sagrado!
Em palavras simples, repassadas de fé, Juan Herédia dera um sentido mais transcendente ao dilema evocado pelo gringo.
Tex olhou em volta e suspirou, sentindo uma espécie de alívio. Voltava a sentir-se tranquilo e seguro de si, como se todos os pensamentos amargos, todas as dúvidas e incertezas com que se debatera, numa repentina reviravolta do seu espírito, se tivessem dissipado no final do combate, varridos pelos ventos da vitória, a vitória que sempre lhe sorria, bafejando-o como um velho e precioso amuleto índio.
Um ranger, um pistoleiro como ele, raramente tinha tempo de pensar antes de reagir ao perigo, porque esses momentos decisivos exigiam, além de nervos de aço, reflexos e impulsos rápidos como o relâmpago. Daquela vez, porém, tudo fora diferente. O tempo de espera e o próprio ambiente da igreja, onde se comprimia uma multidão angustiada, e sobretudo a presença de Lolita, cujo suave encanto lhe despertara um forte instinto de protecção, tinham contribuído para essa vaga de pensamentos insólitos, numa espécie de crua introspecção do passado.
“Talvez seja um sinal de maturidade!”, pensou o ranger, franzindo os lábios num sorriso divertido.
Mas poderia contar a Carson, a Jack Tigre e ao seu filho que aquela jornada solitária até um pequeno pueblo mexicano, em busca de um criminoso, coincidira com um momento de profunda meditação, em que bruscamente sentira despertar a consciência dos seus próprios actos? Como lhes explicar que até os homens mais duros e invencíveis, de sólida e legendária têmpera, podiam, por vezes, abrir brechas e questionar-se a si próprios? Bem, talvez, no fundo, eles compreendessem. Afinal de contas, também gostavam de cavalos. E Tex sorriu de novo, quando esta ideia lhe cruzou a mente.
Era fácil imaginar a reacção de Kit Carson, no seu jeito truculento, a que ele respondia na mesma moeda:
— Tição do inferno! Agora que começa a ficar velho, quer meter a mão na consciência, não é? Quem o mandou pôr os pés numa igreja?
Quanto a Jack Tigre e ao jovem Kit, de feitio menos exuberante, dir-lhe-iam simplesmente, como Juan Herédia, que ele fora o elemento decisivo num combate desigual e que todos os sitiados lhe deviam a liberdade e a vida. E sublinhariam também a importância da sua tripla missão de ranger, agente índio e chefe dos Navajos, recordando-lhe que ele era um paladino da justiça, um defensor da lei — mas daquela lei que não se restringe aos seus próprios mandamentos, que os completa e os transcende —, e que sempre se dedicara a causas nobres.
Tex conhecia tão bem os seus pards que podia “ouvir” os seus comentários como se estivesse junto deles, num planalto do deserto navajo abrigado dos ventos, sob o manto do céu recamado de estrelas, à luz de uma fogueira cujo estralejar quebrava o silêncio da noite.
— É verdade, pai, que estás mais “maduro”, como diz o tio Kit — remataria “Falcão Pequeno”, com um sorriso malicioso. — Mas ainda é cedo para pensares na reforma.
E Jack Tigre, esquecendo a fleuma tradicional da sua raça, saudaria estas palavras com um riso aberto, que os ecos repetiriam de quebrada em quebrada, como se o deserto quisesse fazer ouvir, também, a sua voz. Sim, eles tinham razão. Não precisava de se arrepender do seu passado, pois fizera tudo o que devia fazer, em todas as circunstâncias, guiado apenas pelo sentimento do dever e da justiça, mesmo quando tivera de enfrentar forças obscuras, encarnação de toda a perfídia do mal. E isso era o mais importante!
A insistência de um olhar feminino arrancou-o aos seus pensamentos. Lolita não despregava os olhos dele. Tex sentia-se lisonjeado por esse interesse, preso ainda à suave atracção que os unira num breve e apaixonado beijo… que continha, naquele dramático momento, toda a esperança do mundo.
