As Leituras do Pedro – Dampyr & Dylan Dog: O Detective e o Caçador

As Leituras do Pedro*

Dylan Dog & Dampyr: O Detective e o Caçador
Vol. 1: A Noite do Dampyr
Roberto Recchioni e Giulio Antonio Gualtieri (argumento)
Daniele Bigliardo (desenho)
Vol. 2: O Detective do Pesadelo
Mauro Boselli (argumento)
Bruno Brindisi (desenho)
A Seita
Portugal, Abril de 2021
170 x 230 mm, 104 p., pb, capa dura
13,00 € (cada)

Reunião de universos

Para quem lê banda desenhada regularmente – de forma aficionada, compulsivamente – há edições especiais que, mesmo podendo não ser substancialmente relevantes, marcam e permanecem na memória ao longo dos tempos, como uma lembrança agradável – algumas vezes correspondendo a sonhos tidos, outras inimaginadas. São os famosos crossovers, encontros de heróis e universos, geralmente compatíveis, outras tão díspares que a sua junção acaba por se revelar uma agradável surpresa.
Cabem neste (largo) intróito, os famosos emparelhamentos entre a Marvel e a DC – mais famosos ainda pela sua raridade -, a combinação pontual entre a ficção e a realidade -, os recentes encontros entre a Turma da Mônica ou os heróis Bonelli e os super-heróis da DC Comics, a chegada de Conan ao seio dos Vingadores (para relevar aqui um caso recentemente analisado) ou, para não me alongar demasiado e começar a abordar os livros de hoje, o acasalamento pontual entre os rostos mais importantes da Casa das Ideias italiana.

Se Dylan Dog já tinha encontrado Martim Mystère no passado, a nova proposta editorial de A Seita, que tem bebido – e bem! – no catálogo da Sergio Bonelli Editore, apresenta uma curiosa parceria entre o detective do pesadelo, e Dampyr, o caçador de vampiros.

Se, naturalmente, o sobrenatural surge como elo de ligação entre dois universos que têm o fantástico e o terror como ingredientes comuns, tudo o mais parecia afastar as duas personagens. Dylan, é antes de mais um anti-herói; Draka, assume um protagonismo absoluto. A abordagem do detective é romântica, surreal, onírica e tem um toque de humor; apesar do incontornável tom fantástico, as histórias do adversário dos senhores da noite assumem realismo cru, violento e improvável.

Apesar disso, a verdade é que Mauro Boselli e Roberto Recchionni/Giulio Antonio Gualtieri, os argumentistas desta reunião – tão inesperada quanto suspirada pelos fãs das personagens em particular e da Bonelli em geral – têm o mérito de, sem afectarem negativamente em nada o(s) relato(s), conservarem intactas as características de Dylan e de Draka, bem como dos seus habituais companheiros, Groucho, Tesla e Kurjak, que surgem como coadjuvantes naturais de um e outro e complementares entre si, para criarem uma narrativa em que todos encontram o seu lugar natural.

Desta forma, a história que arranca em Londres com um ataque de seres monstruosos e leva os protagonistas, a intervirem numa guerra entre dois senhores da noite, vulgo vampiros, acaba por assumir sucessiva ou pontualmente, as características próprias de ambas as séries, combinadas de forma sustentada e credível, quer sejam encaradas como reflexo de cada um dos universos, quer sejam vistas no contexto específico desta dupla aventura. Dessa forma, o insuportável sentido de humor de Groucho apresenta-se como o contraponto ideal para a violência pura que Kurjak e Tesla preferem, ao mesmo tempo que a irredutibilidade de Draka frente aos vampiros e outros seres maléficos é diametralmente oposta à posição de compreensão e até solidariedade para com eles que Dylan geralmente assume – bem como do seu interesse romântico numa delas.

É com base nestes contrastes que a narrativa vai avançando, de forma coerente e credível no contexto de ambos os universos, levando os protagonistas de um confronto inicial nas ruas de Londres até ao derradeiro embate nas Ilhas Hébridas, onde todas as dúvidas serão esclarecidas e reveladas as razões para os acontecimentos que nela têm lugar.

Alguns, poderão questionar a razão para a sua edição em separado e não num volume único. Se a questão da unidade da colecção Aleph – um dos selos que acolhe as obras Bonelli no catalogo de A Seita – foi certamente razão menor, o facto de elas terem sido publicadas (no Verão de 2017) em números diferentes das revistas italianas a que os dois protagonistas dão título, terá tido algum peso.

Outra razão que poderá ser considerada mais substancial para esta opção editorial – para mais associada à anterior – é o facto de formalmente serem ‘obras díspares’. Ou seja, as duplas criativas num e noutro caso são diferentes – e o resultado do seu trabalho também. Se já referi o que uniu os argumentistas e deu origem a um relato bem unificado, posso acrescentar que graficamente as propostas são bastante dissemelhantes, uma vez que ao traço realista de Daniele Bigliardo, se contrapõe um grafismo de certa forma mais caricatural de Bruno Brindisi. E se a sua junção num mesmo volume poderia chocar alguns – como a mim… – a verdade é que ambos se ajustam ao tom mais dylaniano ou dampyriano de cada volume.

E, se é verdade que, de alguma forma, eles até podem ser lidos isoladamente, num e noutro caso o leitor sentirá falta de lago mais – de forma simplista, do intróito ou da conclusão.

E, mais uma vez, se o conhecimento prévio das séries poderá ser benéfico, os dois volumes de O Detective e o Caçador lêem-se bem sem ele, como um belo relato de suspense e terror, assente em velhas lendas e numa inimizade ancestral que remonta ao templo dos vickings, com doses equilibradas de acção, investigação e introspecção, em que (muito) pouco é absoluto e (quase) tudo pode ser questionado.

*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro

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