Viagem ao Ducado Texiano

José Carlos FranciscoA Malaposta é uma aldeia que se situa no centro de Portugal, localizada a meia dezena de quilómetros da Anadia e que pertence ao distrito de Aveiro. É aqui que podemos encontrar a maior colecção portuguesa de Tex Willer e seguramente uma das maiores do mundo. E é também aqui que vive o seu orgulhoso proprietário, o José Carlos Francisco, de quem quase todos já ouvimos falar, tão grande é o seu amor pela personagem, manifestado na paixão com que a divulga.

Quis o destino que eu também gostasse e idolatrasse Tex Willer e quis esse mesmo destino que, mais de duas décadas após a descoberta da personagem, o meu caminho se cruzasse com o do José Carlos, gerando-se, desde logo, uma mútua simpatia que rapidamente concluiu em amizade.

Tex Junior BrasilRecentemente, tive a grata oportunidade de visitar o José Carlos Francisco no seu Ducado, o que me proporcionou momentos de agradável contacto e inesquecível prazer. Esta visita permitiu-me ver in locco um mundo maravilhoso, o mundo texiano do José Carlos. Um mundo que retrata a história do célebre ranger, porque naquele espaço encontra-se de tudo um pouco que respeite a Tex Willer, desde que a personagem foi criada pelos saudosos G.L. Bonelli e Aurelio Galleppini. Mas também um mundo que não olha a fronteiras, porque aqui podemos encontrar publicações e objectos de todo o mundo.

E como é que isto aconteceu? Porquê esta paixão, esta dedicação, este amor e este carinho? Para muitos leitores das novas gerações talvez seja de difícil entendimento, habituados a produtos visualmente mais apelativos, porque apoiados em soberbas cores tratadas por computador. Mas por esse mundo fora muitos compreendem o que move o José Carlos Francisco. Afinal, Tex Willer tem uma história de mais de 50 anos e uma legião de admiradores que não pára de aumentar. Quantas personagens se podem gabar deste feito, de ter atingido esta proveta idade, sempre com as vendas a situarem-se em valores elevados? Quantas personagens se podem gabar de terem dado azo a um império editorial de banda desenhada? Quantas personagens se podem gabar de terem sido desenhadas por muitos autores mundiais de renome? Quantas personagens se podem gabar de terem dado origem a um sem número de obras que se debruçam sobre o herói e os seus autores, no fundo o está por detrás do pano?

Edições internacionais de TexNos idos anos 70, foi com uma editora brasileira, a Vecchi, que tudo começou. Ao enviar para Portugal aqueles livrinhos de aspecto frágil, com um logotipo a três letras e que publicavam uns western giros, a Vecchi divulgou entre nós um herói imbuído de muitos dos valores que todos nós gostaríamos de ter e, fundamentalmente, ver cultivados. Valores como a justiça, a honra, a amizade ou a honestidade, fizeram de Tex Willer um herói que desperta paixões. Muitos descobriram em Tex um herói que protagonizava grandes aventuras, mas também alguém com uma filosofia que despertou uma empatia e um culto que perduram até hoje.

Por isso, quando em 1980, ao arrumar o sotão da residência dos seus avós em Vila Nogueira de Azeitão, o José Carlos Francisco descobriu uma velha caixa cheia de livros, não descobriu o mapa da ilha do tesouro, descobriu a bem dizer o verdadeiro tesouro. Um exemplar da colecção da Vecchi e logo uma edição especial, o nº 94, que apresentava o casamento do ranger numa história completa.
Tex Junior do BrasilComo curiosidade, esta história épica foi republicada pela Mythos no número 1 na sua nova colecção Os Grandes Clássicos de Tex. Os passos seguintes, apenas algumas papelarias, alguns alfarrabistas ou algumas feiras poderão testemunhar de modo mais apropriado, mas se eu aqui disser que o José Carlos Francisco andou por esses locais enérgica e afincadamente em busca das edições perdidas, não andarei certamente muito longe da verdade. Foi essa mais louca corrida à volta dos Tex que permitiu ao José Carlos Francisco ir completando a sua colecção, contando de permeio com a prestimosa ajuda de amigos que foi entretanto fazendo devido a Tex Willer.

