TEX WILLER VERSUS COVID-19

Por Pedro Pereira*

Podem ficar tranquilas/os que ainda não enlouqueci, embora possa parecer, à primeira vista, mas há uma explicação para um título tão (in)apropriado. Para perceber melhor a mensagem, deixem-me contextualizar:

Faço anos no mês de março. O mês que na Roma Antiga era o primeiro mês do ano, dedicado a Marte, Deus da Guerra. Na prática, apenas existiam 10 meses e não 12. Janeiro (do Deus Jano, o tal das duas faces, uma para a frente e a outra para trás) e fevereiro (em honra da festa romana da februalia ou purificação) forma inseridos mais tarde.

Segundo consta, só com Júlio César, que mandou chamar o astrónomo Sosígenes, no ano 45 a.C., começou a vigorar o sistema de três anos com 365 dias, seguido de um ano bissexto com 366 dias. Deste modo, a contagem do tempo coincidiria com a exata mudança das estações, algo que não acontecia antes.

Ora, o meu plano era simples: voltar a visitar Itália nos meus anos, mas não ir, desta vez, ao Centro ou ao Sul! O objetivo estava mais a Norte, bastante mais! O plano era conhecer a “pátria” de Tex, ou seja, ir a Milão!

O projeto inicial era ir conhecer um pouco da Capital da Moda, visitar alguns dos seus encantos maiores, como Il Duomo (incluindo o telhado), a Igreja de Santa Maria delle Grazie (onde está a Última Ceia), as Galleria Vittorio Emanuele II, o La Scalla, depois um dia para visitar um pouco dos arredores, nomeadamente o Lago di Como, Bellagio e, finalmente, uma visita guiada à “fábrica dos sonhos”, ou seja, a Sergio Bonelli Editore!

Para ser ainda mais especial, o plano era que esta última visita coincidisse exatamente com o meu aniversário e graças à “intermediação” do nosso Ze(ca) Carlos estava tudo encaminhado nesse sentido…

Porém, eis que no Império do Meio, surgiu um ser, invisível a olho nu, que veio alterar tudo, expandindo-se rapidamente pelo mundo, Itália incluído, com consequências funestas! Desta vez nem mesmo a mira perfeita de Tex Willer conseguiu evitar que o meu sonho ficasse pelo caminho…

Luta de Tex contra inimigos invisíveis

Na já longa, mas sempre renovada, saga texiana a presença de inimigos minúsculos, mas altamente letais, é frequente e muito diversificada. Um dos melhores exemplos, conhecido por todos os texianos, mesmo os não fanáticos, é o célebre episódio da varíola que, entre outras vítimas, leva precocemente a jovem esposa de Tex, Lírio Branco.

De forma sumária e para tentar avivar a memória de alguém mais esquecido, a história surgiu primeiro no n.º 43 da edição normal (Juramento de Vingança) tendo sido publicada em Itália no Tex n° 104, título original italiano: Il giuramento.

Fred Brennan e John Teller

Dois bandidos da pior espécie, Fred Brennan e John Teller, decidem vingar-se de Tex, usando para tal cobertores contaminados por varíola que chegam à reserva e rapidamente espalham o caos e a morte. O próprio Tex escapa por pouco ao estar fora da reserva com o seu filho Kit, mas depois a sua vingança será terrível… não conto mais para vos estimular na medida certa e relerem a história!

Episódios de morte, choro, contenção, quarentena, isolamento, restrições de acesso… são em tudo parecidos com o que tem ocorrido um pouco por todo esse mundo fora, sendo que agora com a globalização a pandemia se espalha muito mais rapidamente, tal como as notícias.

Este combate contra inimigos invisíveis, em que os punhos e a mira certeira de Tex de nada servem, ocorre em outros números pelo que aproveito a oportunidade para partilhar mais dois:

O Mestre

Um dos grandes inimigos de Tex é o criminoso que dá pelo nome de O Mestre e a designação é perfeitamente adequada. De seu nome Andrew Liddel, um génio da química, é um psicopata altamente perigoso e ganancioso, que ataca pela sombra, evitando sempre que possível o confronto direto e tem como principal recurso um vírus letal e até um antídoto para o mesmo (nós, à data em que escrevo, já ficávamos satisfeitos com uma vacina).

