Por Mário João Marques *
Evolução da Série
Desde que Boselli assumiu o papel de curador da série que temos vindo a assistir, de modo mais ou menos gradual, a algumas evoluções que importa registar. Em 2014, Boselli manteve o estatuto de autor com mais histórias, mas é no início do ano, com El Supremo e Il Prigioniero di Yuma, que apresenta os seus melhores trabalhos, mais pela evolução que estes imprimem à série do que propriamente pela originalidade dos argumentos.
Girando em redor do auxílio prestado por Tex e os seus pards ao mítico e romântico Montales, El Supremo parece ser um regresso às origens bonellianas, um recuar até ao tempo em que o criador de Tex nos oferecia aventuras plenas de ação, de ambientes e de um imaginário de personagens capaz de sobreviver ao longo de décadas. Para regalo do leitor, esta aventura vai passar sucessivamente pela Baixa Califórnia, na fronteira com o Arizona, por San Diego (na Califórnia), pelo deserto de Altar no México, por uma ilha perdida e quase inexpugnável no Pacífico ao largo da Baixa Califórnia, e ainda por São Francisco, palco de tantas aventuras memoráveis, recuperando toda a panóplia e fina flor bonelliana que vive na grande cidade, como Tom Devlin, Mike Tracy, Lefty Potrero, Bingo e Angelo.
A acompanhar este elenco de luxo de convidados, existe toda uma galeria extensa de personagens, umas naturalmente mais decisivas que outras, com destaque para Donen e Mike, inicialmente do mesmo lado da barricada, mas que os acontecimentos e as contingências da aventura rapidamente vão colocar em lados opostos. Com um final aberto em relação a ambas as personagens, Boselli deixa margem de manobra para que possam reaparecer em futuras aventuras, existindo assim uma estratégia de continuidade que o autor parece adotar e que passa por dotar a série de um conjunto de personagens capazes de serem identificáveis pelo leitor.
Apesar de algum excesso de diálogos em determinadas passagens, El Supremo apetece ler e reler, apreciar um detalhe antes despercebido, compreender o ambiente histórico, o enquadramento social e político, as reais motivações das personagens, mas sobretudo reter as caraterísticas evolutivas que Boselli parece querer impor para a série: Kit Willer e Jack Tigre assumindo um protagonismo que muitas vezes falta; novas personagens que deixam a ideia de não abandonar definitivamente o “palco” e poder vir a regressar no futuro; um argumento que, ao apresentar uma plenitude de situações e ambientes, não se limita a uma aventura de puro oeste, passando também por outros registos.
A estratégia de continuidade acima assume outros contornos em Il Prigioniero di Yuma, porque desta vez Boselli junta duas personagens por si criadas, Durango em Terre Maledette e Kid Rodelo em I Sette Assassini, cujas origens remontam a diferentes aventuras, ligando-as por um laço familiar que todos estaríamos longe de imaginar. Esta estratégia, como atrás referido, acaba por criar laços de identificação para com o leitor, conferindo uma certa continuidade e coerência. Se G.L. Bonelli foi capaz de criar um imaginário, rapidamente aceite e assumido pelos leitores, Boselli parece acreditar na mesma fórmula como ponto de uma estratégia evolutiva pretendida.
Outro traço evolutivo a considerar prende-se com o tratamento dado a determinadas caraterísticas da série, encontrando-se bem evidente no modo como em Il Prigioniero di Yuma Boselli sublinha a eterna dualidade entre a justiça da lei e a lei da justiça. Ao longo das páginas, Tex é confrontado e depara-se com o dilema em ter que decidir qual a melhor e mais justa decisão a tomar perante um grupo de três irmãos que assalta bancos e mata a sangue frio, quando a tal obrigados. Será que os atribulados acontecimentos do seu passado justificam a conduta presente e os anseios de vingança dos jovens? Será a justiça da lei, que levará o grupo até à barra dos tribunais e porventura à pena capital, o desenlace mais justo? Neste sentido, esta é uma daquelas aventuras que o leitor é levado, por força dos acontecimentos, pela personalidade dos intervenientes ou pelos motivos que movem a sua conduta, a torcer por quem não está necessariamente do lado certo da lei. Já na mítica aventura Caçada Humana de Guido Nolitta, ao conduzir um jovem acusado até um juiz, Tex vai gradualmente mudando a sua opinião em função da força dos acontecimentos e do julgamento que, ao longo da aventura, vai fazendo do jovem. A aventura, ainda hoje considerada por muitos como a melhor de sempre, marcou uma geração de leitores e apresentou um Tex diferente, puramente nolittiano, um Tex que duvida e cuja ação não se reduzia a impor a lei.
