Como senti “Patagónia” (da Polvo Editora)?

Por João Amaral[1]

Patagónia, de Mauro Boselli e Pasquale Frisenda foi, quanto a mim, uma muito interessante e agradável surpresa a vários níveis. Não sendo um grande coleccionador de Tex, a verdade é que já leio a saga deste herói há alguns anos e conheço algumas das suas muitas e variadas aventuras, seguindo com muito interesse cada uma das novas incursões.

João Amaral e a edição portuguesa de Patagónia com o selo da Polvo Editora

Dito isto, posso dizer que li muito recentemente este livro pela primeira vez e não hesito em classificá-lo como uma das melhores, mais densas e ricas aventuras de Tex que li em toda a minha vida.
Contrariamente ao que acontece com a grande maioria das outras histórias, estamos aqui perante um falso western, já que a maior parte da acção se passa a sul, na Argentina (uma das grandes originalidades deste relato). Mas, nem por isso, a temática deixa de ser cara a todos os que gostam do género. Fiquem descansados os amantes de aventuras de índios e cowboys que Patagónia tem lá os clichés e os grandes espaços naturais, mas a tudo isso, junta um notável e muito bem explorado argumento de Boselli que nos faz reflectir em vários factos que, apesar de se aludirem a uma época concreta, não deixam, por isso, de ser intemporais e plenos de actualidade. Nesta história, Tex Willer é convocado a deslocar-se à Argentina por Ricardo Mendoza, alguém com quem já lidara, através de Montales, um conhecimento comum. Cedo vê que o amigo, que retomou a carreira militar no seu país de origem, tem entre mãos um grave problema de rebelião entre os indígenas locais, algo parecido com os confrontos entre os índios norte-americanos e o homem branco. Porém, não adivinha o grau de complexidade dos acontecimentos que se irão suceder…

É aqui que o argumento de Boselli começa a despertar-nos curiosidade para uma história extremamente bem narrada, colocando a nu a complexidade e as contradições do ser humano. Basta dizer que, a partir de certa altura, começamos a adivinhar um massacre como inevitável, isto, apesar do comandante do exército ser alguém extremamente humanista, cauteloso e ponderado. No entanto, o seu exército é composto por vários tipos de homens e, não é preciso muito tempo, para que algumas das suas piores características comecem a aflorar. Torna-se por isso muito interessante seguir esta narrativa, que eu não hesito em considerar como uma das melhores que já li. A descrição das personagens é notável e, a própria relação entre Tex e o seu filho Kit, que o acompanha, ganha, nesta história, novos contornos. Aqui não há um bem, ou um mal claramente vistos, mas sim um universo cinzento de contornos indefenidos, onde uma tragédia se vai tornando a pouco e pouco iminente…

E se o argumento de Boselli é fantástico, seria injusto falar neste livro sem me aludir ao fantástico desenho de Pasquale Frisenda, um autor que conhecia apenas por ter ilustrado algumas aventuras de uma série que eu acompanhei e admirei durante algum tempo (Mágico Vento). Se eu já gostava do trabalho do artista, considero que neste volume ele se superou. Tudo no seu desenho é atraente, desde a reconstituição histórica, passando pela expressividade das personagens e os fantásticos cenários que tão bem ilustrou, revelando um excelente domínio do preto e branco. Foi por culpa de Frisenda que eu li o livro extremamente devagar, pois o meu olhar ia ficando refém de toda uma invulgar riqueza de pormenores e detalhes que cada vinheta revelava. Patagónia, na minha opinião, consegue, de facto, o pleno: alia uma história poderosíssima a um desenho extremamente atraente.

João Amaral e a edição portuguesa de Patagónia com o selo da Polvo Editora contendo um desenho exclusivo de Pasquale Frisenda

Tenho por fim de dar os meus parabéns à editora portuguesa: a Polvo, de Rui Brito. Penso que o editor, tal como eu, percebeu as qualidades que referi anteriormente e quis fazer o livro num formato que fosse graficamente bonito e apelativo. Posso mesmo dizer que esta é a melhor edição de Tex que tenho na minha colecção. Tudo nela é perfeito, desde a qualidade do papel até ao trabalho de impressão, revelando que o editor fez este trabalho com muita paciência e carinho. Isso percebe-se muito facilmente. E tenho a certeza que, pela qualidade do argumento, do desenho e também da edição, Patagónia irá perdurar na minha memória, como uma das mais fantásticas bandas desenhadas que já li. Tenho também a certeza de que será uma obra à qual voltarei frequentemente, pois penso que é um daqueles livros que se irão ler e reler com muito prazer. E sei que, em novas leituras, me irei deparar com pormenores novos que não vi anteriormente, tal é a riqueza do relato.

Nesta edição, fica só um pequeno senão, que resulta um pouco de todo o excelente trabalho, ao qual já me aludi anteriormente. Penso que ela sairia ainda melhor se houvesse um pequeno dossier que mostrasse mais alguns extras, com alguns estudos, desenhos e sketches que Frisenda tenha efectuado na concepção do livro, bem como algumas notas de Boselli em relação ao argumento. Compreendo que isso não tenha sido feito, até porque iria aumentar o preço do livro e reconheço que esse senão não diminui em nada a espectacularidade desta obra. Posso, por isso, afirmar que este é um trabalho que considero imprescindível em qualquer biblioteca, não só de admiradores de Tex Willer, mas também de qualquer apreciador de banda desenhada em geral.

[1] João Amaral é autor de banda desenhada e ilustrador português para além de um grande apaixonado pelo “western”.

Patagónia, a edição PORTUGUESA com o selo da POLVO

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

2 Comentários

  1. Essa história é marco da editora, agora o que tá chegando nas bancas tá horrível, essa última do Slade foi demais, muito fraquinha. Esse ano tá russo. Não é fácil escrever toda história fantástica, mas com certeza o argumentista tem procurar esse objetivo. O tema é complicado, já escreveram tudo a respeito, mas nós colecionadores queremos mais e com qualidade…

  2. Depois de tudo o que tenho lido aqui no Blogue do Tex, acerca do álbum Patagónia, digo-lhes que me foi despertada a curiosidade de voltar a ler a obra.
    Eu li esta história quando da sua saída na Itália e, este é o volume que tenho em minha BiblioTEX, contudo, deu-me saudades de a a ler novamente e, está decidido, farei isso muito em breve!

    Abraços,

    Sílvio Introvabili

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