Por Carlos Gonçalves *
É um pouco difícil para mim saber, quando as aventuras de “Tex Willer” me despertaram verdadeiramente a atenção de leitor e também de colecionador. Tendo iniciado a minha coleção de Banda Desenhada a 5 de Janeiro de 1952 (dia em que o saiu o nº. 1 do “Cavaleiro Andante”), o meu encanto (para um jovem de 11 anos), eram as histórias italianas cheias de abnegação e heroísmo, fascínio que se iria manter por todas as edições paralelas deste semanário infantil durante anos, passando pelos Álbuns, Números Especiais, “Foguetão”, “Coleção Oásis”, “João Ratão”, “Alvo”, “Obras-Primas Ilustradas” e mais tarde o “Zorro”. É claro que não foram esquecidas outras edições de Banda Desenhada, nomeadamente aquelas que a Agência Portuguesa de Revistas foi editando ao longo dos anos. Estavam passadas três décadas.
A coleção foi-se avolumando, e no meio dela foram surgindo as edições da Vecchi (que na altura era a editora da histórias de “Tex”, que eram também vendidas em Portugal), que se dividiam por alguns temas, western, terror (“Spektro” e “Seus Almanaques” de Janeiro de 1977), (“Sobrenatural” de Abril de 1979) e (“Histórias do Além” de Agosto de 1979) e humor (“Mad” 1974), embora o tema forte fosse o de cow-boys, com personagens como “Ken Parker” (Novembro de 1978), “Skorpio” com “Cisco Kid”, “Flecha Ligeira”, ”Kendall” etc. (Dezembro de 1979), “Histórias de Oeste” (também de Dezembro de 1979), “Chet” (Maio de 1980), “Chacal” (Julho de 1980), etc.. Como colecionador compulsivo, também adquiri tudo o que saía brasileiro e era distribuído no nosso país.
A EDITORA VECCHI

Capa do nº 1 de Chet de Maio de 1980, uma série brasileira muito inspirada em Tex. Repare-se no logotipo e na numeração, em
tudo idêntico a Tex. Mesmo o nome da série (Chet) parece ser uma inversão de Tex.
A Vecchi foi fundada em 1913 e desde 1920 passou a editar romances para leitoras, ao mesmo tempo que se notabilizava por esse facto. Depois da Guerra, editava os célebres romances de fotonovelas, de assinalável sucesso e importados de Itália, na revista “Grande Hotel”. Outro grande êxito que se estenderia a Portugal, onde essas edições eram também distribuídas. A partir de 12 de Janeiro de 1950 surge “O Pequeno Xerife” em formato de tira, e em Setembro de 1950 aparece também o nº. 1 de “Xuxá” no mesmo formato. É nesta altura que para fazer concorrência a esta editora, a Rio Gráfica resolve também lançar a coleção “Júnior” em idêntico formato e onde aparecerão a partir do seu nº. 28, as “Aventuras de Texas Kid” (Tex Willer). A partir de Fevereiro de 1971 passará a publicar “Tex” e “Zagor” (Agosto de 1978). Chegou a editar igualmente os livros de texto de “Arsène Lupin” (1956) e outros de “Cow-boys” (1957) em grandes formatos, além de Cadernetas de Cromos. Nos inícios de 1981 a editora começou a atravessar uma séria crise, que se estenderia a princípios de 1983, altura em me decidi passar o Carnaval no Rio de Janeiro, pois de tanto ouvir falar deste acontecimento, achei ser o momento ideal de apreciar e viver aquele espetáculo tão famoso.

Capa do primeiro número da edição brasileira de Ken Parker, de Novembro de 1978. Devido ao seu sucesso, era Tex que apresentava esta nova coleção.
