Por Moreno Burattini*
Muitos, muitos anos atrás, decidi deixar de ser apenas um simples leitor de banda desenhada para, além disso, passar a escrever artigos sobre histórias aos quadradinhos. Por outras palavras, tornar-me num crítico da especialidade, num jornalista que entrevistava os autores, num histórico dos heróis do papel, ou ainda num colunista ou divulgador que se ocupava deles. Claro, sem parar de ler (na verdade, lendo cada vez mais para documentar-me). Tinha mesmo a ambição de escrever histórias aos quadradinhos e trabalhava arduamente para transformar esse sonho em realidade, mas isso é outra história (que teve um final feliz). Para já, continuemos a contar a história do jovem Moreno Burattini, aspirante a escritor.
Em 1985, com o objetivo vincado de dar vazão a esta nossa paixão pela banda desenhada, eu e alguns amigos fundámos um fanzine (uma revista amadora) chamado Collezzionare, em cujas páginas comecei a escrever os meus primeiros artigos. No nº 17, de dezembro de 1988, que tinha na capa um belo desenho de Fernando Fusco, foi publicado um dossier feito por mim intitulado Tex: dicono di lui. Tratava-se de uma análise dos livros de crítica dedicados a Águia da Noite durante os primeiros quarenta anos de cavalgadas (contados a partir de 1948), naquela altura ainda não tão numerosos como atualmente. Creio ter sido o meu primeiro artigo dedicado ao Ranger de Bonelli e Galleppini. Posteriormente, seguir-se-iam muitos mais.
De facto, foi mesmo a minha atividade de ensaísta texiano que me proporcionou o convite da Bonelli para ocupar-me dos resumos de todas as histórias, de modo a incluir os mesmos no site da editora, desde o primeiro número da série até aos números publicados até final de 2001. No decurso de trinta anos de atividade como ensaísta (uma carreira que continuo a manter com a de argumentista, como demonstra este mesmo artigo), colaborei também em diversas obras sobre o herói bonelliano das duas pistolas no cinturão. Hoje, quem queira escrever um artigo que refira todas as análises críticas publicadas sobre o Ranger, semelhante ao artigo com que me estreei, deverá citar várias vezes o meu nome: obviamente, estou orgulhoso desta minha infatigável atividade.
A primeira destas obras data de 1993 e intitula-se Tex: fumettografia illustrata completa, editada em Turim pela Multidea e coordenada por Salvatore Taormina, com uma capa de Fabio Civitelli. O coordenador, depois de ler o meu artigo sobre a análise crítica texiana pediu-me para o atualizar. Deste modo, compilei uma bibliografia crítica relativa a Águia da Noite que foi publicada nesta obra. Nesta altura, os pedidos para intervir na qualidade de “especialista” começaram a multiplicar-se.
Em 1994, foi publicada em Nápoles a obra Tex, tra la leggenda e il mito (Edizioni Tornado Press) coordenada por Pino Di Genua e Raffaele De Falco. Na capa, um desenho inédito de Claudio Villa. Neste caso, fui convidado para escrever um capítulo sobre o merchandising texiano, intitulado Trading Post (por sorte, naquela época os objetos a elencar ainda não eram tantos como hoje).
Quatro anos mais tarde, em 1998, chegaram os festejos dos cinquenta anos do Ranger e foram muitas as obras publicadas. Entre as quais, uma intitulava-se Cinquantex, das edições Lo Scarabeo de Turim. Pediram-me para voltar a escrever sobre merchandising: juntei o meu texto anterior e mergulhei na análise da filosofia da Sergio Bonelli no que respeita aos objetos comerciais ligados às suas personagens (um argumento difícil, um terreno minado). Este livro, coordenado por Giuseppe Pollicelli, é um dos mais válidos exemplos da análise texiana, conseguindo combinar uma rica e colorida parte iconográfica com uma substancial série de interessantes intervenções críticas que traçam o balanço de décadas brilhantes da vida de uma personagem que fez a história da banda desenhada italiana. A bela capa, da autoria de Ticci, e a apresentação de Sergio Bonelli, são apenas as entradas de um gostoso banquete à base de desenhos, inéditos ou pouco divulgados, dos autores do staff ou de vários artistas que desejaram prestar a sua homenagem a Tex por ocasião dos seu cinquentenário, assim como de artigos assinados por analistas muito reputados. Como por exemplo o caso de Goffredo Fofi, grande especialista de cinema, literatura e cultura de massas, que afirmou preferir a leitura de Tex a um escrito de Cotroneo (escritor, argumentista e realizador italiano). A obra publicou ainda quatro episódios de um Tex apócrifo realizados na Argentina, com o nome de Colt Miller, Julio Almada e Carlos Cruz (nada de excecional, mas com um valor documental).
