Entrevista exclusiva: MARCO VERNI

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco, com a colaboração de Giampiero Belardinelli na formulação das perguntas, de Júlio Schneider (tradutor de Tex para o Brasil) e de Gianni Petino na tradução e revisão e de Bira Dantas na caricatura.

Caro Marco Verni, bem-vindo ao blogue português de Tex. Para começar, falemos das suas paixões de leitor desde a infância.
Marco Verni: Olá a todos e obrigado pela atenção que me dedicam e que não sei se mereço. Eu nasci em 1966 e comecei a ler quadradinhos aos 7 anos. Como todos os meninos da época, a primeira etapa obrigatória era a revista semanal Topolino (Mickey Mouse) na qual eu lia principalmente as histórias com os Patos, aquelas de Carl Barks em primeiro lugar. Em seguida, aficionado por filmes de faroeste, também como todos os meninos da época, o que eu via no cinema e na TV não era suficiente, e aí eu buscava nos quiosques o necessário para continuar a sonhar. A primeira BD que eu comprei (graças à minha avó) foi A História do Oeste, de Gino D’Antonio, um episódio desenhado por Sergio Tarquinio com o título O Grande Desafio. A capa da edição tinha uns índios belíssimos, o que facilitou a minha escolha. Hoje os meninos andam cheios de dinheiro e caprichos, mas na época, infelizmente, só era possível escolher UMA revista e a escolha era sempre difícil e sofrida. Na segunda vez que tive de escolher uma BD, de novo foram os índios na capa a motivar a minha decisão, e naquela ocasião o escolhido foi Zagor, com o volume As Montanhas Selvagens.

O Zagor de Nolitta & Ferri (mas também o ilustrado por Frank Donatelli), como para tantos meninos dos anos Setenta, foi marcante para você: que emoções ficaram gravadas na imaginação do pequeno Marco Verni?
Marco Verni: A escolha da revista de Zagor foi bastante casual. Se, naquele mês, a capa de Tex tivesse índios, esse seria o escolhido, mas não foi assim. Quando mergulhei na leitura, fui capturado pela fluidez do roteiro e do desenho, simples mas poderoso e, para um menino de então, a personagem exercia um fascínio fora do comum. Dentre todas as coisas, a que mais me impressionou foi a machadinha de Zagor. Tão estranha, eu nunca havia visto em nenhum filme de faroeste, e tão difícil (aliás, impossível) de reproduzir. E o revólver que Zagor usava também era fascinante: um velho colt Navy e não o colt clássico que se via em todos os filmes de faroeste e em outras BDs. Essas coisas tornavam a BD diferente e fascinante, assim como todo o mundo que Nolitta havia construído para ela e que nos enfeitiçaria por toda a vida.

Quais são os ingredientes nolittianos que você, como leitor e depois como autor, considera que, ainda hoje, não podem ser deixados de lado?
Marco Verni: Eu considero Nolitta um dos maiores narradores de quadrinhos de todos os tempos, mais até que o pai dele, G. L. Bonelli (perdoem-me pela heresia num blogue texiano!), pelo simples facto de que este último conseguiu roteirizar com sucesso somente Tex, e não chegou ao mesmo nível com todo o resto, inclusive com Zagor, enquanto Nolitta, além do sucesso com o Espírito da Machadinha, também chegou lá com Mister No, com Chico (o que não é fácil) e com o próprio Tex (El Muerto!). Para os roteiristas que vieram depois dele, infelizmente foi difícil manter o nível de Nolitta porque ele tinha um talento e uma facilidade para escrever inigualáveis, e era um conversador nato: quem tinha a oportunidade de ouvi-lo ao vivo em algum encontro ficava fascinado com os seus relatos da mesma forma que era com as suas BDs. Não são os ingredientes nolittianos que me fazem falta, mas a capacidade de saber como manuseá-los!

Como leitor nolittiano, você tem mais apego às histórias fantásticas ou aventurosas em geral, ou àquelas mais engajadas, como a inesquecível O Dia da Justiça?
Marco Verni: Eu gosto de todas, sem preferência por um género em particular, mesmo porque o segredo do sucesso e da longevidade de Zagor também está em saber sempre variar géneros e jamais cansar.