Mais tarde, quando um amigo lhe ofereceu um exemplar italiano, o José Carlos Francisco pensou na internacionalização da sua colecção. Porque não obter um exemplar de cada país? Bem dito, bem feito. A net deu uma ajuda e os amigos que foi fazendo por esse mundo fora também. Para além da Itália, exemplares de países como França, Espanha, Alemanha, Holanda, Croácia, Finlândia, Noruega, Turquia, Grécia ou Israel, figuram nas magníficas estantes da sua casa, convivendo diariamente com o português das edições brasileiras e da única edição nacional. Actualmente, esta surpreendente colecção é composta por 790 edições brasileiras, 640 edições italianas e 60 edições de outros países, para além de muitos posters, dedicatórias, estatuetas, pranchas, desenhos originais, autógrafos, jogos, puzzles, livros sobre Tex e até uma caneta de nanquim com a qual Marcos Maldonado desenhou durante décadas as legendas das edições brasileiras de Tex. Tantas preciosidades que, por muito que escreva, acabarei sempre por esquecer alguma.

Edições internacionais de Tex WillerCom a mudança de editoras no Brasil, da Globo (que substituíra a Vecchi) para a Mythos, durante algum tempo a revista deixou de chegar a Portugal. Eu próprio perdi o rasto à publicação e pensava que a magia texiana tinha terminado. Mas o José Carlos Francisco não desiste e entra em contacto com a Mythos, acabando por ser convidado pelo seu próprio Director Dorival Lopes para representante da editora brasileira em Portugal, cargo que exerce como mais ninguém, denotando uma energia e uma paixão cativante pela personagem.

Foi nesta função que o conheci e foi nesta função que, um belo dia, acompanhou Dorival Lopes numa visita à própria Editora Bonelli. Quando visitaram os seus armazéns nos arredores de Milão, onde se acumulavam todas as edições italianas desde há 50 anos, o José Carlos Francisco como que se sentiu no país das maravilhas. O próprio Sergio Bonelli, a partir dessa data e, sem que o nosso coleccionador português lhe tivesse pedido algo, passou a enviar-lhe todas as edições italianas de Tex e de outras séries da editora. Mesmo muitas outras obras ou algo que verse sobre a temática texiana, Sergio Bonelli faz questão de lhe enviar religiosamente para a Malaposta, como se um dever se tratasse. Também religiosamente, o José Carlos Francisco aguarda sempre pela chegada do carteiro, qual mensageiro das boas novas, apressando-se a abrir os pacotes italianos, sempre com alguma surpresa no interior.

Estatuetas de personagens do mundo de TexVisitar a colecção do José Carlos Francisco é percorrer a história de Tex Willer. É mergulhar no grande e puro oeste das grandes aventuras escritas pelo saudoso G.L. Bonelli, servidas pelo traço de grandes nomes dos fumetti italiano e não só. Desde logo, com Aurelio Galleppini à cabeça, que criou a personagem e a compôs à semelhança e imagem de Gary Cooper. Mas é também uma viagem pelas magníficas pranchas de nomes como Letteri, Nicolo, Ticci, Fusco, Villa, Civitelli, Ortiz, Blasco, Venturi, De La Fuente, Marcello, Monti, os irmãos Cestaro e tantos outros que, a seu modo, foram sempre dando o seu cunho pessoal à personagem. É, no fundo, uma viagem por um imaginário que não cessa de se engrandecer e de se enriquecer.

Tex alemãoApreciar Tex motiva este culto em redor da personagem. Os caminhos trilhados pelo José Carlos Francisco são motivo de orgulho para todos nós, amantes portugueses da banda desenhada, e de respeito pelo trabalho e a dedicação que diariamente ele empreende na divulgação da personagem. E não nos surpreende que esta sua dedicação e labor sejam já reconhecidos a nível nacional e internacional, sendo o José Carlos regularmente requisitado para escrever ou mesmo para expor sobre o seu herói preferido. E tudo isto leva-nos à feliz conclusão de que, afinal, vale a pena dedicarmo-nos a algo que gostamos e que nos dá prazer, para mais quando isso nos permite concretizar muitas e boas amizades e passar momentos de inesquecível envolvimento.

Texto de Mário João Marques

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