Por Júlio Schneider*
Revistas aos quadradinhos são um ótimo entretenimento, fazem o leitor viajar com a mente e desfrutar bons momentos de distração e afastamento das atribulações do mundo real. Para muitos leitores de Tex, o entretenimento vai além do enredo em si, ou dos belos desenhos, e também está na atenção aos detalhes, às curiosidades. Os texianos do Clube Tex Portugal estão nessa categoria, por serem leitores tradicionais, que da personagem conhecem inúmeras das histórias criadas nesses quase setenta anos de vida editorial e que, quando se encontram pessoalmente, fazem de Tex e das curiosidades do seu mundo o objeto das suas cavaqueiras. Por isso, ao elaborar a matéria para esta edição da prestigiosa Revista do Clube, pensámos em reunir alguns factos interessantes suscitados por leitores e que foram objeto de matérias em edições brasileiras da personagem, aqui com ligeiras adaptações, e que podemos intitular…
TELEFONE, DÓLAR E CERVEJA NO MUNDO DE TEX
“Se as aventuras de Tex acontecem por volta de 1880 e o telefone foi inventado em 1860, porque é que nas histórias do Ranger não aparece um telefone?“. Na verdade, um telefone já apareceu numa aventura de Tex, e essa cena pode ser vista em O resgate de Montales (no Brasil, Tex Colorido n° 4/5, Editora Mythos), mas isso foi uma licença poética de Gianluigi Bonelli, o criador da personagem. Vamos aos factos reais: em 1856 o italiano Antonio Meucci construiu uma espécie de telefone eletromagnético, que chamou de telettrofono, para conectar o escritório ao quarto, localizado no segundo andar da casa, e facilitar a comunicação com a esposa, que sofria de reumatismo. Devido a dificuldades financeiras, Meucci conseguiu pagar apenas a patente provisória da invenção e depois, para custear um tratamento de saúde, teve que vender o protótipo por poucos dólares. Em 1876 o escocês Alexander Graham Bell patenteou a invenção do telégrafo falante como sua. Meucci iniciou um processo, mas faleceu durante o julgamento e o caso foi encerrado. Com isso, durante muitos anos Graham Bell foi considerado o inventor do telefone, mas o trabalho de Meucci foi reconhecido postumamente: em 11 de junho de 2002 o Congresso Americano aprovou uma resolução estabelecendo que o inventor do telefone foi, na realidade, Antonio Meucci e não Alexander Graham Bell. Então, embora tenha sido inventado em 1856, a popularização do telefone começou dar-se no último quarto do Século XIX, e ainda assim apenas nas casas de gente fina dos grandes centros urbanos, longe do Velho Oeste. A história de vida de Meucci, fabricante de velas e amigo de Giuseppe Garibaldi, ambos heróis festejados na Itália, é bastante interessante, e muito sobre ele é facilmente localizável na internet, basta para isso digitar o seu nome em qualquer sítio de buscas.
E o dinheiro no Velho Oeste? “Quanto valeria hoje um dólar daquela época em Euros? Um chinês de uma aventura de Tex diz que ganha dois dólares por dia, e um xerife diz que o seu salário é de 35 dólares por mês“. No Século XIX, quando não se falava em inflação e correção monetária, algumas moedas internacionais tiveram o seu valor fixado em proporção ao ouro. Assim, o valor do dólar foi definido como 1/20 de uma onça de ouro, a libra esterlina como 1/4 de onça de ouro e o franco francês como 1/100 de onça de ouro. Em consequência, na hora do câmbio, uma libra valia 5 dólares e um franco vinte centavos de dólar. Eram câmbios fixos, as moedas valiam sempre o mesmo no momento da troca. Esse chamado padrão-ouro foi adotado nos Estados Unidos até ao início da década de 1930 e, depois disso, cada país definiu os rumos da sua moeda de forma independente, o que torna algo difícil trazer para a moeda de hoje os preços do Velho Oeste. Além disso, há que levar em conta que, se nas histórias de Tex os preços de um bife com batatas fritas ou de um cavalo hoje soariam como barato ou caro, de acordo com o ponto de vista, os salários e o próprio custo de vida eram diferentes. De todo modo, podemos fazer um rápido – e curioso – exercício sobre o salário do xerife da época de Tex. Uma onça equivale, em termos redondos, a 30g (na verdade, para objetos em geral considera-se 28,35g e, para metais preciosos e gemas, 31,1g). Então, um dólar do Século XIX valia 1,5g de ouro. Em valores atuais, com o grama de ouro cotado a €37,29, um dólar do Velho Oeste valeria cerca de €55,94. Se o xerife ganhava 35 dólares por mês, daria um belo salário de pouco mais de €1.950,00.
