SEM LIMITES PARA A AVENTURA

Por Jesus Nabor Ferreira*

Sempre que possível, o talento de Gianluigi Bonelli permitia-lhe ordenar os factos históricos ao serviço de uma boa ficção, criando tramas repletas de ação, perigos e aventuras, ligando situações imaginadas pela sua prodigiosa mente criativa a factos genuinamente verdadeiros da saga do oeste americano. Personagens históricas e eventos reais encaixavam-se em tramas orquestradas pelo mestre, para delícia dos seus leitores. As liberdades cronológicas que o pai de Tex se permitiu, ao criar diversas aventuras inserindo o Ranger em momentos da História Americana, sempre foram perdoadas pelos leitores, mesmo pelos mais exigentes, pois estavam ao serviço de uma grande saga aventureira.

Navios no deserto, hotéis fantasmas, monstros seculares, seitas misteriosas e civilizações perdidas, aliens, bactérias e vírus infecciosos, vindos da vastidão do espaço ou das entrenhas mais remotas da Terra, constituiam verdadeira matéria prima para Gianluigi Bonelli transformar estes elementos em explosivas e empolgantes aventuras que conduziram Tex e os seus amigos aos mais diversos cenários, sempre contando com os traços maravilhosos de tantos artistas fantásticos, que souberam dar vida ao que a imaginação do autor criava. Mas o talento de um grande autor também está no desafio em saber emocionar os seus leitores ao elaborar e criar uma história em poucas páginas.

As Incríveis Pequenas Grandes Histórias de Tex
Depois de abandonado o formato em strisce semanais (quando as aventuras eram desenvolvidas em tiras, as famosas revistinhas em formato talão de cheque com poucas páginas), onde a história avançava por várias semanas até à sua conclusão, as aventuras de Tex e dos seus pards passaram a ser publicadas no padrão de revistas que se mantém até hoje, conhecidas em Itália por Série Gigante (16 x 21 cm), com uma história a concluir-se em dois ou três números mensais de 110 páginas cada, chegando, por vezes, a quatro edições para se concluir uma única história, característica comum num autor como Gianluigi Bonelli.

No entanto, durante a longa publicação de Tex encontramos algumas aventuras que se tornaram muito especiais e queridas dos leitores e que, curiosamente, atingiram pouco menos de uma centena de páginas. Neste artigo, falaremos sobre algumas destas aventuras e das suas particularidades, permitindo aos leitores mais novos, ou até mesmo a nós, velhos perdigueiros, conhecer e relembrar estes pequenos grandes clássicos da saga de Tex, lembrando que tomamos como base a coleção mensal de Tex publicada no Brasil pela Editora Vecchi. Antes de nos debruçarmos sobre as aventuras em si, cabe apontar algumas curiosidades sobre esta série mensal da Vecchi, a qual, desde o seu primeiro número até à edição 39, publicou sempre uma aventura completa por revista. Foi somente a partir do número 40 que começaram as histórias desenvolvidas em duas, três ou até mesmo quatro edições mensais de 120 páginas cada. Outra curiosidade importante é que, neste período, os números 12 e 17 apresentaram, cada um deles, duas aventuras completas do Ranger.

Comecemos por uma aventura muito sui generis de Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini, Gli Sterminatori no original italiano, intitulada no Brasil como O Massacre dos Búfalos (Tex Série Mensal nº 17 Editora Vecchi), com apenas 50 páginas, mas que é um verdadeiro manjar para os olhos. Galep, como carinhosamente era conhecido o criador gráfico de Tex, experimenta nesta aventura um formato de composição de páginas diferente do tradicional modelo adotado nas demais edições, evidenciando toda a sua versatilidade e talento. São cenas de plasticidade e beleza, onde Galep abandona o padrão de três tiras por prancha e lança mão de diversos recursos gráficos, fazendo as figuras saltarem da página, oferecendo enquadramentos e ângulos inusitados para os leitores tradicionais do oeste clássico. Para aqueles que sempre disseram que o velho mestre era limitado, este trabalho mostra todo o talento e versatilidade do genial artista em vinhetas impressionantes. A história é bastante comum dentro do universo mítico do oeste selvagem: um grupo de caçadores de bisontes entra em conflito com as tribos vizinhas da reserva navajo, deixando um trilho de morte e destruição por onde passam, obrigando Tex e os seus pards a intervir para evitar uma nova guerra entre índios e militares. Com um roteiro enxuto, mas saboroso como sempre, Gianluigi Bonelli entrega em míseras 50 páginas um pequeno clássico do universo do Ranger, extremamente valorizado pela arte diferenciada de mestre Galleppini. Uma aventura que, inclusive, foi escolhida para ser republicada em Itália num álbum comemorativo dos 100 anos do nascimento do desenhador.

O Mistério do Vale da Lua (Tex Série Mensal nº 17 Editora Vecchi), no original La Valle della Luna, talvez seja a mais inusitada aventura de Tex em toda a sua saga. Pela primeira vez, Tex e Carson irão deparar-se com um ser fantástico, indescritível e com extraordinárias habilidades. Mais uma vez, Bonelli utiliza o seu talento de grande contador de histórias, para inserir no cenário do velho oeste elementos presentes nos enredos mais delirantes da ficção científica. Ao colocar Tex e Carson numa investigação de misteriosos eventos ocorridos no Vale da Lua, onde um amigo dos rangers obteve a concessão de uma mina, Bonelli e Galep apresentam a primeira aparição de um ALIEN nas tramas texianas, um ser misterioso, considerado pelos apaches como o Filho do Grande Espírito, e que se serve dos índios para a extração de um mineral desconhecido que causa a morte a quem o manipular. Tex, Carson e um grupo de mineiros entram em confronto com o misterioso ser, que utiliza armas nunca vistas ou imaginadas pelos nossos heróis. Com um final em aberto, esta é, com toda a certeza, uma das mais extraordinárias aventuras vividas pelo Ranger. Curiosamente, por ocasião dos setenta anos de Tex, também esta pequena aventura mereceu recentemente uma reedição em formato especial em Itália.