E o ranger compreendeu que, afinal, se enganara numa porção de coisas. Agora conhecia melhor os mexicanos. Tinha lutado ao lado deles, num dos piores assédios por que já passara, partilhando as mesmas emoções, a mesma insegurança e o mesmo perigo. Como afirmara o alcalde, já não era um gringo. Dali em diante, todos lhe apertariam a mão, como a um parente ou a um vizinho, um peón como eles. E Tex sentia um profundo orgulho nisso.
— Foi melhor assim para Gonzaga e talvez também para todos — disse o ranger, com voz grave. — Mas essa pobre mulher tem filhos e é preciso ajudá-la. Há um prémio oficial pela captura dele, no Texas, e outro ainda maior oferecido pela família do ranchero assaltado. São alguns milhares de dólares, Don Herédia. Farei o que puder para que esse dinheiro lhe seja entregue, porque sei que nas suas mãos servirá para mitigar a desgraça de alguns inocentes que perderam tudo. San Felipe renascerá das cinzas. É como se Gonzaga fizesse uma boa acção depois de morrer!
— Amigo, usted es un auténtico caballero! Será sempre recebido em San Felipe como um herói! — exclamou Juan Herédia, comovido, abraçando o ranger. Um após outro, os camponeses imitaram-no, com efusivas exclamações de alegria. Até as crianças olhavam Tex com respeito, como se ele tivesse a estatura de um gigante. Sim, graças a um gringo de espírito generoso e destemido, as suas casas seriam, em breve, reconstruídas. Todos confiavam na sua promessa e, por isso, todos queriam abraçá-lo.
— Não mereço tanto, Don Herédia! — observou Tex Willer, com um sorriso ameno no rosto enérgico. — Vim encontrar aqui, na sua casa, junto dos seus, uma hospitalidade com que não contava. Foi um privilégio conhecê-lo, a si e à sua família, e levo recordações que não esquecerei tão depressa desta visita ao México, apesar do encontro indesejável com os coyoteros… e do trabalho que dei a uma gentil “enfermeira”!
Lolita continuava a fitá-lo, sorrindo. E no brilho doce dos seus olhos escuros, estranhamente luminosos na vaga claridade da igreja, o ranger encontrou a melhor razão para não esquecer o México… e para regressar, mais uma vez, em breve.
Mas ainda não soara a hora da despedida. A jovem não o deixaria partir sem que o seu braço estivesse completamente curado e Tex, apesar de já sentir saudades dos seus pards e do seu amado deserto, o Monument Valley, não se importava de ficar mais algum tempo em San Felipe. Enviar-lhes-ia uma mensagem de Piedras Negras ou de outra localidade com telégrafo, para os tranquilizar; e como também gostava de conversar com Juan Herédia, a estada seria duplamente agradável.
FIM
* Reitera-se que o conto é uma iniciativa pessoal de dois grandes nomes da BD portuguesa, com o patrocínio do blogue português do Tex, que tem a única intenção de prestar homenagem ao 60º aniversário do maior e mais longevo caubói dos quadradinhos, e que não tem a pretensão de ser publicado na série regular do herói, mesmo porque a trama tem um estilo de narrativa e de desenhos diferente dos padrões. É uma homenagem feita com carinho e que é apenas isso: uma homenagem de dois grandes quadrinhistas e fãs do Ranger, tendo como base um grande respeito pela figura do Ranger e pelo mito texiano nas bases em que foi alicerçado pelos seus dois ilustres criadores, assumindo-se como um preito de homenagem à longa vida do maior herói do Oeste e nada mais.
Com um texto tão rico em detalhes discritivos, quase não sentimos falta dos quadrinhos (aqui muito bem apresentados pelo Augusto Trigo) e leva-nos a mergulhar diretamente na narrativa.
A passagem do tempo é sentida mais que visualizada pela força descritiva do Jorge, seja dos lugares seja dos elementos naturais e seus fenômenos.
