As Leituras do Pedro*
Tex Edição em Cores #5 – O casamento de Tex
Gianluigi Bonelli (argumento)
Aurelio Galleppini (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Julho de 2010)
160 x 210 mm, 252 p., cor, brochado
1. Já escrevi aqui, não sou grande adepto das cores Bonelli. Porque são demasiado impessoais, lisas, sem profundidade. Fundamentalmente porque são aplicadas em obras pensadas originalmente a preto e branco. O que faz toda a diferença.
2. O que não invalida que perceba perfeitamente a sua utilidade. Seja para marcar edições especiais (normalmente os números centenários das colecções dos heróis Bonelli que já são pensados dessa forma…), seja numa reedição como a actual, em que podem funcionar como chamariz para novos leitores, que têm hoje hábitos e exigências diferentes dos de há 60 anos quando Tex foi publicado pela primeira vez, seja como factor distintivo de uma reedição (de qualidade gráfica) melhorada, apontada também aos fãs do ranger.
3. E a verdade é que funciona, pois, criada em Itália em 2007 para ser vendida durante 50 semanas com o jornal “La Repubblica” e a revista “L’Espresso”, esta colecção colorida ultrapassou já os 200 números e as várias datas apontadas para o seu fim.
4. O mesmo se passa agora no Brasil (e por arrastamento em Portugal), onde depois de seis números bimestrais a título de experiência, a continuidade da colecção já está assegurada (https://texwillerblog.com/?p=23241) durante pelo menos mais seis tomos, a partir de Fevereiro de 2011, com periodicidade mensal.
5. E também outros países – Noruega, Finlândia e Croácia – aderiram a este modelo.
6. Independentemente disso, Tex é um clássico que fez sonhar – ainda faz! – gerações de leitores e, mesmo que alguns o considerem uma banda desenhada menor – seja lá isso o que for, não é por esse caminho que quero enveredar hoje – a verdade é que, pelo menos, é um exemplo (marcante e de sucesso) de uma época e de uma forma de fazer e de editar histórias aos quadradinhos que, com ajustes mínimos, prosseguiu até aos nossos dias.
7. Como todos os clássicos, também Tex tem aventuras e momentos mais marcantes do que outros. Este volume traz um dos mais significativos: o seu casamento com a índia Lilyth.
8. Casamento de conveniência – Tex aceitou-o para não morrer no poste de torturas –, é verdade, mas que de alguma forma marcou o resto da saga.
9. E curiosamente, este episódio marcou-a por diversas razões, algumas das quais antagónicas até.
10. Casamento de conveniência, escrevi atrás, decerto imaginado por Gianluigi Bonelli no “calor” da escrita, acabaria por se revelar – desde logo para o argumentista – como um passo em falso, por obrigar Tex a uma realidade mais “caseira”, incompatível com a sua vida aventurosa. Daí o facto de Lilyth rapidamente ter sido descartada da série.
11. Ou não, porque a verdade é que tendo sido curto, o tal casamento de conveniência, entretanto transformado em cumplicidade e depois mesmo em amor, acabou por ser para toda a vida, justificando o posterior longo celibato do herói, fiel à memória da sua amada.
12. Casamento que foi também um (insuspeitado) sinal de modernidade, ao antecipar em muitos anos, uma moda dos anos 70 que levaria ao altar Mandrake, Fantasma, Spiderman e Superman, entre outros.
13. Lilyth não morreria, no entanto, sem dar a Tex um filho varão – (também) símbolo da sua masculinidade – que, mais tarde, permitiria seguir a moda dos ajudantes juvenis dos heróis dos quadradinhos.
14. Mas deixemos estas considerações e voltemos a este volume em concreto. Nele Tex, depois de concluir a libertação do seu amigo Montales no México, entra então no longo e atribulado episódio que o levará ao casamento com Lilyth e a desbaratar uma organização dedicada ao tráfico de armas, numa história em ritmo acelerado, semeada de inúmeras peripécias, confrontos, tiroteios, emboscadas, inflexões e mudanças de rumo, que se lê com agrado, como quem vê um filme de cowboys clássico, daqueles em que, aconteça o que acontecer, se sabe que no fim o herói ficará de pé. E, para já, casado!
Curiosidades
– Sendo Tex o único a vestir uma camisa amarela em todo o livro, não deixa de ser curiosa a facilidade como ele arranja modelos iguais, sempre que a sua é destruída.
– A aplicação a posteriori da cor, por vezes tem destas coisas: na página 13, a manga “tão ensanguentada” de Lupe – a descrição é do próprio Tex – é mostrada de um branco imaculado…
– Não deixa também de ser curioso um outro aspecto: até este momento, as várias mulheres com quem Tex se cruzara eram belas e sensuais, sempre vestidas com curtas saias e decotes mais ou menos generosos. Agora, Lilyth, a “esposa” – símbolo de castidade e respeito? – em contraste absoluto, veste uma túnica até aos pés, de manga comprida e sem decote…
– Como curiosidade ainda, também referida por Júlio Schneider na introdução, refira-se a colagem de Tex, neste episódio, a um outro justiceiro, o Fantasma, uma das séries de sucesso de então, vestindo um fato com máscara e tendo, tal como o herói criado por Lee Falk e Ray Moore, um cavalo e um cão (que desapareceriam com o tempo).
*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias e na revista In’ – distribuída as sábados com o JN e o DN), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro.
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