Nesta aventura de Boselli, Tex também manifesta as mesmas dúvidas, assume o mesmo comportamento, analisa a situação e interroga-se legitimamente sobre o real valor da lei dos homens quando esta não serve a justiça, afinal e desde sempre, o principal valor para Tex. Há, no entanto, uma diferença fundamental, porque este Tex que Boselli nos apresenta não vai decidir sozinho, vai ouvir a opinião dos outros pards e por isso parece adquirir uma nova caraterística. Este Tex aceita a vontade da maioria, mesmo que contrária à sua. Este Tex certamente que também duvida, mantém as suas convicções, continua a seguir os seus instintos, mas adquire outros contornos quando deixa de alguma forma de concentrar em si mesmo a decisão final, fazendo-a depender de prévia discussão e de uma “vontade colegial”.
Não deixando de admitir que uns possam considerar ser esta uma postura “historicamente” inaceitável e que se afasta dos cânones bonellianos, acredito que nesta abordagem de Boselli residirá muito do interesse que a personagem continua a irradiar. Será que as séries e os heróis são imutáveis? Será que o próprio Sergio Bonelli/Guido Nolitta estava errado quando abordou a personagem de modo diferente da do seu pai? Essa visão porventura impediu-o de escrever algumas das melhores aventuras de Tex? Creio, no fundo, que muito da habilidade de Boselli está bem patente nesta evolução que vem impondo, já que, ao manter as principais caraterísticas da personagem, o autor não hesita em introduzir alterações capazes de a adaptar às novas realidades e aos novos tempos.
Outros Trabalhos, Outras Abordagens
Depois de excelentes trabalhos em séries por si idealizadas e criadas, como Demian ou Cassidy, ou noutras, onde se mantém como um dos argumentistas, como Dylan Dog, Pasquale Ruju tem vindo a assumir em Tex um papel cada vez mais importante e sobretudo apreciado pelos leitores. O autor tem vindo a provar ser um valor seguro na série, não só pelas ideias fortes que consegue transmitir nos seus argumentos, pelo equilíbrio com que articula e organiza as aventuras, pela capacidade de alternância da ação entre diferentes ambientes e personagens, mas sobretudo no modo e na forma como consegue construir personagens fortemente caraterizadas para enfrentar Tex.
Em Furia Comanche, a personagem de Wasape sublinha e comprova esta habilidade do autor, já que, ao tornar-se num guerreiro imortal, pelo menos aos olhos de alguns, a personagem assume contornos fantásticos e uma força que vai para além do racional, dificultando a ação e o papel de Tex.
Também L’Orda del Tramonto, aventura publicada no Tex Gigante do ano, apresenta um adversário bem definido e caraterizado na figura de Vladar. Alto, forte, rápido e certeiro no gatilho, com uma notável capacidade em ver na escuridão, Vladar é um antagonista interessante do ponto de vista da construção da personagem e dos motivos que movem a sua ação, o amor e a paixão por uma mulher, afinal algo que o levará à derrota final.
Esta aventura é ainda interessante do ponto de vista da sua preparação e da atmosfera desenvolvida. Podia ter sido uma aventura de Dylan Dog ou de Dampyr, mas afinal Tex e Carson são os protagonistas de uma história escrita por Ruju propositadamente para o traço gótico de Corrado Roi, artista muito apreciado em Itália e um dos pesos pesados da Sergio Bonelli Editore, onde já desenhou quase todas as personagens.
Conhecedor do talento de Roi (com quem trabalha em Dylan Dog) para determinados ambientes e atmosferas, Ruju escreveu uma aventura fora dos cânones da série, assumindo um risco perfeitamente definido, já que podia ir contra as expetativas dos mais conservadores. Por isso, para quem aguardava por um western clássico com muitos cowboys, tiroteios, xerifes, saloons ou extensas pradarias, desiluda-se, porque o leitor vai encontrar-se perante uma aventura de traços góticos.