A sua primeira aparição ocorre em Tex 216 (Ameaça Invisível) e no número seguinte (no italiano 309 La tragedia della Shanghai Lady). A história decorre, como em todas as que participa O Mestre, num ambiente urbano. Neste caso é em São Francisco e vamos descobrir que O Mestre quer, usando os seus soldados invisíveis, contaminar a água da cidade, usando para o efeito um vírus que trouxe da Ásia (coincidências, diria eu). Para além da dupla de pards, vai ser derrotado com a ajuda de um grande amigo de Tex, o chefe da polícia, Tom Devlin. O Mestre acaba desfigurado pelo vírus, mas vivo.

Vemo-lo depois no Tex 348 (A volta do Mestre) e nos números seguintes (no italiano, Tex 435, Il retorno del Maestro) em que Tex e Kit Carson recebem a ajuda de Buffalo Bill, Annie Oakley e ainda do seu amigo xerife Nat Mac Kennet para enfrentar este perigoso inimigo que usa a sua arme de sempre: o vírus. Desta vez a ameaça paira sobre Nova Orleães e a trama é fantástica, como todas aquelas em que surge o Mestre. Para ler do princípio ao fim, sem paragens.

Mais recentemente, volta à carga no Tex 596 (A sombra do Mestre) e números seguintes (na edição original italiana n.º 696 L’ombra del Maestro), depois de ter escapado ao próprio enforcamento. Uma vez mais, a sua principal arma é a de sempre: as criaturas invisíveis, capazes de se expandir, lançar o pânico, contagiar e matar, tal como sucede com o Coronavírus. O cenário é agora Nova Iorque e a história é de perder o fôlego! Também aqui a ajuda de Buffalo Bill, Annie Oakley e até Pat Mc Ryan se revela essencial!

A ameaça do espaço

Agora que a terra está quase toda “desbravada” e mais ou menos conhecida, estamos a dirigir-nos para o espaço, a derradeira fronteira, mas existem ainda muitas dúvidas e medos, nomeadamente sobre possíveis, extraterrestres (que também aparecem em Tex, por exemplo no episódio Vale da Lua no Tex nº 17 da Editora Vecchi) doenças, microrganismos ou outras ameaças por nós ainda desconhecidas (veja-se o caso da Flor da Morte no Tex nº 65 da Editora Vecchi).

Em Tex 333 (Ameaça do espaço) e nos números seguintes (no italiano 420, La luce dallo spazio), tudo começa com um meteorito que cai sobre a terra (algo relativamente comum), mais concretamente em Good Water, que foi traduzido para Água Clara, um pequeno lugar às margens do deserto do Arizona, onde vive a família Mason, cheia de esperanças e ilusões num futuro melhor. Esse objeto vindo do espaço tem no seu interior microrganismos que contaminam um poço. Ao lado está um posto de trocas e um bando, liderado por Link Johnson, que ali se refugiara temporariamente, após um assalto ao banco de Silver Bell, acaba irremediavelmente contaminado. Depois, tornam-se em autênticos mortos vivos (se quiserem zoombies), com olhos a brilhar no escuro, uma força e resistência descomunais e um apetite monstruoso em que pontas aguçadas saem da barriga para se alimentar de outras vítimas, como sucede como uma pacífica tribo papago que é exterminada.

Verdadeiramente pavoroso e na senda do puro terror cósmico e fantástico que muitos apreciam, sendo que o desenho de Letteri ajuda e de que maneira, sobretudo nas cenas noturnas! Parece um verdadeiro filme, mas em papel! Nota mais também para Boselli!

Um aspeto curioso, quase premonitório para a situação atual, é que a forma de contaminação, aparte a possibilidade de se beber água do poço, é feita pelas vítimas da doença que conseguem “soprar” os esporos minúsculos e assim contaminar mais pessoas que se tornam hospedeiras do vírus. Percebem agora melhor a ideia das máscaras atuais como forma de tentar reduzir a contaminação?