Um texto duro, crú, como devem ser as aventuras vividas na fronteira mexicana. Jorge Magalhães toma-se algumas liberdades criativas, porém mantem intactos os conceitos criados há sessenta anos por GianLuigi e Galep e só faz acrescentar um tempero mais que especial ao “seu” TEX.
O ineditismo vem em forma de um TEX mais reflexivo, que por alguns momentos chega a duvidar de suas motivações e atitudes.
Jorge cria um elenco de apoio interessante onde se destaca a figura do Lider sábio e correto e que por vezes suscita ao nosso herói a lembrança de seu amigo Carson ou Montales.
Também aparece a bela figura de Lolita e aqui sim, Jorge Ousa tocar em um ponto Nevrálgico da lenda do famoso Ranger. TEX manteve-se fiel á memória de sua eterna musa Lilyth sempre, mas não resistiu aos encantos desta linda mexicana; A promessa de um possível retorno ao México fica clara .
Jorge conseguiu em poucas linhas desenvolver um argumento rico em ação, dramaticidade e com um final que muitos de nós gostariamos de ver em aventuras “oficiais” do Ranger. Afinal de contas, TODOS GOSTAMOS DE CAVALOS, NÃO?!!!!!!!!!
O autor enfim coloca diversos elementos filosóficos na sua narrativa que só a enriquecem.
Gostei muito especialmente da passagem onde o Velho Juan Heridia preocupa-se com sua arvore.
Parabéns ao grande Jorge Magalhães por seu belo texto.
Um forte abraço,.
Jesus Nabor Ferreira
Por mil escalpos! Quase fiquei sem fôlego para ler o texto de uma vez. Mas consegui e ainda sobrou força para comentar.
Primeiro louvar os bravos pards Magalhães e Trigo por esta bela e importante iniciativa, num país onde o Tex não é publicado, mas conta com a bravura de alguns guerreiros que não o largam por nada. Essa homenagem ao Tex, para mim, compara-se aos feitos daqueles personagens mitológicos, que ficam para a história.
Não é o fato de serem calejados no escrever e na tinta, não é o fato de gostarem do Ranger. O fato é que fizeram algo grande, e repito, belo e importante. Ora, muitos poderiam fazer algo bem mais simples e não fazem nada, cruzam os braços. Para mim, a quem faz, a quem toma iniciativa, toda a glória!
O Jorge tem a veia camoniana e descreve com tanta propriedade, tantos adjetivos, que vamos sentindo a água molhar nossos pés na travessia do Rio Grande, ou mais, dá para imaginar o que o cavalo sentia com a água a tocar-lhe a barriga. É possível sentir o ar quente da paisagem mexicana e os aromas dos temperos na feira de San Felipe.
O conto é uma viagem ao mundo de Tex Willer quando o assunto é aventura mexicana, apontando a cada linha um fato, uma característica, um pormenor, uma minudência, até alguns segredos e por fim conjecturas proibidas, com a desenvoltura de um cavalo bravio singrando o cimo de uma colina. Somente uma mente muito fértil para contar dessa forma uma aventura texiana e já estou imaginando como ele contaria o Pacto de Sangue ou A Grande Intriga (quando Tex vai preso em Vicksburg).
Também se sai bem na construção da aventura propriamente dita, que é a ação se desenvolvendo em ritmo acelerado, pronta para ser colocada nos quadrinhos junto aos desenhos. Foi feliz na criação do coadjuvante Herédia, que permitiu um diálogo bastante contundente, permitindo que diversas informações chegassem ao leitor pela boca de quem conhece a situação; e ousado ao introduzir uma mulher capaz de arrebatar o duro coração do nosso herói, ainda que a situação difícil pela qual passavam, realmente levasse a um sentimento de recompensa pelo mal que poderia ocorrer a qualquer momento – a morte deles, e o próprio Tex promete protege-la de qualquer maneira.
