Por Sandro Palmas*
O nome do jovem Stefano Biglia, nascido em 1969, atualmente um dos desenhadores de proa de Tex, era conhecido dos leitores sobretudo pela sua colaboração na série de western Magico Vento. Nem todos se recordarão, no entanto, que foi efetivamente nas páginas de Águia da Noite que o autor genovês se estreou no longínquo mês de janeiro de 1994.
Estamos no início dos anos noventa e desde há algum tempo que na via Buonarroti em Milão se fala de um Texone a ser desenhado pelo grande Renzo Calegari. Claudio Nizzi, que recentemente tinha ultrapassado uma crise criativa que durante meses o impediu de se concentrar numa só página, concorda com o editor Sergio Bonelli, que para o artista ligure seria mais adaptado uma história de 94 páginas para uma nova publicação ainda em preparação, no que viria a ser o primeiro número do Almanacco del West “La ballata di Zeke Colter”. Em dezembro de 1992, o argumentista de Modena escreveu, de uma só penada, a curta história ambientada na época dos caçadores de castores. Stefano Biglia e Luigi Coppello, que desde 1990 trabalhavam no estúdio de Calegari e para quem já tinham feito a passagem a lápis de centenas e centenas de pranchas para o Giornalino, variando entre géneros como o western, a aventura e a história, encontravam-se naturalmente bem preparados[1]: “Recordo-me muito bem desse episódio, porque estava a almoçar com Sergio Bonelli, Decio Canzio, Claudio Nizzi, o próprio Calegari e Luigi Coppello. Estávamos em Milão para propor um projeto que Renzo tinha em mente, mas Sergio já tinha em mira a ideia do Almanacco”. A história, cujo título provisório era, para todos os efeitos, “Il cacciatore di castori”, tinha como protagonista o velho trapper Zeke Colter, e revivia os bons tempos quando Tex o ajuda a resolver os problemas que o afligiam. O ambiente é de um género onde Calegari estava à vontade, porque a história desenvolve-se, efetivamente, toda na neve. No estúdio trabalha-se em sinergia e para o estudo da personagem decide-se tomar como modelo o ator de Hollywood John Garfield, uma vez que o seu queixo quadrado recorda um pouco o de Tex. Calegari realiza um rápido esboço do layout das pranchas, depois Biglia e Coppello dividem entre si a passagem a lápis, o primeiro nas páginas ímpares e o segundo nas pares, pranchas dispersas que Calegari junta e por fim passa a tinta. No estúdio é dada muita importância à fase de documentação e, graças ao mestre de Bolzaneto, os dois jovens autores aplicam-se em assimilar pintores e cartoonistas como Frederic Remington, Charles Russell, Noel Sickles e Alex Toth. Para o Almanacco revêem ainda os clássicos do cinema fordiano[2]: “Recordo tardes inteiras passadas a visionar os filmes de John Ford. (…) Para mim e Luigi nem sempre era fácil estar horas a ver e rever aqueles western, um após outro, mas efetivamente entre as muitas coisas que retive daquela altura foi apreender a observar. Aquelas visualizações ainda hoje são muito úteis para mim, porque no cinema de Ford há uma sofisticação da imagem que parece ser feita propositadamente para ser desenhada. A utilização de cenas, de personagens um pouco caricaturais, as paisagens gigantescas que se exaltam com a luz e com as cores… se tu és um desenhador são uma benção, sugerem-te realmente muito”. A última parte da história é, no entanto, realizada inteiramente por Calegari, porque entretanto os seus discípulos entraram para a equipa de Nick Raider, para quem Biglia desenha nos anos seguintes histórias de Nizzi, D’Antonio, Manfredi e Ongaro.
A passagem pelo western maduro de Magico Vento (e em seguida uma outra série manfrediana Shangai Devil) é quase uma escolha obrigatória que permite a Biglia colaborar também com Renato Queirolo, na altura coordenador da série, um encontro que se revela para o autor genovês também fundamental do ponto de vista formativo. Entre o Almanacco del West e “L’ultimo della lista”, a curta história de 32 páginas escrita por Manfredi e por si desenhada para o Color Tex de 2013, passam cerca de vinte anos. Nada de somenos, se considerarmos que um dos principais objetivos de Stefano Biglia sempre foi o de entrar na equipa de desenhadores do ranger mais popular dos fumetti de western, que sempre acompanhou como leitor desde a infância, graças ao seu pai que comprava para ele ler em casa.