Datado de 1998 é também o primeiro livro com o meu nome na capa (e nada mais, porque contém apenas um meu contributo): trata-se de uma biografia humana e profissional de Guglielmo Letteri, escrita com Stefano Priarone por ocasião de uma mostra dedicada ao desenhador romano, coordenada por Antonio Vianovi (que foi também o editor com a marca Glamour International Production), durante o festival Lucca Comics. Naquela altura, Letteri ainda se encontrava vivo (faleceu no final de 2006) e tive ocasião de o encontrar, fazer-lhe uma longa entrevista, conhecê-lo bem e receber da sua parte um atestado de estima e simpatia, antes, durante e depois da preparação do livro intitulado Guglielmo Letteri & Tex – Omaggio a un Maestro dell’Avventura. Com o aproximar do décimo aniversário do desaparecimento do desenhador, eu e Priarone propusemos a Allagalla juntar ao excelente livro de Roberto Guarino sobre a obra nizziana Tex secondo Nizzi, um outro título que pudesse dar seguimento a um verdadeiro catálogo dedicado aos principais autores de Águia da Noite, precisamente Tex secondo Letteri. A ideia era rever o texto do anterior livro, juntando-lhe novos contributos e amplos aprofundamentos, tendo em consideração o trabalho desenvolvido pelo desenhador romano entre 1998 e 2006. No final, o texto proposto tornou-se muito extenso, o dobro do anterior e do qual tínhamos partido. Allagalla não realizou apenas um grande trabalho gráfico, juntando ao ensaio um grande número de imagens (onde se incluem algumas fotos raras), mas também obteve autorização para publicar em apêndice duas bandas desenhadas de Letteri, realizadas antes da sua chegada a Tex, demonstrando no entanto a já grande maturidade do seu traço, a mesma que lhe valeu a entrada na equipa de Giovanni Luigi Bonelli e do seu filho Sergio.
Em 1998 sai também Tex, un eroe per amico, editado por Federico Motta. Tamanho e conteúdo dignos de volume enciclopédico, encadernação em couro com ornamentos a ouro impressos a quente, papel de alta gramagem, impressão perfeita, trabalho editorial notável e do maior profissionalismo, ilustrações a cores, grafismo excelente. Entre os autores figuram Gianni Bono e Leonardo Gori, que na realidade são os coordenadores. Inclui apenas um texto de ambos e que respeita ao período que precede a chegada de Tex, reconstruindo de que forma o mito do Oeste chegou a Itália e através de que heróis (principalmente Buffalo Bill e Kit Carson) é conotada a figura do cowboy, de quem Águia da Noite é originário. Após esta rica introdução, tudo o que se refere a Tex foi escrito por outros, que percorreram a personagem cronologicamente: Claudio Bertieri, Andrea Sani, Gianni Brunoro e eu próprio. A mim foi-me entregue a parte mais substancial, mais de vinte anos de história da personagem, a partir de 1976. Entreguei um texto e em troca recebi uma fantástica versão acompanhada de ilustrações extraordinárias e fotografias muito bonitas. É uma satisfação sentir que o que escrevemos é assim tão valorizado.