É preciso ter muito cuidado quando se mexe no personagem de outro, ainda mais quando se mexe com um fenômeno de vendas, com o maior mito dos quadrinhos de faroeste, com o longevo Tex Willer, mas o nosso escritor conseguiu ir muito bem, sem temor, ao contrário, arriscando e correndo o perigo de ser mal interpretado ou compreendido, mas por ser um trabalho de fã, uma homenagem, são permitidos alguns excessos.
Pudemos perceber, ainda, que o principal vilão foi quase figurativo, quase despercebido e aí não entendi bem porque não lhe deu maior ênfase, senão ao final. Isso me incomodou um pouco porque gosto de antagonistas fortes, carismáticos, inteligentes, capazes de dar muito trabalho ao Tex, porém, onde o herói possa vencer por suas próprias forças. Acredito que o Tex tem que vencer o bandido principal sozinho, seja como for, ele que tem que fazer justiça. A introdução dos índios na aventura foi crescendo e tomando proporções assustadoras, culminando num ponto que o herói já não daria conta sozinho, tornando-se necessária a chegada dos rurales para derrotá-los. Isso tem sido uma constante no Tex oficial e desagrada uma corrente de leitores.
Entretanto, é uma opção do escritor. Conta o fato que ele fez e provavelmente não mexeu. Numa aventura de linha, vem a mão do curador, do editor, para ficar no modelo padrão. Portanto, sucesso total na homenagem!
Os desenhos do Trigo nos dão a exata medida da sua perícia, apresentam uma analogia com aqueles do saudoso Aldo Capitanio, pelo excelente detalhamento e sigo imaginando como seria uma aventura do Ranger desenhada de início a fim e quanto tempo demandaria para tal, cuidando de dar cada detalhamento às descrições do Magalhães. O seu Tex precisaria ser mais forte para se adequar ao gosto dos milhares de fãs, mas certamente, depois de uma dezena de desenhos, ele chegaria ao desejado.
À dupla, os meus mais efusivos parabéns e o meu desejo de vê-los mais uma vez em ação nessa brincadeira gostosa que é homenagear aqueles que realmente merecem assim que surgir uma oportunidade. Certamente toda a SBE e também o Tex estão eternamente agradecidos, mas não só, nós, os maníacos texianos, exultamos ao ver o nosso amigo de papel ser tão bem tratado, ainda mais com direito a um affair.
Forte abraço,
G. G. Carsan
Caro Jorge
Acho que não preciso dizer que ADOREI o seu conto. E nem é preciso esclarecer o motivo, já que aquele beijo de Tex eu até senti!!! Hahaha… e ai do autor se ele não existisse !!!
Como também escritora queria aproveitar (e tomar a liberdade) para tecer alguns comentários. A descrição das paisagens e a característica intrínseca do personagem estão perfeitas. A descrição da cena na igreja quando Tex entra é fácil de se visualizar, tão intensa a narrativa se faz. Diálogos ótimos, instrutivos, às vezes um pouco longos em se considerando o momento em que ocorreram, mas isso não importa muito. Em contos deve-se aproveitar o máximo dentro do mínimo.
A humanização de Tex foi para mim a melhor parte de todo esse conto. Deveria até ser considerado como um esboço para uma história quadrinizada do Ranger!!!
Alguns pequenos detalhes que não pude deixar de observar com meu olhar crítico de leitora assídua e escritora:
1 – Quando Tex chega à cidade os mexicanos o recebem com sorrisos e saudações, quando eu esperava exatamente o contrário, haja vista que mencionas a hostilidade entre os dois povos. Acentuando esse aspecto de hostilidade nesse momento, teria mais ênfase a aclamação e reconhecimento de Tex como “um gringo diferente” no final do conto;
2 – Herédia comenta qua a mulher do bandido estava grávida… hummm… há quanto tempo esse bandido fugiu? E voltou direto para casa? Não seria o caso de Tex já ter estado por lá atrás dele? Achei a gravidez um fato desnecessário e contestável;
3 – Tex comentou para Herédia: “… espero que tenha seguido nosso exemplo.” Senti um Tex arrogante que não seria necessário. Uma demonstração da arrogância norte-americana que é exatamente o que Tex como exemplo combate;
4 – Não consegui entender a conexão de Tex com a árvore centenária;
5 – Alguns pontos técnicos: como os apaches chegaram ao telhado? Como Tex teve tempo para se deixar “cuidar” no meio da batalha? Talvez seria interessante deixar essa aproximação ter acontecido no final da batalha;
6 – A filha do alcalde poderia ser um pouquinho mais velha, considerando-se a grande diferença de idade entre ela e Tex. Acredito que por mais que o alcalde admirasse o ranger, não veria com bons olhos uma união desse tipo.