Falou a Manfredi da sua candidatura a Tex, enquanto este lhe propunha, ao invés, trabalhar na sua nova série Adam Wild. Numa entrevista[3], Biglia conta como, cheio de esperança, o seu telefonema no escritório milanês se transformou numa peça tragico-cómica, originado pela veia espirituosa que sempre caraterizou o exigentíssimo curador de Tex. Tendo já sido previamente informado por Manfredi do desejo do desenhador em tentar trabalhar com Águia da Noite, no início, de facto, Mauro Boselli fingiu astuciosamente não conhecer Biglia, nem tão pouco o seu trabalho, apesar da sua colaboração com a SBE desde há vinte anos. Cinco minutos depois, um segundo telefonema, desta vez de Boselli a Biglia, informava o angustiado desenhador que o curador e o diretor Marcheselli tinham decidido de comum acordo rejeitar os seus testes… depois, os risos de Boselli acabaram por trair a terrível brincadeira! De facto, o argumento de Manfredi já estava concluído e Biglia é logo convidado a dirigir-se no dia seguinte à via Buonarroti.
Desta vez, devendo dar a sua interpretação pessoal da personagem, o autor genovês estuda antes de tudo as pranchas de Giovanni Ticci e Claudio Villa, para então conferir a Tex os traços que, em pouco tempo, já se tornaram, por sua vez, um clássico para os leitores de Águia da Noite[4]: “Procurei inspirar-me neles partindo do seu trabalho, mas ao mesmo tempo tentando dar a minha visão da personagem, pensando naquilo que eu queria para a sua figura. Queria transmitir a sua segurança, a força, o sentido de proteção que inspira sempre com uma expressão serena, se possível, também nos momentos mais difíceis. Tentei concentrar-me no olhar, na postura, mais do que nas semelhanças com imagens anteriores da personagem. Talvez eu o tenha marcado ainda mais, porque o meu estilo é muito sintético”. Por sua vez, do ponto de vista dos ambientes, a história decorre novamente numa paisagem enevoada, no Nebraska. A abordagem revela-se obviamente diferente relativamente aos seus trabalhos a preto e branco. A ideia inicial era de ele próprio colorir a história a aguarela, mas o desenhador não teve em consideração o curto espaço de tempo que tinha à sua disposição, pelo que as cores acabaram por ser feitas pelo excelente Oscar Celestini. Para os leitores resta o lamento por aqueles detalhes, muitos, que Biglia acrescentaria mais tarde, apenas no momento da colorização. A breve história é realmente um espetáculo visual, ajudado pela soberba colorização, particularmente eficaz, de acordo com Biglia, sobretudo na parte com a neve e nos interiores do hotel.
