As Leituras do Pedro*
Coney Island
Gianfranco Manfredi (argumento)
Giuseppe Barbati e Bruno Ramella (desenho)
Editora 85 e Lorobuono Fumetti
Brasil, 2022
160 x 210 mm, 290 p., pb, capa cartão com badanas
R$ 49,90
Versões
“Quem conta um conto, acrescenta um ponto”, diz o provérbio e em Coney Island, são vários os narradores, orquestrados pelo ‘narrador supremo’, Gianfranco Manfredi (o mesmo de Mágico Vento).
Passo a explicar. Ambientada no final dos anos 20 do século passado, tendo como local privilegiado da acção o parque de diversões que dá nome à obra e como pano de fundo a Lei Seca (que proibia a venda de álcool) e as lutas sem tréguas entre as diversas famílias de mafiosos pelo controle dos diversos tipos de crimes, Coney Island assenta num quarteto de protagonistas: Jack Sloane, detective obstinado e duro; Brenda, uma jovem com muitos sonhos mas infeliz na escolha dos amigos; Speddy, mensageiro do exército norte-americano durante a Primeira Guerra Mundial; Mister Frolic, herói do mesmo conflito e mágico, ilusionista ou algo mais.
Unindo-os por um acaso, Manfredi vai traçar um relato duro, violento quanto baste, de um realismo extremo pela base histórica escolhida e a que dá um toque de fantástico que se vai revelar fundamental.
Para além disso, Coney Island começa de forma original: a mesma cena é narrada sucessivamente do ponto de vista de cada um deles, acrescentando cada nova versão elementos importantes sobre os protagonistas mas também sobre o que realmente aconteceu na noite em que Sloane levou Brenda ao parque de diversões, assistiram ao espectáculo de Frolic e a jovem quase acabou assassinada no seu quarto.
Depois deste longo intróito – na verdade quase a base da narrativa – o último terço desta mini-série – publicada originalmente em 2015, em Itália, em três números, reunidos no Brasil neste volume único – mergulha no mundo esconso e violento da Cosa Nostra, nas suas intrigas e lutas sem quartel pelo domínio das mais apetecíveis zonas dos Estados Unidos, numa aparente mudança de paradigma que na verdade continua a seguir o que foi traçado na sua fase inicial: aprofundamento das personagens e explicação da razão de ser das suas opções e atitudes, num todo cuja leitura é difícil de interromper antes de um final que, mesmo sendo coerente, surpreende.
Graficamente Giuseppe Barbati – que assinou aqui o seu último trabalho, que não chegou a ver na forma de livro, devido à sua morte prematura em 2014 – e Bruno Ramella desenvolvem um trabalho muito competente, perfeitamente credível na reconstituição histórica de locais, edifícios, veículos e guarda-roupa, e à-vontade na representação anatomicamente correcta dos seres humanos, expressivos e suficientemente personalizados para evitar dificuldades no seu reconhecimento. Afinal, a qualidade gráfica elevada que sempre se espera das edições Bonelli.
* Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
(capa disponibilizada pelas editoras Editora 85 e Lorobuono Fumetti; pranchas disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)