INDOMÁVEL ou o regresso do “Western”

Por Jorge Magalhães*

Estreou-se em 17 de Fevereiro um dos filmes mais aguardados pelos que acompanham febrilmente a corrida aos Óscares, mas também por todos os apreciadores de “westerns”, que lamentam que o seu género preferido esteja quase votado ao esquecimento pelos produtores de Hollywood, mau grado o êxito e a qualidade artística de filmes relativamente recentes como Danças com Lobos (1990), Imperdoável (1992), Wyatt Earp (1994), Desaparecidas (2003), Open Range (2004) e O Comboio das 3 e 10 (2007).

A distância temporal entre eles — quando nos lembramos de que no século passado, durante várias décadas, se produziram dezenas de “westerns” por ano — é mais o reflexo do alheamento dos produtores que do desinteresse do público, visto que quase todos conseguiram resultados de bilheteira que superaram as expectativas e até, como nos casos sem precedentes de Danças com Lobos e Imperdoável, os Óscares de melhor filme e de melhor realizador.

Embora as probabilidades, este ano, não sejam as mesmas, True Grit (Indomável), o novo filme dos irmãos Joel e Ethan Cohen, com Jeff Bridges como protagonista, já veio relançar a questão da sobrevivência do “western”, um dos géneros cinematográficos mais antigos, mas que literariamente (salvo raras excepções) perdeu todo o fulgor que teve nos séculos XIX e XX.

Esse filão literário foi activamente explorado pelos produtores e realizadores de Hollywood, dando origem a inúmeros filmes da série B, de cariz mais comercial do que artístico, mas também a produções ambiciosas, de elevado conteúdo estético, épico e dramático, que enobreceram o género e cimentaram o prestígio dos seus realizadores e intérpretes — como A Caravana Gloriosa, Stagecoach (Cavalgada Heróica), Duelo ao Sol, Forte Apache, Shane, A Desaparecida, Cimarron, O Homem que Matou Liberty Valance, Pequeno Grande Homem ou A Velha Raposa.

Este último foi o título dado em Portugal a True Grit, uma novela de Charles Portis adaptada pela 1ª vez ao grande ecrã em 1969, num filme realizado por Henry Hathaway, que valeu ao mítico actor John Wayne o seu primeiro e único Óscar. Foi agora a vez dos irmãos Cohen redescobrirem o livro de Portis, abordando com novo realismo a história de uma obstinada rapariga (Mattie Ross) que contrata um velho xerife alcoólico e rabugento, mas implacável e destro no manejo das armas (Rooster Cogburn), para ajudá-la a vingar a morte do pai, assassinado por um miserável (Tom Chaney) que traíra a sua confiança.

Publicada em 1968, True Grit, a segunda novela de Charles Portis (actualmente com 77 anos e que, depois de participar na guerra da Coreia, se dedicou ao jornalismo, tornando-se escritor por vocação), conheceu um sucesso imediato graças ao filme de Hathaway, com um John Wayne já envelhecido, de pala no olho e rédeas nos dentes, num dos últimos papéis da sua longa carreira; mas só 18 anos mais tarde seria traduzida para português, numa colecção de saudosa memória, criada em 1982 pelas Publicações Europa-América, a colecção Western, que reuniu muitos autores famosos, desde Zane Grey, Clarence Mulford e Edgar Rice Burroughs (sim, esse mesmo… o criador de Tarzan!) a Louis L’Amour, Frank Gruber, Stephen Crane, W. R. Burnett, Elmer Kelton — todos norte-americanos, representando a essência do genuíno “western” literário, que nasceu muito antes dos primeiros filmes de “cowboys”.


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Alguns dos títulos incluídos nessa colecção são marcos de fundamental importância na relação entre literatura e cinema “western”, como Shane e Monte Walsh, de Jack Schaefer, Duelo ao Sol, de Niven Busch, O Maioral, de Owen Wister, A Cidade Turbulenta, de Max Brand, Incidente em Ox-Bow, de Walter van Tilburg Clark, Céu Aberto, de A. B. Guthrie Jr., ou mesmo O Último Moicano, de Fenimore Cooper, considerado por muitos o grande pioneiro do género.


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Como ainda é possível encontrar algumas destas obras nas livrarias da Europa-América, aconselhamos os nossos leitores a não perderem o ensejo de conhecer uma das melhores colecções do género que já se publicaram em Portugal, constituída por 54 volumes em formato de bolso, com preço módico, boas traduções e um design gráfico das capas (na sua maioria excelentemente ilustradas por José Pires) que evoca as adaptações cinematográficas, nada ficando a dever ao das suas congéneres estrangeiras.


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Mas quem estiver interessado em ler True Grit, de Charles Portis, tem agora ao seu dispor uma nova edição, com o título do filme dos irmãos Cohen, oportunamente dada à estampa pela Editorial Presença. Embora com uma capa muito inferior à que José Pires desenhou para a colecção Western, em 1986.

Copyright: © 2011; Jorge Magalhães.
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Editor, autor de banda desenhada (argumentista), autor de numerosos textos de estudo, análise e história da BD, em livros, revistas, jornais e fanzines e também leitor e coleccionador de Tex Willer.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

6 Comentários

  1. Obrigado, caro Pedro, pelo comentário e pela adenda. Não me referi a esse trabalho por não ter sido meu propósito estender o âmbito do meu artigo à BD, mas já tinha tomado conhecimento dele através do seu blogue.
    Como sabe, são muitos os exemplos de filmes transpostos para a narração figurativa, sobretudo nos anos 50, através de uma famosa colecção da Dell Comics, mas creio que, em anos mais recentes, esse tipo de promoção e divulgação (às vezes, com resultados bem curiosos) foi pouco utilizado (o contrário é que sucede com mais frequência).
    A adaptação parcial de “True Grit” em BD, pelo que referiu no seu blogue e no JN, nasceu de um acaso e é reveladora da importância da Internet. Ainda bem que o resultado foi positivo.
    Um abraço.

  2. Excelente artigo de um senhor que aprendi a respeitar sem o conhecer através do Mundo de Aventuras que me introduziu em inúmeras histórias que ainda hoje fazem parte do meu imaginário. Não referindo os seus Westerns que lia sempre com grande prazer e a colaboração com Augusto Trigo um grande desenhador que nos deu, na minha opinião, algumas das mais belas páginas de Banda desenhada portuguesa. Sem dúvida que faz muita falta à banda desenhada. Com os seus conhecimentos e influências, digo eu, que não o conheço, esta sim seria uma boa colecção para o Público propor aos seus leitores, de livros ou mesmo de DVD’s de westerns famosos.
    É sempre com grande prazer que leio os seus artigos.
    Era bom termos aqui, com alguma regularidade artigos com base em bd’s publicadas em Portugal sobre histórias do Oeste, com o número de histórias publicadas por cá e quais e quantas histórias foram realizadas com informação complementar que fosse útil aos seus fans, como o meu caso.
    Os meus cumprimentos, a minha admiração e o meu respeito

    Eduardo Letrée

  3. Foi um imenso prazer ler este texto cheio de referências inesqueciveis.
    Não posso deixar de agradecer ao autor por partilhar connosco o seu conhecimento e “paixão” pelo western.
    Obrigado Jorge Magalhães e parabéns ao blog por nos continuar a trazer destas “pérolas”.

  4. Obrigado a todos pelos comentários e pelos elogios, que muito me sensibilizam, fazendo-me recordar com mais nostalgia ainda os “bons velhos tempos”, quando o “western” estava na moda e a BD lhe dava também grande acolhida nas suas páginas.
    Hoje, quando tanta coisa mudou e já são menos os que vibram com as histórias de “cowboys”, temos ainda, felizmente, algumas alternativas, como o blogue do Tex, excelentemente coordenado pelo José Carlos Francisco, que partilha connosco a paixão pelos temas e pelos heróis do Oeste. O meu reconhecimento vai também para ele.
    E prometo voltar ao assunto, numa próxima oportunidade…

  5. Olá!!!

    Excelente o artigo.

    Semana passada assisti ao filme “Indomável“, que no Brasil tem o nome de “Bravura Indômita“. O filme é muito bom, fazia tempo que não assistia a western tão bom. Esse filme teve várias indicações ao Oscar 2011, mas não levou nenhum. Uma pena, pois o filme é bom.

    Abraços,

    Vander

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