Bem, espero que não se aborreça pelos meus comentários que só têm a função de uma crítica positiva. Não posso deixar de encerrar este meu blá-blá-blá com uma palvra: ADOREI!!! E queria ver meu Tex mais e mais em situações humanas como essa!!!!!
Fernanda
Caros Amigos e “pards” texianos,
Em primeiro lugar, muito obrigado por comentários tão saborosos, que se vê que foram escritos com sinceridade e entusiasmo. Ainda bem que reconheceram o meu esforço para tornar Tex mais humano, sem com isso pretender, nem ao de leve, beliscar a sua grandeza de mito, de ícone legendário. Claro que arrisquei, seguindo por caminhos proibidos (até agora), ao criar uma ruptura entre Tex e o seu passado, quando ele, pela primeira vez, se apaixona por outra mulher, embora num cenário dramático, onde ambos correm perigo de morte. Não sei se os fãs mais intransigentes e os guardiães da pureza do mito, como Sergio Bonelli, irão aceitar isso de ânimo leve. Mas fi-lo com o propósito de homenagear o “ranger”, não de o desconstruir… mostrando que sob aquela carapaça de defensor da lei, duro, calmo e impassível, também existe um coração capaz de albergar sentimentos românticos, embora a memória de Lilyth continue viva no seu espírito.
Carsan entendeu isso muito bem, frisando que é preciso muito cuidado quando se lida com um personagem alheio, ainda mais com um fenómeno de popularidade como Tex Willer, e a Fernanda corrobora-o ao dizer que a caracterização intrínseca deste Tex está perfeita. Mas ambos fazem algumas críticas de pormenor, que também agradeço, pois demonstram uma atenção e um interesse pelos detalhes que são sempre lisonjeiros para quem se mete nestas andanças, e às quais gostaria de responder.
Como é óbvio, Gonzaga, o bandido mexicano, é neste conto uma personagem secundária, o pretexto para levar Tex até ao “pueblo” mexicano onde irá conhecer Juan Herédia e a sua encantadora filha. Como se trata de um conto, não pude dar mais desenvolvimento à figura do vilão, pois o verdadeiro inimigo de Tex nesta história são os índios; mas Gonzaga não deixa de aparecer em cena, causando até alguns arrepios ao “ranger”, pois a sua atitude pressupõe uma ameaça velada… ou seja, o leitor acaba por ter um contacto com o vilão, embora este nunca chegue a confrontar o seu perseguidor, pois morre durante o combate. Haveria certamente mais “pano para mangas”, como soe dizer-se, numa história de BD com 100 ou 200 páginas ou numa novela larga, permitindo explorar até ao máximo o tradicional duelo entre o mocinho e o bandido. E aí funcionaria bem a dualidade entrecho romântico e acção conflituosa, com a perseguição ao “fora-da-lei”, que voltaria certamente a fugir, arrastando Tex até outras paragens não menos perigosas.
