Texto do jornal Diário “As Beiras” de 26 de Agosto de 2006
João Miguel Lameiras
Tex de Buzzelli finalmente em Portugal
Mais uma vez, a colecção Tex Gigante, da Mythos Editora, em que grandes nomes da BD mundial desenham as aventuras do famoso ranger da Editora Bonelli, volta a ser notícia nesta coluna graças à distribuição nas bancas nacionais de “Tex, O Grande”, o nº 15 desta colecção, que traz o italiano Guido Buzzelli como desenhador.
Um dos mais carismáticos desenhadores de “fumetti” (nome dado à BD em Itália), Buzzelli nasceu em Roma em 1927, numa família de artistas (o pai era pintor) tendo-se estreado artisticamente aos 19 anos na revista “Argentovivo” com “O Monge Negro”, uma história curta passada na Idade Média, dando assim início a uma prolífica carreira de autor de Banda Desenhada que duraria praticamente até à sua morte, em 1992. Se quisermos encontrar um termo que permita definir numa só palavra a carreira artística de Buzzelli, premiada em 1973, no Festival italiano de Lucca, com o “Yellow Kid” para o melhor desenhador, “dualidade” talvez seja o termo mais correcto, pois a sua produção autoral, de carácter mais pessoal, caracterizada por um toque fantástico em que se misturavam o surrealismo, o grotesco e a autobiografia, que lhe valeu o epíteto de “o Goya da Banda Desenhada” (numa alusão às semelhanças entre o traço nervoso de Buzzelli e as gravuras de Goya para a série dos “Caprichos”, também elas “sempre a meio caminho entre o real e o fantástico, entre o instinto e a razão” como refere Graziano Frediani na introdução a este Tex Gigante) coexistia com o desenhador de aventuras clássicas, em que o dinamismo do traço se aliava ao rigor da pesquisa, tal como o trabalho sombrio a tinta da china do desenhador de BD coexistia com a paleta aberta do pincel do pintor.
Os leitores portugueses tiveram oportunidade de apreciar estas duas facetas de Buzzelli, graças à publicação no nosso país de “Zil Zelub”, uma história surreal sobre um homem, com as feições do próprio Buzzelli, cujas diferentes partes do corpo se revoltam e adquirem vida própria, editada em álbum pela Editorial Presença em 1973; e de “Aiesha”, uma adaptação à BD do célebre romance “She”, de H. Rider Haggard, publicada na revista “Mundo de Aventuras” na década de 80. E mesmo a produção pictórica de Buzzelli já pôde ser apreciada pelo público nacional graças a uma exposição dedicada ao artista italiano, comissariada por Domingos Isabelinho e pela viúva de Buzzelli, que esteve no Palácio Galveias, em Lisboa, em 1995, no âmbito do último Salão Lisboa.
“Tex, o Grande” insere-se naturalmente na vertente mais grande público do trabalho de Buzzelli, que dá corpo, através do seu traço nervoso e pleno de dinamismo, a um argumento de Claudio Nizzi que está longe de primar pela originalidade. Primeiro volume da colecção “Tex Gigante”, inaugurada em 1988 para comemorar o 40º aniversário da criação do ranger Tex, a história deste “Tex, o Grande” centra-se na luta de um pequeno madeireiro que nas florestas do Oregon tem que lutar contra a cobiça de dois ricos proprietários, os irmãos Patterson, que estão dispostos a tudo para ficar com a concessão de Thompson, o que obriga o pobre madeireiro a pedir auxílio a Tex e Kit Carson. Ou seja, um tema clássico, já inúmeras vezes utilizado em centenas de Westerns, salvo pelo traço único de Buzzelli, a meio caminho entre o hiper-realismo e a caricatura, em que o movimento comanda a acção.
Mesmo que o papel, demasiado poroso, desta edição da Mythos, não seja o ideal para reproduzir os desenhos de Buzzelli, que assim perdem legibilidade, não é de perder esta oportunidade rara de (re)descobrir um dos grandes nomes da BD mundial ao serviço do mais popular herói dos “fumetti”.
(“Tex Gigante nº 15: Tex, o Grande”, de Claudio Nizzi e Guido Buzzelli, Mythos Editora, 242 pags, 8 €)
Copyright: © 2006 Diário “As Beiras”; João Miguel Lameiras
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