Qual seria a sua lista de cinco títulos zagorianos do período nolittiano que, como Robinson Crusoe, você levaria a uma ilha deserta?
Marco Verni: Zagor Contra o Vampiro, Zagor Contra Supermike, O Dia da Justiça, Ameaça do Espaço, Liberdade ou Morte. Mas essa lista é uma injustiça com todas as outras histórias nolittianas que eu aprecio do mesmo modo!

Em Julho de 1990 saiu na Itália A Corrida das Sete Flechas, o número trezentos da série mensal de Zagor. Na página de cartas havia uma, escrita pelo leitor Marco Verni, que pedia um Zagor mais durão e um Chico cómico e aventuroso no estilo do Pato Donald de Carl Barks. Naquela época, o que o desagradava como leitor? E hoje, tantos anos depois, qual é a sua opinião sobre o Zagor dos anos Oitenta?
Marco Verni: Assim como muitos leitores zagorianos, no final dos anos Oitenta eu estava meio decepcionado com a gestão da personagem. Na minha opinião, havia um certo cansaço e uma certa resignação que transparecia também nas declarações de Sergio Bonelli, que considerava o nosso herói esgotado. Ainda bem que, nos anos que se seguiram, Boselli e Burattini mostraram que não era verdade e que só era preciso reencontrar entusiasmo e frescor. Infelizmente (e isso acontece ainda hoje) certos roteiristas que se envolvem com Zagor (e Chico) pensam que é suficiente escrever uma boa história com um herói que usa uma machadinha, que de vez em quando solta um grito e exclama “por mil escalpos“, e com um gorducho eternamente faminto. Mas isso não é suficiente porque, para fazer Zagor direito, é preciso ter em mente os ingredientes nolittianos, senão é como querer cozinhar esparguete e esquecer de colocar sal na água: você come do mesmo jeito, mas não tem sabor algum!

Você acha que, nos anos que se seguiram, as suas sugestões de leitor foram acolhidas?
Marco Verni: Eu me recordo que, na época, houve uma reunião que levou a uma renovação da gestão da série, mas sem sair do traçado da tradição que permitiu a Zagor manter-se nos quiosques, ainda que com altos e baixos, até hoje. Como leitor, eu reencontrei em parte o entusiasmo que havia sido perdido (com algumas recaídas, sobretudo nos últimos anos, mas essa é uma opinião pessoal).

Alguns anos depois você estreou, como desenhador, no Almanaque da Aventura 2003 (Outubro de 2002). Como amadureceu essa sua paixão pelo desenho? E como você entrou em contacto com a Sergio Bonelli Editore?
Marco Verni: Acho que contei tantas vezes essas passagens que receio entediar quem vai ler. A paixão pelo desenho amadureceu com a leitura de BD: eu não tenho um talento natural, como vários colegas meus (a quem invejo), e sim a paixão, não tanto pelo desenho, mas pelos quadradinhos, pelas emoções que transmitiram à minha vida. As minhas primeiras tentativas foram desastrosas, e aqueles que hoje são colegas na época descartavam tudo, sem apelação… e não estavam de todo errados! O único que decidiu ajudar-me – talvez por ter a alma boa que o diferencia – foi o caro Moreno Burattini, que não poupou conselhos e encorajamentos e deu-me algumas páginas de roteiro para me exercitar. O maior presente que me deu foi o roteiro inédito de uma mini-história de Zagor (La strega, ou seja, A Feiticeira) que, além de ajudar-me a progredir em meu trabalho, dava-me a satisfação de trabalhar com uma verdadeira história de Zagor escrita por um de seus autores de ponta. Eu senti uma certa responsabilidade e redobrei meus esforços para elaborá-la, apesar do pouco tempo que eu tinha para fazer isso, pois na época eu trabalhava numa confeitaria. Eu desenhava no tempo livre, aos domingos e nos dias de folga. Sem contar que eu devo ter refeito umas três vezes, no mínimo, cada uma das oito páginas que compõem a pequena história. Depois dessas páginas já era possível perceber alguma melhora, mas eu ainda era muito inexperiente. De todo modo, quando decidi apresentar-me à Editora, levei essa história junto a outras páginas de teste.

E como surgiu o seu primeiro trabalho como profissional?
Marco Verni: Depois de alguns anos passados a desenhar páginas e a melhorar um pouco (bem pouco) a cada vez, conversei com Burattini e decidi apresentar os meus últimos trabalhos à Editora. Na época ele ainda não cumpria expediente na redacção, e o editor de Zagor era Mauro Boselli que, no dia 2 de Agosto de 2000, telefonou-me para dizer que as minhas páginas foram colocadas em votação: ele se absteve de votar (por gentileza para comigo) e todos os demais votaram pelo não, excepto por um único sim. Mas como esse voto positivo foi o de Sergio Bonelli, eu fui aceite. Porém, pouco depois a minha escassa capacidade técnica e artística me fez entrar em crise e me vi em um bloqueio criativo: para fazer páginas e mais páginas todos os meses, paixão e vontade não são suficientes, também é preciso saber desenhar e conhecer os fundamentos do desenho e da técnica. Mais uma vez fui socorrido pelo conforto e pela confiança de Sergio Bonelli (e também de Burattini), enquanto o meu amigo de sempre Davide Fabbri (desenhador de fama internacional) deu-me algumas lições e conselhos que permitiram acabar com o bloqueio e retomar o meu caminho, e desde então não parei mais!

Gallieno Ferri foi – e é – a sua referência artística: o que o impressionava nos traços desse artista?
Marco Verni: Como leitor de Zagor eu sempre gostei (acho que como todos) dos traços de Gallieno Ferri, tão elegantes, suaves e evocativos. Quando decidi trabalhar com Zagor, a ideia de inspirar-me nele como modelo não foi minha, mas de Burattini, com o aval de Bonelli, que sabia muito bem que aquele era o Zagor preferido dos leitores.

No início, quais eram as características ferrianas que você considerava mais difíceis de representar nos seus trabalhos?
Marco Verni: O que eu ainda não consigo reproduzir é a pincelada leve e espontânea do mestre. O meu traço é mais frio, alguns dizem que é mais espesso. Mas quando penso de onde parti, creio que cheguei a um bom resultado.

Como Sergio Bonelli recebeu a sua entrada na equipa zagoriana?
Marco Verni: Sergio Bonelli sabia perfeitamente que eu não era um artista ou um grande desenhador como aqueles com quem ele estava acostumado a trabalhar, mas sempre apoiou-me e incentivou-me apesar da minha pouca capacidade técnica. Ele sempre dizia que “este é um trabalho que se aprende“, ele sabia que os aficionados como eu (e como Burattini), que acompanhavam o seu trabalho e que lhe escreviam desde crianças, eram os que mais amavam o seu Zagor e que dariam sequência ao trabalho nos trilhos criados por ele. E também sabia que era isso o que grande parte dos leitores desejava. Como eu disse, ele me escolheu, apoiou e protegeu apesar de (justamente) todos serem contra, eu inclusive, porque nem eu acreditava em mim: mas ele estava certo. Não era o maior editor de quadradinhos do mundo por acaso.

O seu trabalho é bastante ligado a Burattini e, da nova geração de desenhadores zagorianos, você é o único que trabalhou com um único roteirista. Como é o seu relacionamento profissional com Burattini?
Marco Verni: O facto de eu ter desenhado somente histórias escritas por Burattini foi uma escolha minha à qual Moreno teve que sucumbir (espero que não muito contra a vontade)! Para os outros desenhadores é indiferente o que desenhar e com quem trabalhar… para mim, não! Por eu ser um zagoriano de nascimento e um leitor (nolittiano) desde sempre, dificilmente aceito roteiros não-convencionais e pouco ortodoxos. Moreno é o único que consegue recriar o espírito do Zagor de antigamente e que – o que não é pouca coisa – conhece os meus limites e defeitos, e sabe como fazer para que eu os supere, ao escrever roteiros sob medida para mim. Além disso tudo, eu partilho com o bom Moreno, além da paixão pela BD, aquela pela música italiana. No mundo arrogante em que vivemos, muitos torcem o nariz ao saber que ouvimos Umberto Tozzi em vez de música estrangeira.

Entre as suas histórias, merece destaque o ciclo de Mortimer: é de se supor que você gosta desse vilão, por isso perguntamos se você deu alguma sugestão ao roteirista sobre o desenvolvimento de algumas cenas?
Marco Verni: Eu sou muito ligado a Mortimer que, goste-se ou não, é um dos poucos vilões pós-Nolitta dignos de nota, e tirei a sorte grande quando Moreno pensou em mim para a realização gráfica da sua personagem depois de Ferri. Eu não colaboro com Burattini nos roteiros, mas se tenho alguma ideia, eu conto e ele decide se pode ou não ser usada. Por outro lado, eu sou bastante crítico se há alguma passagem que não me convence ou um diálogo que destoa. Moreno me considera o leitor número um, o protótipo do zagoriano médio (na verdade, ele me define como talibã, ou seja, ortodoxo) e diz que se uma coisa não agrada a mim não agradará à maioria dos leitores. Praticamente ele me usa como cobaia :-). Brincadeiras à parte, o grande motivo porque é um prazer trabalhar com ele é que, apesar da sua carreira (foi quem roteirizou a maior quantidade absoluta de páginas de Zagor), ele é uma pessoa humilde, jamais é presunçoso, dá ouvidos a todos e aceita opiniões contrárias, e (caso mais único que raro) não se acha o maioral, ao contrário de tantos outros.

Sem fornecer antecipações, pode dar uma opinião sobre o novo e esperado retorno de Mortimer?
Marco Verni: Moreno sabe que, quando escreve uma história para mim, deve fingir que está nos anos Setenta e fazer um Zagor como se fazia naquela época. Esse retorno de Zagor a Darkwood (n.t.: depois da viagem sul-americana do herói), onde a esperá-lo está Mortimer, sedento de vingança, lembra certas aventuras clássicas como Retorno a Darkwood ou Zagor Contra Supermike, e Zagor terá explosões de fúria como nos tempos de Nolitta (coisa que muitos roteiristas esquecem quando abordam o carácter da personagem), sem contar uma pitada de dramaticidade e comoção!

Uma história que pode ser considerada um clássico moderno – no sentido de que homenageia Nolitta & Ferri, tem um pouco do Sclavi de Pesadelos mas ao mesmo tempo uma forte personalidade burattiniana – é o segundo Zagor Gigante, O Homem que Derrotou a Morte. Dá para ver a sua constante evolução de estilo e também de personalidade: o que você pensa desse seu trabalho e do roteiro de Burattini?
Marco Verni: Mesmo que não tivesse sido eu a desenhá-la, eu creio que é a mais bela história de Burattini, e que nada tem a invejar dos clássicos nolittianos. Moreno usou todos os ingredientes e soube cozinhá-los com maestria. Não há passagens desnecessárias, nenhum diálogo por demais tedioso (às vezes acontece, mas não aqui) e a história é lida num fôlego só. Eu acho que, antes de ir aos quiosques, Moreno não tinha a consciência de ter desenfornado uma obra-prima, talvez porque é muito modesto (e também inseguro) por natureza, mas eu estava eufórico por ter tido a sorte de ilustrá-la, e disse a ele “essa foi a melhor história que você fez. Se estivéssemos nos ‘Giochi senza frontiere’, eu jogaria o Joker“, e Moreno respondeu “confio em você e também jogo o Joker :-)” (n.t.: Marco Verni refere-se a um programa de entretenimento da TV, baseado no francês Intervilles, e que em Portugal se chamava “Jogos sem fronteiras” em que jogar o joker, é arriscar na confiança de dobrar a pontuação). Aí eu sugeri a Moreno dedicar essa bela história àquele que nos havia criado (como autores) e que era o responsável por termos tido a condição de fazê-la, Guido Nolitta. Os leitores apreciaram e, como nós, ficaram comovidos!

Quanto tempo você leva para desenhar uma página? Cumpre horários? Como é o seu dia padrão, entre trabalho, busca de informações, ócio, vida familiar?
Marco Verni: O meu dia padrão é muito monótono: acordar às 7, arrumar as crianças para a escola, dar uma olhada no correio electrónico e em outras coisas, por volta das 9 horas começo a trabalhar e vou até às 13h ou 13h30, paro para o almoço, recomeço às 15h e vou até às 19h. Com os filhos, os momentos de distracção diminuem cada vez mais e, como único meio de evasão, eu me permito compras compulsivas no sítio eBay, de BD e páginas originais (mais ou menos como as mulheres, com sapatos e bolsas). Em média faço 3 ou 4 páginas por semana, e se tudo corre bem chego até a 15 por mês, mas entre um desenho extra, uma mostra de BD, um encontro ou um compromisso familiar, é mais comum eu parar em 13 ou 14 páginas.

Os quadradinhos da SBE sempre foram o seu objectivo, ou você gostaria de fazer a chamada BD de autor, como Pratt, Battaglia, Toppi, Manara?
Marco Verni: A definição de BD de autor em contraposição a BD popular sempre me irritou. Eu adoro Hugo Pratt, um grande autor, mas que também é popular porque vendia e ainda hoje vende centenas de milhares de exemplares. De outro lado eu vejo artistas de nariz empinado que acham que fazem BD culta só porque ninguém acompanha e vende poucas centenas de exemplares. Eu não tenho capacidade de fazer uma BD de autor e tenho muitas dúvidas com relação a quem faz e acha que é melhor do que Zagor e Tex.

Você se sente um artesão dos quadradinhos ou um artista? Para você, desenhar é um estímulo, uma diversão ou um trabalho?
Marco Verni: Eu detesto a palavra artista porque transborda presunção de maneira impressionante! Posso aceitar que alguém seja definido artista, mas quem se auto-define dessa forma irrita-me de forma notável. Sem contar que artista é quem cria por inspiração, sem pensar nos resultados financeiros, enquanto que, ao se fazer um trabalho por encomenda, cuja finalidade é vender, deve-se falar de artesanato. Eu sou um artesão, e o que eu espero, quando sai uma revista minha, é que venda muitos exemplares, não que ganhe um prémio da crítica.

Como é a sua técnica de trabalho?
Marco Verni: Eu ainda desenho em tiras (como Ferri, mas não para imitá-lo, e sim porque é mais cómodo) que depois monto para formar a página completa. Eu começo com os traços a lápis, não muito definidos, depois concluo a tira com o nanquim, e passo para a seguinte. A maior parte dos meus colegas prefere desenhar várias páginas a lápis para depois fazer a arte-final em todas elas ou em blocos de 15 ou 20 por vez. Para os traços a lápis eu uso uma lapiseira HB e, para repassar, uso um pincel Windsor & Newton nº 0 ou nº 1 e, por fim, para limpar os traços excedentes, uso uma borracha B20 da Rotring, que apaga o lápis sem prejudicar o nanquim.

Há alguma série bonelliana com a qual você não trabalhou mas que gostaria de desenhar? Caso positivo, qual seria e porque?
Marco Verni: Por ser muito tradicionalista, não gosto muito de ler BDs modernas e dificilmente conseguiria desenhá-las. Eu gostaria do Comandante Mark ou do Pequeno Ranger, mas não são mais publicados há décadas. O único que ainda faz parte do meu mundo é Tex, mesmo que ultimamente seja um pouco irreconhecível, ao menos do ponto de vista gráfico!

Das histórias zagorianas do último período (dos últimos vinte anos, digamos), dentre as desenhadas pelos seus colegas, quais você mais apreciou?
Marco Verni: A Ponte do Arco-Íris, de Ferri, Vingança Vodu, de Laurenti, Kraken, de Andreucci.

Passemos agora ao Ranger que dá nome a este blogue. Agora que você é um desenhador bonelliano afirmado, gostaria de desenhar Tex? Já recebeu alguma proposta nesse sentido?
Marco Verni: Nunca me foi proposto, e (diferente de outros) não acho que seja um problema, porque Zagor é a minha personagem preferida, não a considero uma BD de série B. Como eu disse antes, se Zagor não fosse mais publicado (bato na madeira), Tex é o único que combina comigo, mas não dá para dizer que eu conseguiria fazê-lo como querem os leitores (ou os responsáveis pela série).

Para você, o que significaria desenhar histórias de uma lenda da BD como Tex?
Marco Verni: Para mim, Zagor também é uma lenda, e desenhar Tex certamente significa prestígio para qualquer desenhador. Pena que eu seja uma pessoa muito modesta e pouco ambiciosa!

Na sua visão, quem ou o que é Tex? O que mais lhe agrada e menos agrada no Ranger?
Marco Verni: O que eu gosto em Tex é a sua prepotência e arrogância contra os poderosos e os desprezíveis: é o que gostaríamos que acontecesse na realidade e sentimos prazer todas as vezes que Tex age no nosso lugar.

Você acha que Tex mudou nos últimos anos? Sob quais aspectos?
Marco Verni: Na última década de histórias escritas por Nizzi, Tex muitas vezes vivia situações no limite do ridículo, e eu achava que estava muito desnaturado. Hoje, com Boselli no timão, Tex readquiriu as suas peculiaridades, e as histórias voltaram a ser mais maduras (se bem que às vezes são complexas demais). O que hoje não me agrada mais é a falta de homogeneidade gráfica: existem autores excelentes, mas às vezes dá a impressão de que não estou a ler Tex, mas sim Dampyr, e em outras é Mágico Vento ou Ken Parker.

Para concluir o tema, como você vê o futuro do Ranger?
Marco Verni: Espero que as novas evoluções gráficas não afastem os velhos leitores, aqueles ligados ao Tex de Ticci ou Lettèri, sem contar Galep, porque acho que está difícil substituí-los pelas novas gerações.


Quais são seus projectos futuros? Pode nos antecipar alguma coisa?
Marco Verni: No meu futuro está Zagor: no final de Outubro eu devo concluir os desenhos do confronto final com Mortimer, depois, se não houver imprevistos, deverei voltar a fazer dupla com Sedioli para dois volumes que sairão na Itália no Verão/Outono de 2015.

Quais BDs você lê actualmente, com quais mais se identifica?
Marco Verni: Quando criança eu me identificava com Zagor, aos vinte anos eu queria ser Mister No, hoje eu gostaria de ser Tex, mas não tenho capacidade e nem físico para isso. Actualmente leio certas BDs com dificuldade, porque as considero banais ou tediosas, e muitas vezes são cópias mal feitas de um filme ou de um videojogo. Desse jeito, não é de se admirar se os jovens de hoje preferem filmes e videojogos em vez de quadradinhos.

Além de BD, você lê livros? E quais são as suas preferências no cinema e na música?
Marco Verni: Eu não leio muitos livros por questão de tempo, e à noite, quando teria tempo, as pálpebras se fecham pelo cansaço, e aí… Quanto a cinema, eu gosto de comédias, inclusive italianas, basta que não sejam muito estúpidas. Não gosto de ficção científica como género, mas não a descarto. Eu gosto de faroeste, mas ele já desapareceu há anos. Em razão do cansaço, não consigo ver filmes muito engajados como A Origem ou A Grande Beleza, porque infelizmente eu durmo! Música, ouço quase que exclusivamente italiana, paixão que partilho com o amigo Burattini. Os meus preferidos são Umberto Tozzi, Franco Battiato, Renato Zero e, sem qualquer vergonha, desde 1981 também assisto ao festival de Sanremo (imagino as caras de enjoo que vêm do mundo dos quadradinhos :-)).

E chegamos ao fim. Você gostaria de dizer alguma coisa mais, algo que não lhe foi perguntado e que você gostaria que os nossos leitores soubessem?
Marco Verni: Não, creio que não. Mas se vocês tiverem mais alguma curiosidade, é só dizer! Um grande abraço a todos!

Caro Marco, em nome do blogue português de Tex, agradecemos muitíssimo pela entrevista que gentilmente nos concedeu.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

3 Comentários

  1. Uma das melhores entrevistas que eu já li.
    Realmente se vê a paixão de um fã que passou para o outro lado, mas continua sendo fã e defendendo com unhas e dentes o seu passatempo favorito.
    Mais ou menos assim como nós fazemos na internet, tentando defender e divulgar a nossa paixão.
    Parabéns pelo entusiasmo, foi uma leitura agradabilíssima a sua entrevista Marco Verni.
    Aliás, para quem foi reprovado em todos os testes o resultado final das suas histórias é impressionante. Deve fazer um esforço sobrenatural para conseguir o mesmo resultado que pessoas com talento o fazem sem dificuldade.
    A sua história me lembra a de Don Rosa, um fã esforçado que acabou ganhando quase a mesma notoriedade que o seu mestre, Carl Barks. Recomendo a leitura de suas histórias do Tio Patinhas (Zio Paperone) e Pato Donald (Paperino). São um trabalho de esforço árduo, assim como o que vi apresentado nesta entrevista.

    Confesso que fiquei com vontade de ler mais histórias de Zagor, especialmente as de Nolitta e de Burattini.

    AYYYYAAAKKK.

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