Já Tito Faraci parece estar a perder alguma força. O próprio autor, ao afirmar ser muito difícil escrever para Tex, parece acusar esta debilidade. Não partilhando da opinião de alguns, que acusam Faraci de ainda não ter escrito uma grande história para Tex, mesmo assim sou levado a considerar que os seus últimos trabalhos pecam por alguma consistência, porque o autor tem vindo ultimamente a privilegiar a ação em detrimento da trama.
Nem sempre foi assim, no início com Il Sceriffo Indiano, por exemplo, Faraci construiu a sua melhor aventura de Tex, sobrepondo os relacionamentos humanos e a espessura psicológica das personagens à ação, sem descurar esta. Mesmo uma das aventuras seguintes l’Uomo di Baltimora, onde se estreou Giovanni Bruzzo, parece ser interessante, construindo uma personagem, na figura um lord inglês em busca de aventura, que testemunha, através da sua escrita e do seu desenho, vários episódios do oeste americano.
Ciente da dificuldade em escrever para Tex, Faraci tem vindo desde então a optar por uma receita que já deu mostras de sucesso, apresentar um ranger infalível, muito interventivo, liderante, uma certa forma do próprio autor se proteger perante os mais exigentes. Faraci acredita assim ter encontrado um refúgio, uma base que lhe permita meter o pé em terreno seguro. Apesar de escrever aventuras agradáveis, como é o caso de L’Indomabile, faltará dar um passo em frente, o passo seguinte, o salto qualitativo que prometeu nos primeiros trabalhos, assumindo o seu modelo para Tex sem desvirtuar as principais caraterísticas da personagem. Talvez por isso, talvez ciente disso, o autor assuma a sua dificuldade em escrever para Tex.
Um Grande Civitelli e uma Grande Estreia
Num ano onde registamos a ausência de desenhadores consagrados como Giovanni Ticci, Andrea Venturi, os irmãos Cestaro ou Corrado Mastantuono, Fabio Civitelli fez as “honras da casa”, ao apresentar mais um excelente trabalho, assim como assistimos à estreia na série de um valor seguro, Maurizio Dotti.
Assumindo aqui a minha admiração pelo autor e pela pessoa, Civitelli regressou em força com mais um trabalho de evidente profissionalismo, permanente vontade em explorar novos caminhos e experimentar novas fronteiras gráficas, com um resultado final de elevada qualidade. O desenhador aretino é desde há anos um dos valores seguros e firmes do desenho italiano e um verdadeiro embaixador da série. O seu traço realista e elegante de grande qualidade, assim como o tratamento de ambientes, tudo é insuperável em Civitelli. O trabalho em Delta Queen, que explora desta vez os ambientes fluviais, faz justiça ao que de melhor o autor tem apresentado, mesmo levando em linha de conta o facto de não ter utilizado com tanta frequência o seu célebre pontilhismo, adotando fundos mais ligeiros e menos elaborados, devido à necessidade de posterior colorização.
2014 foi também o ano de estreia em Tex de outro grande desenhador: Maurizio Dotti, que já tinha tido uma passagem fugaz pela série quando, com Alarico Gattia, desenhou Glorieta Pass para o Almanacco del West 1998.
Habituado a ambientes muito concretos e definidos em Dampyr, Dotti revela nesta nova fase toda as suas potencialidades, confirmando ser um desenhador de enorme talento. E isso torna-se mais evidente e motivo de realce pelo facto do caderno de encargos de Boselli em El Supremo ir muito além do expetável para um desenhador recém-chegado à série. Dotti tem que enfrentar diferentes situações, uma extensa galeria de personagens, mas sobretudo tem que desenhar muitos e diferentes ambientes. Em tudo revela um enorme virtuosismo, uma enorme capacidade de recriação, um domínio quase perfeito das personagens, deixando aqui um trabalho de grande superação gráfica. Quer nos ambientes de puro oeste com paisagens áridas e agrestes, noites fustigadas pela chuva, fortes militares, tabernas ou mesmo o mosteiro logo na cena inicial, quer nos ambientes citadinos de São Francisco, divididos entre a elegância do urbanismo da cidade e os locais mais recônditos, envoltos num manto de nevoeiro noturno, para terminar no épico combate na ilha de El Supremo, Dotti revela ser um desenhador de traço realista e elaborado que joga muito com os efeitos entre o claro e o escuro e que prefere os enquadramentos menos clássicos, compondo cenas onde as personagens surgem dos mais diversos ângulos e perspetivas. A sua composição dos quatro pards parece quase conseguida e definitiva, com notáveis Kit Willer e Jack Tigre, faltando apenas aperfeiçoar o seu Tex, cujo modelo, se bem que imponente, parece ainda não estar completamente definido pelo autor.