Mas necessitava também de adquirir as revistas que me faltavam na coleção de “Tex” e nas outras, pois entretanto comecei a aperceber-me da grande qualidade dos argumentos e da beleza dos desenhos de todas estas coleções, isto já para não falar nas próprias personagens, que na sua própria humanidade, acabariam por me conquistar. Resolvi pois ir ao Brasil. Assim, em Fevereiro de 1983 dirigi-me à editora Vecchi. Existia um pequeno cubículo à entrada de um vasto pátio, onde os trabalhadores da empresa se encontravam em greve, empunhando grandes cartazes, situação que desconhecia. Face ao inesperado, achei que era altura ideal de adquirir o material que me faltava, o que aconteceu, com exceção do último número (28) das “Histórias do Oeste”, que só vim a conseguir mais tarde e em mau estado. Soube depois que a editora fecharia as suas portas, abrindo falência, 70 anos depois da sua existência. Devo salientar aqui uma palavra de apreço, pela simpatia de todas as pessoas que viriam a atender-me nestas andanças das minhas viagens ao Brasil, para adquirir números em falta nas minhas coleções, não só na Vecchi, como na Ebal (onde fui atendido pelo próprio Adolfo Aizen, das três vezes que visitei a editora), da Abril (2 vezes) e da Record.

Capas da 1ª e 2ª edição do nº 1 de Tex da Editora Vecchi, respetivamente de Fevereiro de 1971 e Agosto de 1978).
AS AVENTURAS DE “TEX”
Quanto ao “Tex”, qual é o leitor que não se entusiasma com as cenas de pancada das suas aventuras, onde a nossa personagem exerce o seu domínio físico sobre qualquer dos bandidos, quando estão em causa a liberdade ou a vida, das pessoas que o nosso “herói” resolveria salvar. Neste contexto, “Tex” deixa de ser um “herói” para passar a ser quase um “super-herói”. Pratica a justiça a seu belo prazer e vence todos os criminosos, já foi várias vezes ferido, torturado e quase morto, mas tem sobrevivido a todos os ataques dos bandidos, sejam eles de índios ou de facínoras brancos. Consegue ser juiz e carrasco a maior parte das vezes (embora assiduamente seja um acidente, a levar à morte o culpado). Embora as suas ações nos pareçam demasiado cruéis, temos que admitir que num local selvagem onde a Lei quase não existia, nada mais natural que esta acabe por ser imposta à força e quando não é possível evitar (“Tex” deixa sempre que o seu opositor puxe da arma e dispare primeiro), a situação verifica-se… a morte do prevaricador.
É claro que ao contrário dos brasileiros, os portugueses não conheceram as aventuras de “Tex” em formato de tira (pois esses fascículos não foram cá vendidas, ao contrário de “Xuxá” e do “Pequeno Xerife”). Elas seriam lançados originalmente a partir de 25 de Fevereiro de 1951, através do nº. 28, da revista “Junior”. Nessa época o nome de “Tex” era o de “Texas Kid”. Os primeiros 27 números desta coleção publicaram outras personagens (histórias recolhidas da Coleção italiana “Albi Salgari” de 1949), que publicava adaptações de histórias do escritor Emilio Salgari, da autoria de vários desenhadores italianos, Franco Paludetti, Nunzio Catania, Francesco Gamba, Walter Acquenza, etc.. Na “Coleção Junior” 1/27, não foi respeitada a ordem dos episódios publicados originalmente e uma das capas foi censurada. A revista “Junior” era de periocidade semanal e viria a publicar as aventuras do nosso “Herói”, até ao nº. 263. A coleção teria terminado no nº. 277? Devido à dificuldade de encontrar exemplares desta coleção, uma das mais raras no Brasil, ainda se desconhece alguns elementos sobre ela.
O CRIADOR DE “TEX”
Gianluigi Bonelli foi o criador de “Tex” em 1948. Tratava-se de uma personagem criada por este argumentista, como outras, que iria criar mais tarde, “I Tre Bill”, “Yuma Kid”, “Rio Kid”, “Il Sergente York”, etc., e destinava-se a ter dois ou três anos de vida. No entanto, face ao seu sucesso, acabaria por sobreviver durante quase setenta anos e continua, provavelmente por mais outras décadas. Uma simbiose perfeita encontrada na criação deste autor, com o desenhador Aurelio Gelleppini, foi a fórmula ideal para o seu êxito. Mais tarde outros artistas souberam encontrar em conjunto, um modo de despertar nos leitores de “Tex”, uma contínua aceitação desta personagem até hoje. Bonelli era um excelente narrador de histórias e possuía uma vasta imaginação, como aliás o seria o seu próprio filho (Sergio Bonelli/Guido Nolitta) com as suas personagens. Alguns desses artistas pertenciam e pertencem, a uma vasta panóplia de argumentistas e desenhadores, ligados à Escola Italiana, que se tem mantido sempre atualizada e rica, pelo que souberam criar belíssimas páginas de aventuras.

