Por Hugo Pinto [*]
Tex – “Minstrel Show“, de Mauro Boselli e Marco Ghion

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É a partir deste tema, não muito explorado, que o argumentista Mauro Boselli desenvolve uma história que mistura ficção e realidade e que acaba por fazer uma reflexão profunda sobre as tensões raciais da época sem, no entanto, e felizmente, ser demasiado panfletária.
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Joey Nelson é um afro-americano amigo de infância de Tex. Depois de fugir das amarras da escravidão, Joey passa a integrar uma companhia de Minstrel Show enquanto músico, já que domina muito bem a guitarra. Ao contrário dos seus colegas da companhia, Joey Nelson não precisa de colorir a cara para parecer negro. Ele já o é de nascença. Eventualmente, alguém na plateia apercebe-se de tal facto, o que vai fazer com que a presença de Joey depressa cause tensões em plenos espetáculos, levando a que Joey Nelson acabe discriminado e ostracizado.
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Mas, claro, Tex Willer e Kit Carson acabam por interceder a favor do seu amigo. Entretanto, a trama intensifica-se quando na cidade de Lexington, no Missouri, ocorre um ataque por rebeldes sulistas liderados por Arch Clement e por Jesse James, o que leva Tex e Carson a terem que unir forças com alguns dos artistas do minstrel show para defender a cidade. Afinal de contas, em tempos de guerra os homens precisam ultrapassar os seus próprios preconceitos e antagonismos para o alcance de objetivos maiores.
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A amizade entre Tex e Joey serve, pois, como fio condutor para explorar as dinâmicas raciais e as injustiças enfrentadas por afro-americanos no Velho Oeste. Boselli constrói diálogos que evidenciam a hipocrisia e o racismo institucionalizados, desafiando o leitor a refletir sobre essas questões. Não de um modo de “cancelamento”, tão em voga nos tempos atuais, mas mais com o intuito de fazer compreender erros do passado para melhor podermos construir o futuro à nossa frente. Abordagem educativa que apreciei devido à sua maturidade intrínseca.
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À boa maneira de um livro de Tex, temos várias cenas de ação, com muitos tiroteios na clássica luta do bem contra o mal. Mas o que mais apreciei foi mesmo a capacidade do livro em nos induzir momentos de introspeção. São-nos dados de forma leve, mas não leviana. E nem sempre isso acontece nos livros de Tex onde, não raras vezes, as mensagens – mesmo tendo uma boa moral – são algo unidimensionais na forma e no conteúdo. Aqui não, o tema apresenta-se-nos com mais profundidade. Mesmo sendo através de um modo leve, repito.
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As ilustrações a preto e branco de Marco Ghion capturam com precisão a atmosfera do Velho Oeste. O traço detalhado e expressivo é elegante, conferindo profundidade e verossimilhança às personagens e aos cenários. O autor consegue brilhar quer em cenas de ação, com enquadramentos dinâmicos que transmitem movimento e urgência, que em momentos mais introspetivos e serenos, com a atmosfera cénica a ser retratada com beleza e permitindo que a narrativa possa acalmar antes ou depois de acontecimentos de maior ação.
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Destaque ainda para a forma eficaz como Ghion utiliza a luz, as sombras e os contrastes, criando uma ambientação que reflete a tensão e a gravidade dos eventos retratados. A escolha pelo preto e branco puro reforça o tom clássico da história, remetendo-nos para as origens do género western e da série Tex em particular.
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Em termos de edição, apreciei bastante o trabalho que A Seita nos dá nesta obra. O livro apresenta capa dura com um acabamento algo rugoso e agradável ao toque, que é diferente daquilo que normalmente encontramos nas edições portuguesas, e que me agradou bastante. Além deste detalhe, o livro tem bom papel baço no interior, boa encadernação e boa impressão. No início da obra, há uma nota introdutória de Mauro Boselli e, no final, há um dossier de extras com 6 páginas que reúnem uma entrevista feita a Marco Ghion por Mário Marques, uma coleção com vários esboços e estudos preliminares do ilustrador e as notas biográficas dos dois autores.
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[*](Texto publicado originalmente no blogue “Vinhetas 2020“, em 20 de Fevereiro de 2025)
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