Prestigiante e muito cuidada do ponto de vista editorial foi também uma autêntica enciclopédia texiana escrita com Francesco Manetti intitulada Cavalcando con Tex, cinco volumes reunidos numa caixa, editados entre 1999 e 2000 pelas Edizioni Little Nemo de Turim. Trata-se de um emotivo dicionário de personagens e ambientes da saga de Tex Willer, e ousarei sublinhar que se trata sobretudo de um dicionário de imagens, mais do que de palavras. Imagens extraordinárias, porque nunca antes vistas, saídas das gavetas de um incrível colecionador de originais que desde há anos encomenda desenhos que retratam episódios de histórias texianas, apenas pela paixão em reviver as emoções suscitadas em si pelas aventuras de Águia da Noite desde que, em criança, descobriu o primeiro número em tiras. Este colecionador é Giovanni Battista Verger, feliz proprietário de mais de mil desenhos inéditos, para si realizados pelos melhores desenhadores bonellianos (Aldo Capitanio, Fabio Civitelli, Raffaele Della Monica, Fernando Fusco, Francesco Gamba, Pietro Gamba, Guglielmo Letteri, Raphaël Carlo Marcello, José Ortiz, Giovanni Ticci, Andrea Venturi, Claudio Villa). Através de uma tão rica iconografia para ser descoberta, esta obra permite percorrer, aventura após aventura, os encontros e os confrontos do ranger intemporal. Os meus textos e os de Manetti ajudam a explorar o fascinante universo texiano idealizado por Giovanni Luigi Bonelli e realizado graficamente por Aurelio Galleppini, e fazem-no dedicando um capítulo a cada história, com a apresentação de um dos protagonistas, umas vezes o bandido, outras vezes um dos amigos de Tex, ou ainda uma personagem secundária. Juntamente com o editor Sergio Pignatone e com os autores dos textos, Verger concebeu a obra como uma galeria de personagens, extraindo uma em cada história, escolhendo-as sem respeitar a sua importância na economia da narração, privilegiando a importância da memória. Talvez um velho bêbado, que numa história aparece apenas em vinte páginas, ocupe o mesmo espaço de um fora da lei, cuja ação se estenda por três álbuns. É justo que assim seja, porque as emoções não são suscitadas pelo número de páginas, mas pela eficácia das sequências. Um simples desenho pode arrepiar mais do que uma história inteira. E os calafrios não são, então, suscitados apenas pelas personagens, mas também pelos cenários, pelos ambientes, pelas atmosferas.
Da coleção Verger nasceram outros dois livros de prestígio. O primeiro, de 2010, intitula-se Il mio Tex e recolhe dezenas de magníficas ilustrações inéditas de Fabio Civitelli, cada uma com o meu comentário. O mesmo esquema repetiu-se em 2013 com L’avventura e i ricordi, obra que reúne desenhos e aguarelas de Giovanni Ticci, cada novamente com os meus comentários. Em ambos os casos o editor é Little Nemo de Turim, ou seja, Sergio Pignatone, um nome que é uma garantia de qualidade.
A propósito de Ticci, Giovanni Ticci, un americano per Tex é uma outra biografia dedicada a um dos mais representativos autores do staff de Águia da Noite, escrita com Graziano Romani e publicada em 2010 em Roma pela Coniglio Editore, com fotografias e ilustrações em grande parte inéditas.
Voltando ao tema, em 1999 a Mondadori de Milão (a maior editora italiana) chamou-me para fazer uma introdução ao livro Il passato di Tex (de Bonelli e Galleppini), uma obra que desde então foi sucessivamente reeditada na coleção Oscar.
Em 2004, para Sulle tracce di Tex, uma obra editada em Trento por EsaExpo, coordenada por Roberto Festi, que incluia ensaios de importantes especialistas, entre os quais Decio Canzio, pediram-me um contributo relativo aos Texoni, que compilei com entusiasmo intitulando The Big One.
Por outro lado, entre 2005 e 2007 foram publicados quarenta fascículos quinzenais, para serem reunidos num volume, escritos por mim e Graziano Frediani, juntamente com uma coleção de estatuetas que reproduziam as principais personagens da saga de Águia da Noite, chamado Il mondo di Tex (Hachette).
Finalmente, em 2011 a Panini de Modena publicou o disco de Graziano Romani My Name is Tex. Junto encontrava-se um livro de 48 páginas a cores que, nomeadamente, continha dois artigos meus: Four brave riders e Carson.
Parece-me que se alguém em Portugal quiser começar a traduzir tudo o que escrevi sobre o Ranger terá um longo trabalho para fazer.
* Texto de Moreno Burattini publicado originalmente na Revista nº 4 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2016.
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