Bernet, Ortiz, Monti, Gamba, Segura, Civitelli, Nizzi, Villa, Marcello, Ticci, Baitelli, Canzio, Corteggi e Sergio Bonelli
Lembramos alguns que incutiram na personagem a sua marca, tais como Nizzi, Blasco, Fusco, Ticci (um dos melhores períodos, após Galep), Marcello, Civitelli (um esplendor quase dificilmente alcançado, por outro desenhador até aqui), Boselli, Ortiz, Della Monica e outros mais, da nova vaga de autores, Pasquale Del Vecchio, Andrea Venturi, Maurizio Dotti, etc., todos eles muito bons na sua arte. Há quem considere que Bonelli pai teve o mérito de inventar o Western à italiana. Se calhar até foi, já que quando Sergio Leone realizou os seus filmes (“Por Um Punhado de Dólares” de 1964, “Por Uns Dólares a Mais” de 1965 e “O Bom, o Mau e o Feio” de 1966, a famosa trilogia de Clint Eastwood), já tinham passado quase 20 anos, sobre a criação das aventuras da nossa personagem. Provavelmente seria este realizador a copiar o estilo, pois tendo nascido em 1929, teria 19 anos quando as aventuras de “Tex” apareceram e é muito natural que as tenha lido. Além disso quem não se lembra, que a linguagem do Cinema e a da Banda Desenhada são quase iguais? Os enredos de Bonelli eram de uma grande frescura, antecipando sempre o desejo que “Tex” se tornasse chefe dos Navajos e amigo de todos os índios (estava-se numa época em que nos filmes norte americanos, John Wayne dizia que um bom índio era um índio morto). Os textos eram sempre renovados, sem serem demasiado complexos, mas atrativos, criando nos leitores o frenesim de chegar ao fim de cada história. Os cenários eram fruto da imaginação do próprio autor. A riqueza de cada história estava patente, no êxito que se seguiria e viria a ultrapassar a barreira das gerações, estratos sociais e mesmo ideologias políticas. Depois da Guerra muitos jovens italianos viriam a sofrer com a destruição de Itália, com a vandalização dos seus monumentos, com o roubo de relíquias, com o pagamento de danos à Rússia, com a perda de todas as suas colónias…
Estavam pois à procura de um bem-estar, que durante esses últimos anos da década de 40, dificilmente a população tinha conseguido. Era também a época em que os filmes norte americanos se multiplicavam nas salas dos cinemas italianos, principalmente aqueles cujo tema era o Western. Tal facto levaria os italianos a criarem mais tarde os seus próprios filmes com sucesso, às mãos de Sergio Leone de uma forma inovadora. O som dos tiros (fortes), a música, o som da harmónica ao longe, a crueldade, o suspense nos duelos, tudo fazia parte de um manancial de sensações que eram despertadas nos espetadores. Também as aventuras de “Tex” na sua simplicidade, mas ricas em heroísmo e justiça viriam por certo, a despertar nesse jovens leitores de então, um renascer de esperança para o futuro. Além disso o ambiente das histórias de “Tex”, o carácter dos seus amigos e colegas de aventuras, era um trunfo que seu autor nunca abdicou. “Tex” mata sempre em sua defesa ou na de alguém, não suporta os soldados e a prepotência dos seus oficiais. O mesmo acontece com os caçadores furtivos. É um viúvo inconsolável, depois da morte da sua mulher índia, a bela “Lilyth”, mãe do seu filho “Kit”. Raramente se deixa levar por qualquer mulher e já teve alguns dissabores por isso, em que é atraiçoado pelo sexo fraco. O seu desejo de aplicar a justiça, leva-o a abdicar do amor. A própria camaradagem com os seus companheiros limita-o nesse campo. Todas estas facetas do nosso “herói” são os ingredientes justos e necessários, para que a série continue a desempenhar o seu papel lúdico e a obter o sucesso merecido, em todos os países onde as suas aventuras são publicadas.