Quanto aos pontos críticos focados pela Fernanda, vamos por partes:
1 – Quando Tex chega à aldeia, os mexicanos limitam-se a saudá-lo cortesmente, mas “sem grande curiosidade”, como eu escrevi, ou seja, sem demonstrarem especial euforia nem animosidade, porque para eles é apenas mais um forasteiro que chega a San Felipe. A tal hostilidade latente de que falo no início do conto é descrita, mais adiante, pelo próprio Juan Herédia quando põe Tex ao corrente das dificuldades que irá encontrar para levar a cabo a sua missão, pois, embora Gonzaga seja um bandido, desprezado pelo povo, este não hesitará em protegê-lo contra o “gringo” que veio à sua procura, precisamente porque existe essa barreira de ódio e de desconfiança entre as duas raças.
2 – Gonzaga, como Tex conta ao “alcalde”, evadiu-se do Texas meses antes e, acossado pela lei, atravessou a fronteira. Assim, teve tempo mais que suficiente para regressar a casa, juntar-se de novo à mulher e engravidá-la… ou não? O que é que Tex teve a ver com isso? (risos…)
3 – O comentário de Tex não me parece arrogante, mas sou suspeito. Por que não encará-lo, antes, como um conselho de alguém largamente habituado ao uso das armas, como o próprio “alcalde” observa?
4 – Quando o “alcalde”, ao começar o cerco, lamenta a destruição da aldeia e receia que o mesmo possa acontecer à sua casa, Tex compreende que, para ele, a sua árvore centenária é mais importante do que tudo o resto. “As paredes e os telhados podem refazer-se”, diz o mexicano; mas uma árvore destruída é uma perda irreparável.
5 – Trepar ao telhado durante o combate não era impossível, pois os defensores não podiam vigiar todos os recantos do terreno. Quanto ao ferimento de Tex, este surge já no fim do assédio. Entre o momento em que Lolita lhe trata do braço e em que o “ranger” a beija e a aparição dos “rurales”, não terão decorrido mais de dez minutos. Creio que a descrição dessa cena dá bem a noção do tempo…
6 – A prova de que Juan Herédia viu com bons olhos o beijo que Tex e a jovem trocaram, embora num cenário e numa circunstância muito especial, foi o largo sorriso que iluminou o seu rosto; e nem as comadres da aldeia se escandalizaram com isso, antes pelo contrário. Não esqueçamos que Tex não aparenta a idade que tem! (risos…)
E pronto, aqui ficam estas breves notas, à laia de contraditório, mas sem que isso signifique que não tenha apreciado devidamente, reitero-o mais uma vez, os vossos judiciosos comentários.
Um grande abraço,
Jorge Magalhães
Gostaria de voltar à baila sobre um dos temas que a gentil leitora Fernanda Martins abordou nos seus comentários, porque, nesse caso específico, não é só a aparência de Tex que conta. Há outros factores de peso, que também devem ser considerados.
Escreveu ela que “a filha do alcaide poderia ser um pouquinho mais velha, considerando-se a grande diferença de idades entre ela e Tex”. Ora, conheço famílias onde essa diferença não obstou a casamentos duradouros e felizes.
Por outro lado, no tempo em que decorrem as aventuras de Tex, havia ainda a tutela autoritária do pai de família, que fazia com que as filhas casadoiras fossem geralmente destinadas a homens mais velhos, com posição e com posses, os chamados bons partidos. Poucas eram as jovens dessa época que tinham livre escolha e casavam por amor.
Vistas as coisas por este prisma, qual seria o pai extremoso – especialmente um simples alcaide de uma obscura aldeia mexicana – que não gostaria de ver a sua filha casada com um homem como Tex, um “Texas Ranger” de mítica fama, ainda por cima forte, simpático e terno? E com essa união assegurar uma linhagem de que sentiria ainda mais orgulhoso?
O que não sabemos – pois isso só compete à imaginação de cada leitor (e leitora) – é o que se passou entre Tex e Lolita, durante a vilegiatura do nosso herói em San Felipe, e se da relação entre ambos teria nascido algo duradouro (risos…)
Jorge Magalhães
Jorge, se quiseres continuar essa história e tornar essa relação “duradoura” eu estarei entre as tuas leitoras prediletas!!!! Concordo com o que disseste acerca de casamentos pré-arranjados e muitas vezes sem amor nesses tempos antigos (? -isso ainda existe e bastante em alguns lugares deste mundo!!) mas não acredito que o alcalde visse esse casamento com bons olhos, considerando-se que Tex, embora valente, forte, honesto, bonitão (etc.etc.etc.) é um nômade que enfrenta perigos a cada esquina. Não sei que pai gostaria de ver sua filha casada com um homem desses que, além de tudo, ainda convive numa aldeia indígena… esse foi também o embasamento para meu comentário.