Em A Ferro e Fogo (Tex Série Mensal nº 12 Editora Vecchi), Una Audace Rapina no original italiano, encontramos uma típica aventura envolvendo assaltantes de bancos. Uma das mais movimentadas e eletrizantes aventuras protagonizadas pelos pards, onde o perigo e a morte rondam a todo instante Tex, Carson e Kit Willer. Mais uma vez, Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini apresentam, em poucas páginas (73), uma trama emocionante e explosiva (literalmente). Tex e os seus pards estão de passagem na cidade de Yucca Flat, ao mesmo tempo que Sam Tracy, Bill Cassidy e Red Curry, três dos mais perigosos e violentos membros da quadrilha de Frankie Dimayo e Harry Butch. Os facínoras assaltam o banco local, usando dinamite para abrir caminho e fugir da cidade. Tex e os seus amigos decidem ajudar o xerife local a capturar os fora da lei, no entanto, astuciosamente, os assaltantes separam-se para atrapalhar os seus perseguidores, não restando a Tex e aos seus aliados também se dividirem no encalço dos perigosos criminosos. Depois de muitas lutas e confrontos, Tex acabará por descobrir o local de encontro dos três assaltantes, um velho pueblo abandonado, onde irá acontecer o duelo final. Apesar de se assemelhar a mais uma das muitas histórias tradicionais da mitologia do velho oeste – a perseguição a um bando que assalta o banco de uma cidade – esta pequena trama é carregada de emoção e adrenalina, com os bandidos a colocar os nossos heróis perante uma morte certa. Mais uma pequena grande jóia no imenso baú de tesouros da dupla Bonelli/Galleppini.

Por fim, chegamos a uma das melhores e mais sangrentas aventuras curtas, mas não tão curta, do  panteão das histórias clássicas da saga do Ranger, sempre da autoria da dupla Bonelli/Galep: A Batalha dos Vingadores (Tex Série Mensal nº 39 Editora Vecchi). Trata-se de um número especial, pois é a primeira vez que Tex não protagoniza a capa, substituído pela figura de um chefe apache, empinando o seu corcel numa clássica pose de guerra junto à entrada de um forte, uma capa emblemática que reflete bem a trama das suas sangrentas páginas. Tex, Kit e Jack Tigre são esperados na aldeia central dos navajos pelo major Kit Carson com uma espinhosa e difícil missão: alertar as diversas guarnições e os rancheiros da região sobre a revolta apache, liderada pelo impiedoso chefe Rayakura, e tentar reuni-los em Forte Whipple. Mesmo sabendo de todos os riscos, Tex aceita a tarefa e põe-se na trilha dos apaches.

Logo no primeiro confronto com os índios rebeldes, os nossos amigos encontram duas personagens que terão um papel importante neste drama: o veterano caçador de peles Puzzy John e o menino Dick Hammer, único sobrevivente do ataque brutal de Rayakura ao rancho da sua família, passando ambos a acompanhar os quatro pards. Escapando de emboscadas engendradas pelos índios, os Rangers tentam a todo custo avisar um dos postos avançados do perigo que está para cair sobre eles, pois Rayakura dirige-se para o local acompanhado de duas centenas de índios enfurecidos. Sendo manifestamente impossível Tex e os seus amigos alcançarem a fortificação antes dos índios, através de mensagens codificadas os pards avisam os militares da eminente chegada dos índios. Carson informa que tem ordens expressas para que todos abandonem a fortificação, no entanto, infelizmente o comandante do posto não aceita receber ordens do Major Carson, a menos que entregues pessoalmente. Como tantos outros, o jovem comandante do posto demonstra ser o típico militar fanático recém formado da Academia. Sem nenhuma experiência prática, o militar rege-se cegamente pelo regulamento e, por conta do seu caráter intransigente, irá colocar a vida de todos os seus comandados em perigo mortal. Mesmo assim, não se pode negar a bravura e a habilidade do jovem capitão, o qual, ao longo da aventura, irá dar mostras destas suas qualidades. Para dar vida à sua personagem, Galep serve-se da figura icónica do ator norte-americano Henri Fonda, apresentado em Forte Apache de John Ford, realizador cujos filmes servirão de inspiração para a criação de alguns argumentos para as aventuras de Tex, algo de que falaremos noutra ocasião.

A Batalha dos Vingadores está entre as minhas aventuras preferidas de todos os tempos de Tex. Creio que, pelo facto de tê-la lido ainda quando criança, possivelmente tenha ficado fortemente impressionado com a fúria deste bando de apaches e com a figura do seu cruel líder Rayakura. Trata-se, claro está, de um roteiro bastante comum sobre o tema de conflitos entre militares e Índios, ao estilo dos melhores filmes de western do cinema americano, com todos os elementos que fizeram deste filão um dos mais apreciados pelos leitores. Bonelli e Galep apresentam uma grande aventura repleta de situações de perigo, drama, coragem, sacrifício e também de emoção. Talvez uma das mais cruas e violentas dos primeiros tempos da série.

Estas aventuras são, em minha opinião, merecidamente chamadas pequenas joias, da imensa coleção de preciosidades produzidas pela dupla Bonelli/Galep, provando que, efetivamente, os pequenos frascos podem conter os melhores perfumes!

* Texto de Jesus Nabor Ferreira publicado originalmente na Revista nº 8 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2018.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)

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