A chamada para a série regular mensal não tardou a chegar. As 330 pranchas de “I rangers di Lost Valley”, escritas por Mauro Boselli, de facto, já aguardavam pelo regresso de Stefano Biglia das suas breves férias que lhe foram concedidas. Desta vez, trata-se mesmo de uma epopeia western, importante e desafiante, centrada na figura histórica do militar Ranald MacKenzie, conhecido por “Bad Hand”, uma história muito desejada por Sergio Bonelli, grande apaixonado das guerras índias, com os grandes e amplos espaços, nos quais giravam tantas personagens (quando lhe foi apresentada, Boselli fez questão de especificar que não se tratava de uma história banal, mas antes… hercúlea!) e tantos cavalos, que o desenhador deseja tanto desenhar, não o podendo ter feito nas duas histórias anteriores[5]: “Devo agradecer a Enrico Bertocci, alguém que toma café enquanto anda de cavalo. Foi uma boa escola. Com efeito, o cavalo é um animal bastante difícil de compor. É complicado transmitir o dinamismo de um animal que a maior parte das vezes transporta um cavaleiro. Torna-se duro coordenar, sincronizar os movimentos de ambos até que a cavalgada resulte real. Os detalhes são muito importantes e é preciso saber distinguir a montaria e o equipamento, como a sela ou o freio de um determinado período histórico, para que argumento se destina e para que circunstância”. O resultado final são pranchas que recordam os ensinamentos de Ford de filmes como “The Searchers”, de 1956, o western que Biglia mais aprecia, e que não se afastam muito das surpreendentes panorâmicas que um mestre do género, como Ticci, poderia ter ilustrado. Também a documentação fornecida por Boselli revelou-se muito importante, com Biglia a tentar manter-se o mais fiel possível às personagens históricas, particularmente numerosas, que surgem nesta aventura. A maior atenção é dada ao protagonista Ranald MacKenzie[6]. “Inspirei-me na fotografia, na personagem histórica, talvez demasiado, o que se revelou um pouco fraco. Mauro Boselli disse-me para alterar um pouco as conotações e torná-lo talvez intrigante, porque era uma personagem fundamental da saga. Foi um conselho perfeito; ora, sem a sua sugestão, provavelmente ficaria insatisfeito com o que teria feito”.
Numa outra entrevista[7], Biglia precisa de modo ainda mais detalhado o lento e longo trabalho que desenvolveu para se aproximar da interpretação ideal da personagem que todos nós pudemos admirar nos três álbuns: “Fi-lo um pouco desgastado, também porque as fotos eram de um MacKenzie cinquentão. Então, corrigi a personagem no decorrer do trabalho, tentei não me afastar muito do real, mas tornando a personagem todavia mais cativante. Inspirei-me em fotos de Errol Flynn onde tinha um queixo saliente e um bigode aprumado. Depois, havia a documentação sobre Buffalo soldiers, sobre rurales, sobre rangers, os scout seminoles que nunca tinha desenhado”.
Em suma, Stefano Biglia está a descobrir o mundo de Tex a pouco e pouco. Não o afirmamos por acaso, mas também porque a sua última história, ainda em desenvolvimento (provavelmente será publicada em Itália em 2019), é ambientada no início na paisagem familiar mexicana (em Chihuahua), para depois mudar rapidamente, nada menos do que para a exuberante selva da Guatemala. A aventura é escrita por um autor com quem Biglia nunca teve a oportunidade de colaborar, Pasquale Ruju. A antevisão de algumas pranchas, desde já o dizemos que são soberbas, nas quais a verdejante vegetação ocupa lugar preponderante, revelou a participação, sempre bem-vinda, de um dos heróis da série, ligado a Tex por uma profunda amizade. Estamos a falar de Montales, do qual Biglia, sempre na entrevista publicada no livro de Guarino, citado em notas de rodapé, revela a fonte da sua interpretação pessoal: “ao retratá-lo, mais uma vez procurei no mundo do cinema, ou seja, inspirei-me no ator Burt Lancaster tal como surge, manhoso, em “il Gattopardo”, realizado por Luchino Visconti em 1963“.
Das pradarias massacradas à selva caótica, Stefano Biglia confirma-se, assim, como um dos mais importantes e dotados intérpretes do nosso ranger!
[1] Entrevista de Luca Del Savio e Davide Pettani, 2013, www.sergiobonelli.it
[2] Roberto Guarino e Matteo Pollone, “Sentieri di carta nel west”, 2017 , Editore Allagalla
[3] Roberto Guarino e Matteo Pollone, “Sentieri di carta nel west”, 2017 , Editore Allagalla
[4] Entrevista de Francesco Borgoglio, 2016, www.badcomics.it
[5] Entrevista de Francesco Borgoglio, 2016, www.badcomics.it
[6] Idem
[7] Roberto Guarino e Matteo Pollone, “Sentieri di carta nel west”, 2017 , Editore Allagalla
* Texto de Sandro Palmas publicado originalmente na Revista nº 7 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2017.
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)
As aquarelas de Biglia são tão magníficas quanto as do mestre Ticci.
Com certeza pode incluir o Stefano Biglia entre os grandes artistas da Boneli, sua arte é muito bonita.