Fernanda
Caro Magalhães, realmente o Gonzaga é um personagem secundário e percebi isso.
Em verdade, ao enviar a mensagem ocorreu um erro e enquanto tentava enviar novamente, ative-me ao fato e fiz uma retificação no texto. Retirava a cobrança do bandido mexicano e colocava-a em relação aos Coyoteros, de quem, na minha opinião, faltou um ponto de vista mais qualificado. Aí, quando consegui enviar, seguiu o texto sem a alteração, pois não gravei. Aí deixei correr, certo que haveria uma réplica da sua parte.
Mas veja bem, é apenas uma questão de opinião, cada escritor tem sua idéia e vai desenvolvendo da melhor forma que considera, levando em conta o seu objetivo, conhecimento, experiência, querendo estigmatizar, por vezes dando um chute no pau da barraca, cada um faz da sua forma.
Reitero os parabéns e sempre que escrever, coloque uma ‘chica’ mexicana para nos alegrar.
Abraço,
G.G.Carsan
Não quero alongar demasiado este debate, embora seja deveras gostoso dialogar com os “pards”, trocando ideias e expondo opiniões, mesmo com pontos de vista diferentes.
À gentil Fernanda, lembro que os heróis de banda desenhada são nómadas por natureza, reféns de um destino errante que é o próprio “leit-motiv” das suas aventuras, e que isso não os impede de casar, como ilustram alguns exemplos célebres: Príncipe Valente, Fantasma, Buzz Sawyer, Tarzan, etc.
Haverá maior vagabundo dos quadrinhos do que Valente, que deixa a sua amada Aleta e os seus filhos sozinhos durante longas temporadas para correr mundo em cruzadas heróicas? Ou monógamo mais convicto do que Tarzan, que, no entanto, raras vezes põe a vista em cima da sua Jane? O caso do Fantasma é ainda mais paradigmático: enquanto Diana Palmer trabalha em Nova Iorque, na sede da ONU, o “Duende que Caminha” permanece na sua selva profunda, junto do trono da caveira, rodeado pelos pigmeus Bandar. Mas as longas separações tornam os reencontros dos amantes ainda mais frementes.
Ora, Tex também é um personagem de ficção, que vive movimentadas e contínuas aventuras em todos os recantos do Oeste americano (e não só), o que é sinónimo da sua liberdade de acção, mas não o torna imune ao casamento (risos).
Como, aliás, acontece na vida real com os marinheiros, os caixeiros-viajantes, os militares em missões no estrangeiro, os exploradores, os médicos sem fronteiras, etc, etc. E a própria história do Oeste americano está recheada de figuras lendárias como Daniel Boone, Davy Crockett, George Washington, George Custer, cujos laços matrimoniais não os transformaram necessariamente em heróis de gabinete.
Quanto ao comentário do Carsan sobre a função dos “Coyoteros”, também estes, no conto, acabam por ser meros figurantes, pois o verdadeiro ponto nevrálgico é o encontro entre Tex e Lolita. Numa história com muito mais páginas, como as que tem, por norma, um guião de BD, os índios poderiam desempenhar um papel mais relevante, o que, aliás, acontece em inúmeras aventuras de Tex, mas não num conto relativamente curto, em que, fazendo minhas as palavras da Fernanda, é preciso aproveitar o máximo dentro do mínimo.