Tex e Carson estão no encalço do líder da quadrilha que escapou e rapidamente percebem que é necessário travar o avanço dos mortos vivos que são “duros de morrer”, sendo a solução disparar para a cabeça dos pobres hospedeiros. Destaque ainda para o facto de até os animais serem contagiados, caso dos cães ou dos ratos que são usados como cobaias, tal como sucede na atualidade…

Ao mesmo tempo, tal como agora, começa a haver uma certa histeria geral em Silver Bell e as pessoas tomadas pelo medo agem irracionalmente, incluindo contra uma pessoa que se limitou a acender o cigarro e que pensam estar contaminada um pacato índio que encontram na rua! Nada de novo, veja-se a corrida aos supermercados e o “açambarcamento” de bens como máscaras, luvas e até papel higiénico!

Brilhante a ideia de introduzir um pouco de ciência e medicina mais avançadas: o médico local tem um microscópio que consegue identificar os pequenos microrganismos e defender que são parasitas vegetais, mas na história nunca chega a ser encontrada uma cura nem vacina! No final a solução, algo radical, é matar todos os portadores da doença (algo que, felizmente, não acontece nos dias de hoje), queimá-los e, por fim, destruir o poço de onde começou o surto que assim termina de uma vez por todas… ou talvez não, tal como agora!

Transpondo para o mundo real

O ser humano já resistiu e ultrapassou muitas situações difíceis. Sobreviveu a períodos de fome, de guerra, de doenças como a peste negra, a gripe espanhola e tantas outras. Aliás, estes episódios, mais ou menos trágicos, ajudaram a reforçar a nossa espécie como dominante, mas também nos mostram que continuamos vulneráveis, apesar de todos os avanços na ciência, na medicina, na tecnologia…

Com o recente surto do Coronavírus foi, pela primeira vez, mostrada a globalização em todo o seu esplendor e os riscos que acarreta. Aquando dos Descobrimentos, países como Portugal, Espanha e mais tarde outros, levaram para o Novo Mundo (nomeadamente o Continente Americano) uma série de doenças desconhecidas.

Estas ajudaram a dizimar milhões de indígenas (estudos apontam para cerca de 56 milhões), incluindo muitos dos índios que habitavam o universo texiano. Em particular, a varíola e o sarampo, já perfeitamente conhecidas na Europa e menos mortíferos, causaram verdadeiras tragédias nos organismos de pessoas que nunca tinham sido confrontados com tais doenças.

Com a Covid 19 a situação tem algumas semelhanças, mas felizmente os nossos conhecimentos são infinitamente superiores que naquela época. Globalizámos rapidamente o vírus, mas também mostrámos que somos capazes de agir conjuntamente, nomeadamente na partilha de informação sobre o mesmo, sempre com a direção da Organização Mundial de Saúde.

Que esta tragédia global sirva, apesar de tudo, para nos unir ainda mais, para mostrar a nossa solidariedade e resiliência e, já agora, para aprendermos com alguns dos erros que cometemos, nomeadamente na fase inicial da pandemia. Para nosso bem e para o das gerações futuras!

Aproveitemos também este tempo trágico, em que temos que ficar em casa até contra a nossa vontade, para irmos atualizando as nossas leituras texianas e aceitar que esta pandemia altera completamente a nossa vida e adia inesperadamente um sem número de atividades e eventos, onde se inclui até o 7.º encontro texiano anual em Portugal, que estava previsto para o Museu do Vinho Bairrada, em Anadia, nos dias 25 e 26 de abril.

Quanto a Tex, penso que não temos que nos preocupar! Vai continuar a ser capaz de descer ao inferno sem sequer se chamuscar! Ele é um herói e não tem que morrer!

Ainda uma curiosidade: no Norte Portugal, mais concretamente no Parque Nacional da Peneda Gerês, existe um local que se chama… Covide! Mais curioso ainda, existe, há muito tempo, uma placa indicadora a 19 Km de distância do mesmo. Se não acreditam… olhem para a imagem ao lado!

* Texto de Pedro Pereira publicado originalmente na Revista nº 12 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2020.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima e ao lado, clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Grande pesquisa, ótimo texto. Parabéns.
    É uma pena que a maioria dos leitores só enxergue a aventura em si (o Bang Bang) e não perceba tantas informações e posições e conclusões contidas nas histórias do Tex, como apontadas nessa matéria.
    Assim fosse, as vendas não estariam em alta constante.

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