No entanto, não podemos esquecer que, normalmente, os valores da mão de obra diária ou de recompensa por um bandido são um tanto quanto chutados pelos roteiristas e variam de história para história. G. L. Bonelli não costumava seguir nenhuma tabela e por vezes fazia o seu herói muito perdulário e generoso, a esbanjar altas somas no saloon ou no momento de pagar o miúdo que cuidava do seu cavalo. Em séries como Bonanza, O Homem de Virgínia, Gunsmoke, etc., o salário do cowboy era um dólar por dia mais comida. Os cartazes de recompensa ofereciam prémios de 200, 300 ou 500 dólares, e a oferta de 1.000 dólares valia somente para um Butch Cassidy ou um Jesse James (o mesmo alto prémio foi oferecido pelo fora da lei Tex Willer, na aventura da primeira aparição de Mefisto). Nas histórias de Tex o pernoite do cavalo com escova, alfafa e aveia sai por um dólar, enquanto que um prato de feijão custa dez centavos. Na série de TV dos anos 1970 The Waltons, ambientada na década de 1930, tudo ainda era muito barato: com um centavo comprava-se um doce, com pouco mais de um dólar enchia-se uma bela sacola de compras. Em suma, no período que abrange o Velho Oeste e as primeiras décadas do Século XX pagava-se menos e comprava-se mais.
Por fim, como se estivéssemos num saloon, nada melhor que uma cerveja: “Como os rangers conseguiam uma cerveja gelada naquele tempo? Já existia o frigorífico?“. A máquina refrigeradora surgiu em 1856, numa fábrica australiana de cerveja, e nos primórdios a sua utilização era restrita à indústria e a vagões de transporte de carne, não existia em bares e saloons. Como o primeiro aparelho de refrigeração para uso doméstico só surgiu no Século XX (em 1913), nos Estados Unidos, para limpar a poeira da garganta e matar a sede os cowboys sorviam uma boa cerveja fresca.
Para leitores como os brasileiros, acostumados a uma cerveja bem geladinha, ver Tex pedir uma cerveja fresca parece até heresia, mas o facto é que, no Velho Oeste, essa bebida era diferente daquela atualmente difundida nas Américas, nas regiões mais quentes dos Estados Unidos, México e América Latina, em que se aprecia a cerveja do tipo Pilsen (deve ser bebida bem gelada, a temperaturas entre 5 e 8 graus). Na época de Tex a cerveja consumida era do tipo Ale (conserva o sabor até a 13 ou 15 graus), cuja versão escura é chamada de Brown Ale e a clara de Pale Ale (como Pale Face, ou seja, cara-pálida). Tomar a cerveja no estilo do Velho Oeste (fresca de porão) ainda hoje é comum em países frios da Europa, onde é consumida à temperatura ambiente, facto que se repete em certas cidades do sul do Brasil, no inverno, quando a garrafa sai do depósito diretamente para a mesa, sem passar pelo frigorífico – conhecido no Brasil por geladeira ou refrigerador, e por geleira em Moçambique e Angola.
* Texto de Júlio Schneider publicado originalmente na Revista nº 7 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2017.
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)
Em alusão ao telefone na época do Tex, faço um parâmetro com a minha adolescência nos anos 70, de origem humilde pra mim, família e vizinhos e quase toda cidade ninguém conhecia o telefone, pouquíssimas pessoas de classe alta tinham telefone.
Ter um telefone na época equivalia ter um carro de luxo.
Existia mas, a maioria das pessoas não via.
Pards José Carlos e Júlio Schneider, sobre a época das aventuras de Tex, se nota uma certa licença no tocante as mesmas, pois muitas só são possíveis até 1870 e pouco depois, quando o oeste ainda tinha muitas tribos livres e a natureza era preservada. Personagens históricos como o chefe apache Cochise que faleceu em 1874 e o General Lee que faleceu em 1870 ainda estão vivos nas histórias de Tex.
Um personagem histórico que o Boselli poderia usar, é o coronel texano Santos Benavides político influente no Texas e que faleceu em 1891, que era descente de espanhóis e portugueses os quais fundaram a cidade de Laredo.
O coronel Santos Benavides enfrentou Juan Cortina; o Coronel Santos Benavides participou com o seu regimento da última batalha da guerra civil, que foi vencida pelos confederados, a Batalha do Rancho Palmito.