Abraços,
Jorge Magalhães
Jorge Magalhães e Augusto Trigo, dois nomes incontornáveis da BD portuguesa, oferecem-nos aqui um trabalho magnífico, pleno de pujança e que me fez recordar a minha adolescência, quando, nas férias grandes, naquelas velhas tardes quentes de Verão, depois do almoço, me encostava no sofá da sala, com uma caixa de livros de “cow-boys” ao lado e, de seguida, lia três ou quatro dessas aventuras, cheias de letras miudinhas e apenas com seis desenhos (era assim mesmo que se anunciava na capa: “ilustrado com seis desenhos”), alguns desenhados por grandes autores da nossa praça como Jobat ou Baptista Mendes.
Magalhães tem aqui oportunidade para espraiar o seu talento como “inventor de histórias”, de um modo diferente do habitual, pelo menos para mim, que só conhecia a sua faceta de argumentista de banda desenhada. Uma coisa é escrever um argumento de BD (e Jorge Magalhães tem escrito muitos e bons, como sabemos, para desenhadores tão diferentes como Baptista Mendes, José Abrantes, Catherine Labey, João Amaral ou o próprio Augusto Trigo, com quem, aliás, tem feito uma excelente dupla) mas outra bem diferente é escrever um conto (onde, ao contrário da BD, é a palavra que domina).
Magalhães consegue criar uma atmosfera rica, cheia de deliciosas descrições, que nos fazem sentir todas as vivências que os personagens estão protagonizando! O pormenor da velha árvore é só um exemplo! Logo no início do conto podemos ver perfeitamente toda a paisagem que rodeia Tex. Quase que podemos sentir o calor implacável que atormenta o “Ranger”. Eu atrever-me-ia a dizer que sentimos sede, ao ler aquelas linhas… Talvez tenha sido isso o que faltou relatar: Tex estendendo o seu chapéu de abas largas na água do rio e bebendo sofregamente um pouco, antes de despejar o resto sobre a cabeça, para acalmar aquele calor tórrido do meio-dia. Ou talvez não: provavelmente Magalhães preferiu deixar a cena criar-nos “sede” (leia-se “curiosidade”)… uma “sede” que, com o decorrer da história, vai aumentando e que só será saciada quando lermos a última palavra da última linha da história.
Quanto a Augusto Trigo, bem o seu percurso diz tudo: ele é um dos nossos maiores desenhadores realistas de todos os tempos!
Tex é aqui tratado de maneira exemplar! Augusto Trigo, fiel ao seu estilo, não poupa nos pormenores!
Veja-se a excelente ilustração que criou para a entrada de Tex na aldeia mexicana! No canto inferior esquerdo, um miúdo com uma maçaroca de milho que, provavelmente, ou comprou ou tentará vender no mercado; veja-se o pormenor dos arreios e da sela do cavalo de Tex; veja-se, á direita, por cima do cão, um pormenor delicioso: uma pedra no chão que tem uma argola onde os cavaleiros atam as rédeas dos animais para que não fujam; ao fundo da ilustração, creio que aparecem os muros da casa de Juan Herédia e a velha árvore. Que magnífica ilustração!
Duas notas finais para terminar um comentário que já vai longo.
Primeiro, o que menos me agradou no argumento – Tive pena que o vilão Gonzaga não tivesse um papel (ainda) mais relevante no desenrolar do conto. Certamente que, com mais “espaço de manobra”, Magalhães poderia ter desenvolvido mais esta personagem. A maneira como o vilão é eliminado, mais ou menos acidentalmente, não sendo propriamente original, é, contudo, apropriada a um desenlace rápido e permite que a imagem de Tex saia beneficiada.
O que mais me agradou no argumento – Duas coisas: a riqueza de pormenores (históricos, geográficos e outros) de que Magalhães se serve, provando que é um especialista no género “western” com uma “bagagem” fora do comum; a “relação” meio platónica, meio física, entre Tex e Lolita (excelente o jogo de palavras entre “Lilyth” e “Lolita”).
Abraços a Jorge Magalhães e Augusto Trigo e parabéns pelo vosso trabalho.
Carlos Rico