SERGIO BONELLI/GUIDO NOLITTA
Muito se tem falado sobre Bonelli pai e filho, pelo que dificilmente poderemos dizer alguma coisa nova. No entanto, temos que admitir que nem sempre acontece que um escritor (ou argumentista), venha a herdar do pai a apetência e a habilidade para o negócio e para as letras, como aconteceria neste caso. Sergio Bonelli numa certa fase da sua vida, viria mesmo a ajudar o seu pai (chegou a criar alguns argumentos para “Tex” devido à dificuldade de seu progenitor poder escrever todos os argumentos, das histórias que entretanto eram necessárias criar, para satisfazer a procura dos leitores). Mas infelizmente não o pode fazer em quantidade, já que tinha os argumentos das aventuras de “Zagor” e “Mister No” a seu cargo, personagens que criou. Do mesmo modo, por duas vezes, Sergio iria pedir a seu pai auxílio, para continuar a escrever os argumentos de “Zagor”, o que foi prontamente atendido, apesar dele se encontrar sempre assoberbado de trabalho, até com outras personagens em paralelo, “Hondo” e “Kociss”. Mas a imaginação de Gianluigi Bonelli era inesgotável, só sentia dificuldade em criar cenas cómicas para “Chico”… Do mesmo modo, Guido Nolitta acompanharia as pisadas de seu pai, com uma particularidade, o de dar largas à sua imaginação ao criar várias histórias de ficção e de magia, nas aventuras de “Zagor” que acabariam por ajudar, ainda mais, ao desenvolvimento e consequente êxito da sua personagem. É certo que o seu interesse e desejo por viagens, viria a ajudar na criação de fabulosos enredos, não só para as suas duas criações, como para o “Tex”, que os leitores souberam igualmente acarinhar.
A DISTRIBUIÇÃO DE “TEX” EM PORTUGAL
Ninguém tem dúvidas e lembramos a excelente Editora e Distribuidora de revistas que foi a extinta Agência Portuguesa de Revista, que uma má distribuição de qualquer revista, poderá ditar antecipadamente o seu fim. Depois do desaparecimento da APR, quem tem sido colecionador ao longo dos últimos anos, tem sentido as contrariedades que são encontrar este ou aquele número da revista que se coleciona. Entrar numa livraria e perguntar por um nome de qualquer publicação e receber um rotundo não, ou não sei, não conheço…e às vezes a dita edição encontra-se a dois passos… Sabemos que as revistas brasileiras de Banda Desenhada, quase sempre e com muito raras exceções, vêm para Portugal em sobras. Depois de vendidas no Brasil e aguardados os tais meses que as editoras normalmente dão aos retalhistas, as sobras regressam à sua fonte origem e são então enviados para o nosso país. Ao remeterem esse material para Portugal, não sabemos se haverá algum critério, na sua numeração ou data de publicação.
Por sua vez no nosso país, as revistas poderão ser distribuídas aleatoriamente e uns números poderão ir para um parte do país e outras para outro. Cheguei a verificar isso, pois como tenho uma casa na zona de Mafra, era aí, numa Tabacaria, que me guardavam as revistas e engraçado, recebiam muito mais material do que aquela onde eu era também cliente em Lisboa. Resultado: o colecionador acaba por muitas vezes não encontrar o número que lhe falta. Para mim, mas não é a solução ideal porque sai mais caro, recebo diretamente o material. Mas só como exemplo do que às vezes é a falta de sucesso da venda de uma revista, lembro que as edições de “Tex”, muitas vezes, chegam a ser destruídas na ordem dos quinhentos exemplares, por número, que não são vendidos no nosso país. Provavelmente se houvesse uma melhor distribuição, tal facto não aconteceria.
* Texto de Carlos Gonçalves publicado originalmente na Revista nº 2 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2015.
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