As Leituras do Pedro*
J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga #86 – A sangue quente
Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)
Laura Zuccheri (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Janeiro de 2012)
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, mensal
4,00 €
- Se é normal na banda desenhada – nos comics de super-heróis e na maior parte das séries franco-belgas – a existência de um “vilão de serviço” recorrente, sempre pronto a opor-se aos desígnios dos heróis, de forma algo surpreendente isso é pouco habitual nos heróis Bonelli, pese todo o potencial para que tal acontecesse.
- E se surgem alguns inimigos que se destacam – Mefisto em Tex, Hellinger em Zagor, de forma mais evidente, Hogan em Mágico Vento – na maior parte dos casos as suas aparições são quase residuais se considerado o elevado número de histórias de cada um daqueles heróis.
- Por maioria de razões – desde logo pelo realismo do relato e pelo evidente privilegiar das componentes emocionais e psicológicas – isso também não acontece em Julia Kendall.
O que – apesar da evidente contradição – não impede que “A sangue quente” apresente o terceiro confronto entre a criminóloga de Garden City e a serial killer Myrna, que foi, recorde-se, o centro da sua primeira investigação nos três números iniciais desta colecção.
- Fugida da cadeia, há longo tempo desaparecida, Myrna “ressuscita” aqui para se vingar como não podia deixar de ser, mais engenhosa e inteligente, também mais perigosa e, sem dúvida, mais desequilibrada, demonstrando uma obsessiva – e até quase incómoda para o leitor – relação de amor/ódio por Julia, na qual paixão e vingança se confundem (e atrapalham?), numa espiral de sexo e sangue apresentada num crescendo ao longo deste tomo – onde a violência e a sensualidade atingem níveis invulgares no contexto da série – mesmo que o(re)encontro final entre ambas se revele breve e defraude mesmo – mas apenas sob certo ponto de vista – as perspectivas criadas ao longo de uma centena de pranchas repletas de grande tensão emocional.
Embora – por isso – deixe em aberto nova confrontação, num futuro que se adivinha mais ou menos distante, que se espera tenha (pelo menos) a mesma qualidade, força e emoção deste.
- Este regresso de Myrna, se evoca duas das mais fortes narrativas de Berardi nesta série – que mais uma vez confirma a elevada qualidade da sua escrita pela forma como desenvolve o relato aproximando pouco a pouco Julia e Myrna – evidencia também as mudanças que a “sósia” de Audrey Hepburn sofreu ao longo destes mais de sete anos de investigações.
Porque Julia tem mudado. Mudou. Como qualquer leitor atento facilmente percebeu. Sem perder a sua feminilidade e a sua fragilidade, tem agora uma maior auto-confiança, uma forma diferente de se abrir, de se relacionar (e de se dar), uma outra capacidade de enfrentar as situações limites que as suas escolhas tantas vezes provocam, a exemplo do que acontece neste número quando – finalmente – se vê de novo frente a frente com Myrna.
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*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro.