“Ouro negro” – Tex Romance Gráfico (da Polvo Editora) na análise de Rui Cunha

Por Rui Cunha

Ouro Negro da Polvo Editora, na análise de Rui Cunha

O Texas, foi o 28º estado a aderir aos Estados Unidos, em 1845. Inicialmente era um estado escassamente povoado e cheio de contrastes geográficos que iam desde regiões cobertas de rios, lagos e floresta a outras mais áridas e até desérticas. Foi nestas últimas que começaram a surgir os primeiros “cowboys” com o intuito de cuidar das manadas de gado da região e defendê-las dos ataques dos índios. Os “cowboys” acabaram por se tornar um símbolo do próprio estado e ainda hoje existem em muitas zonas rurais.

Assim, desde o início do século XX que o Texas, graças a uma diversificação económica, deixou de ser um estado agropecuário para se fixar na frente da economia norte-americana, graças à  indústria petrolífera que tomou forma a partir do meio do século XIX e muito contribuiu para um crescimento demográfico que inspirou muitos colonos a fixarem-se naquele território em busca de novas riquezas. Com esses colonos vieram os mexicanos em busca de melhores condições de vida. Na mesma altura chegaram também muitos oportunistas que não hesitaram em usar e abusar dos colonos e outros imigrantes e aproveitar-se das suas riquezas em proveito próprio.

Mas chega de divagação, vamos mas é ao que aqui me trouxe, que é o que interessa!

Oro Nero”, no seu título original, foi escrito por Gianfranco Manfredi e desenhado por Leomacs (pseudónimo de Massimiliano Leonardo), foi publicado em 2015 e lançado na edição regular italiana de Tex nos números 654 (Oro Nero) e 655 (Inferno a Oil Springs) editados, respectivamente, em Abril e Maio de 2015 pela “Sergio Bonelli Editore”. A edição brasileira da história veria a luz do dia, pela mão da Mythos, nas revistas Tex  números 554 (Ouro Negro) e 555 (Inferno nos Poços), lançadas em Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016.  Esperava-se a qualquer momento a edição portuguesa desta obra, o que veio a acontecer.

Ouro Negro”, assim se chama o quarto volume da colecção “Tex Romance Gráfico”, que a Polvo Editora de Rui Brito lançou no passado mês de Abril durante a 4ª Mostra do Clube Tex Portugal que decorreu na Anadia, que é e, parafraseando o mentor do evento, ”cada vez mais a capital portuguesa de Tex”.

Tex Willer e Kit Carson são enviados pelo Governador do Texas até uma cidadezinha chamada Hellsfire, que fica perto dos grandes campos de exploração petrolífera de Oil Springs, para descobrir o paradeiro de um agente governamental que havia sido enviado para investigar o que realmente se passava na cidade e na zona de extracção. Mas o governador ainda deu outras indicações aos dois Rangers: parar a todo o custo as actividades de Bob Braddock, manda-chuva da cidade de Hellsfire e irmão de Jonas Braddock, dono dos campos petrolíferos de Oil Springs.

A história respeita o conceito usado por todos os autores, sejam eles de literatura ou de banda desenhada, ao incorporar um prólogo, o desenvolvimento e respectiva conclusão.

O prólogo ou introdução de “Ouro Negro” (pág. 5-17), mostra-nos uma homenagem que o Governador faz a Tex e a Kit ao atribuir-lhes a “Rosa Amarela do Texas”, a mais alta distinção que se pode dar a alguém por serviços prestados ao Estado (uma irónica piscadela de olho de Manfredi aos maçons espalhados pelo mundo, que acaba por ganhar alguma força aqui já que nos Estados Unidos o símbolo da maçonaria é representado por uma rosa). O desenho de Leomacs mostra bem, em vários quadros, o pouco à vontade  que Tex sente neste tipo de eventos. Já no discurso de agradecimento, o argumento de Manfredi, após um momento de descontracção, embarca num tom político, em minha opinião, desnecessário, já que Tex nunca fez nenhuma campanha, com excepção dos seus anos na Guerra de Secessão, a favor ou contra quaisquer ideologias, mesmo sendo ele o indiscutível chefe da reserva dos Navajos (que não é senão um cargo de confiança política). Talvez seja fruto dos novos tempos, mas que a Tex nunca fizeram qualquer falta. Depois, já num ambiente mais descontraído, os Rangers tomam conhecimento da sua missão e daquilo que lhes é pedido e, pode-se dizer, a aventura começa.

Percebe-se que no argumento de Gianfranco Manfredi existe algo de cinematográfico, ou seja parece que toda a história foi escrita tendo como inspiração  os  velhos westerns que fizeram as  (suas, de Manfredi e nossas, leitor comum ) delícias na nossa juventude, mas em “Ouro Negro”, todo o argumento transporta um pouco de “Gigante”, de George Stevens (1956) e de “Haverá Sangue”, de Paul Thomas Anderson (2007) no que à temática da exploração petrolífera diz respeito, quanto ao resto da história, é puramente um western típico com uma galeria de personagens-tipo onde não falta ninguém: Bob Braddock, dono e senhor de “Hellsfire”, é  o perfeito idiota irritante, provocador e assassino, sempre rodeado de pistoleiros, homens de mão que cumprem todas as suas ordens. A falta de inteligência vai causar-lhe dissabores logo desde o início; Jonas Braddock, dono dos campos petrolíferos de Oil Springs, ambiciona ser dono de todo o petróleo do Texas (essa ambição fica patente no final, em dois quadros na página 222, quando, depois de derrotado, no cimo da sua torre nº1 Jonas, enlouquecido, vê o Texas e, nas sua palavras, o mundo,antes da explosão que o matará inevitavelmente),  ao contrário do irmão, é inteligente, perspicaz e, apesar de também ele, estar rodeado de pistoleiros, exibe-os apenas como uma demonstração de força na tentativa de intimidar quaisquer adversários, como quando vem à cidade saber como está o irmão depois dele ser preso (pág. 44-45); Randy Nelson, ex-veterano da Guerra de Secessão,  bêbado e sem um braço, acabará por ser o centro da acção quando Bob o elege xerife de “Hellsfire”e ele manda-o prender por duplo homicídio. A partir daqui estão lançados os dados; Rachel, a prostituta, que se vende a quem lhe pagar melhor, o que quase lhe vai custar a vida; Timothy Wilson, o advogado corrupto que aceita defender Bob Braddock e depois ainda o Juiz Felsen, conhecido como “O Enforcador”, um homem de lei e acção (faz lembrar em alguns momentos o Juiz Roy Bean) e incorrupto e no meio disto tudo temos os dois Rangers mais famosos do Texas: Tex Willer e Kit Carson.

Manfredi, homem forte na Bonelli, onde é colaborador desde 1994, depois de várias experiências com outras personagens e outras editoras, colaborou em “Dylan Dog”, “Nick Raider” e em 1997 ajudou a criar “Mágico Vento”, em 2005 chega a Tex onde escreve o argumento “La Pista degli Agguatti”, coze o argumento com todos estes ingredientes e alguns outros que surgirão mais à frente (o caso dos sobreviventes da “Boomtown” de San José) e Leomacs dá a arte final com qualidade e mérito próprio, aqui na sua terceira colaboração desde que chegou à Bonelli em 2009, onde completou a aventura “Capitan Blanco” (iniciada por Manfred Sommer, que viria a falecer em 2007) e desenhou totalmente “Mondego il Killer”, escrita por Mauro Boselli em 2011. A sua aproximação ao Tex é a clássica, mostrando o herói justo e sem medo que se conhece (na cena em que ele aceita actuar como parte da Acusação Pública), o homem de acção sempre pronto a ajudar o próximo mesmo que isso acabe por resultar numa batalha campal (Leomacs ilustra bem esses momentos nos vários tiroteios em que os Rangers se envolvem não as limitando  a uma página ou duas, ocupam várias, principalmente, a última cena que acontece nos campos petrolíferos, está muito bem conseguida, mostrando sempre ambos os lados do tiroteio), mas também a lenda viva que Tex representa (quase todas as personagens envolvidas conhecem a fama dos dois Rangers). Saliento, especialmente dois quadros de Leomacs que são cenas de cortar a respiração (não, não vou falar do famoso quadro desenhado especialmente para a edição portuguesa do livro!), um é aquele que surge na página 85, uma espécie de lufada de ar depois do tiroteio que o antecede (a paisagem desoladora de San José, de noite, com a lua a ver-se por detrás duma nuvem negra) é um quadro muito bem desenhado e a pequenez da carroça a chegar ás ruínas é um pormenor que não escapa a ninguém, é assim uma espécie de cereja no topo do bolo. O outro quadro surge na página 102 quando vemos “Oil Springs” pela primeira vez, todas aquelas torres petrolíferas, os homens armados, é, por contraste com o quadro anteriormente referido, algo opressivo e sufocante e, aqui, tal como no outro, o desenhador não deixa os seus créditos em mãos alheias ao mostrar, sem qualquer tipo de preparação, o bastião do inimigo perigoso que Tex e Kit terão de enfrentar.

A obra conclui-se no último quadro, quando os sobreviventes do tiroteio que aconteceu em “Oil Springs” se afastam e Tex, qual profeta, diz que o petróleo poderá muito vir a ser o futuro do Texas e não é que a história lhe deu razão?!

Ouro Negro”, tanto na edição italiana como na brasileira, como tem sido apanágio da maior parte das histórias de Tex, foi lançada em duas revistas, títulos distintos, talvez para aguçar a curiosidade de quem lê Tex (embora os leitores fieis não precisem de nada disto), ou, na eventualidade de se deparar com Tex pela primeira vez e gostar daquilo que se vê naquelas páginas (e aqui sim, o leitor vai querer saber mais e conhecer mais e acima de tudo conhecer o desfecho da história, facto que é comum a ambos os leitores!). O simples facto de em vez de aparecer o tipicamente texiano “continua”, surge “Fim da Primeira Parte”, o que, apesar, de à partida, parecer não ter qualquer significado, faz toda a diferença e diz muito de quem escreveu o argumento e também de quem desenhou, remetendo, uma vez mais, para a televisão e para o cinema (quem é que não se lembra destas palavras no final de um filme, de uma série ou até, porque não, de um livro?).

A edição portuguesa de “Ouro Negro” resolveu isso tudo. O editor Rui Brito e a sua equipa publicaram as duas histórias numa só, mantendo os respectivos títulos que dividem a história e, mais uma vez quem fica a ganhar, é o leitor que pode assim desfrutar da história num só volume!

A edição da Polvo de “Ouro Negro”, prima, mais uma vez pela grande qualidade que apresenta no seu todo, qualidade essa a que os volumes anteriores da colecção “Tex Romance Gráfico” já nos habituou. Pela qualidade do papel até à apresentação (não esquecendo as badanas anteriores com a biografia dos autores e um desenho de Leomacs), uma vez mais estamos perante um trabalho que, vindo duma pequena editora, envergonha muitas editoras grandes e de renome nacional e internacional. Parabéns Rui Brito!


De parabéns está também o Mário Marques pelo texto introdutório que nos apresenta, não só a obra, mas também um pouco da história do que foi o Ouro Negro nos Estados Unidos. Só de ler o texto, fiquei com vontade de ler o livro! Mal posso esperar pelo teu próximo trabalho escrito!

A capa, desenhada exclusivamente por Leomacs para a edição portuguesa da história, mostra, em comparação com as capas originais da edição italiana, desenhadas pela mão do grande Claudio Villa que houve uma grande evolução entre umas e outra e embora eu goste muito da capa portuguesa (principalmente do pormenor da torre de prospecção, com o sol por detrás, destacando aquele que viria a ser uma ameaça no futuro, que acho ser o melhor de toda a capa), preferia que a edição nacional da história tivesse a capa de “Inferno a Oil Springs”.


Finalmente (deixei propositadamente o melhor para o fim!), a tradução da obra para português e, pasme-se, português do mais correcto que tenho visto!! E aqui tenho que pôr as mãos no fogo e PARABENIZAR (sim, com letras maiúsculas!) o trabalho do José Carlos Francisco, que, como sempre, toma a seu cargo este trabalho hercúleo e ingrato, porque está realmente uma obra em português quase genuíno (ainda sobram duas ou três expressões que, em meu entender, ficariam melhor em português corrente, mas são apenas duas ou três mesmo!!), muito também graças a uma revisão igualmente cuidada levada a cabo por Rui Brito e a legendagem de Hugo Jesus. Continua assim, Zé, cada vez melhor! Que nós, os leitores de Tex, muito agradecemos!!

O livro “Ouro Negro“ já se encontra à venda nas Bertrand’s e FNAC’s espalhadas pelo país.

Há também sempre a possibilidade de poder enviar um e-mail ao editor Rui Brito para adquirir directamente o livro à Polvo Editora. O seu e-mail é ruibritobad@gmail.com

Todos os livros do Tex da colecção Tex Romance Gráfico, da Polvo, estão disponíveis na Feira do Livro de Lisboa (evento que decorre de 01 a 18 de Junho no Parque Eduardo VII) no stand da distribuidora Europress, B09-B11.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

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