Sem deixar de referir os desenhadores das aventuras curtas, publicadas em Color Tex, Giampiero Casertano, Sandro Scascitelli, Nicola Genzianella e Stefano Biglia, este último com a melhor prestação, aponto baterias para os restantes trabalhos, os quais foram apresentados por autores de diferentes origens, os espanhóis Alfonso Font e José Ortiz (cujo desaparecimento nos referimos mais à frente), o argentino Ernesto Garcia Seijas, o cubano Orestes Suarez e o italiano Corrado Roi.
Alfonso Font parece predestinado a desenhar excelentes aventuras texianas, muito por força dos argumentos de Boselli, quase sempre de elevada qualidade e que Il Prigioniero di Yuma veio, mais uma vez, demonstrar. Não é verdadeiramente um desenhador de traço elaborado, por vezes é mesmo acusado de um traço algo caricatural e que tende a ser sintético, mas a verdade é que, aprecie-se ou não o estilo, o autor espanhol consegue ser sempre eficaz na construção de ambientes e compor trabalhos com uma atmosfera de western puro.
Por seu lado, Ernesto Garcia Seijas parece ter cimentado o seu lugar na série, sendo Furia Comanche a sua sexta aventura, mantendo assim um ritmo de publicação que apraz registar. Num trabalho isento de falhas, o autor parece ter abandonado em definitivo a caraterização de um Tex muito sorridente e pouco consentânea com a imagem mais dura, incisiva e cínica do ranger bonelliano. Aquele Tex assemelhava-se muito aos cowboys dos velhos e clássicos seriados americanos, onde os heróis adotavam sempre uma postura mais romântica. Seijas vai definindo e aperfeiçoando o seu Tex, desenhando-o mais de acordo com as caraterísticas que lhe deram fama.
Desenhador que domina a construção de ambientes e a caraterização das personagens, revelando estar à vontade no western e apresentando páginas de enorme detalhe, Orestes Suarez falha contudo na composição do ranger, apresentando um Tex granítico, incapaz de demonstrar emoções e sentimentos.
Depois de ter desenhado muitas das personagens da Sergio Bonelli Editore, Corrado Roi, que já tinha realizado uma interpretação pessoal de Tex no portfolio I Volti Segreti di Tex, publicado em 1993, afirma ter chegado ao topo da extensa lista com este seu trabalho em L’Orda del Tramonto, aventura precedida de muita curiosidade.
Muito apreciado sobretudo pela notável capacidade em que consegue construir ambientes de uma grande riqueza crepuscular e por um estilo gráfico inconfundível, creio no entanto que semelhantes elogios serão sempre mais justificados no Corrado Roi ilustrador do que propriamente no desenhador. As capas feitas, sobretudo para Dylan Dog, revelam um autor dotado no tratamento das cores escuras e que consegue retratar a contento personagens e ambientes, talento que não sobressai da mesma forma quando chamado a compor cenas sucessivas, onde parece faltar um certo dinamismo e onde algumas personagens se assemelham muito entre si.
Mais à vontade nos ambientes escuros e lúgubres, nem sempre o trabalho do autor assume o mesmo nível e harmonia ao longo das páginas de L’Orda del Tramonto, onde toda a cena final, quando Tex e Carson enfrentam Vladar no escuro, parece ser o seu ambiente de eleição e onde Roi acaba por exaltar mais as suas qualidades.
Obrigado Senhor Ortiz
Apesar do último trabalho de José Ortiz só vir a ser publicado no Maxi Tex de 2015, L’Indomabile deixa mesmo assim um certo simbolismo, já que a sua publicação surge poucos meses após o falecimento do autor. Depois da sua estreia em 1993, com a aventura O Grande Roubo, Ortiz nunca mais deixou de trabalhar para Tex, o que permitiu ao autor, e apesar da idade, desenhar ainda várias aventuras e permanecer na história da série como um dos seus mais importantes desenhadores.
Ortiz desenhou páginas intensas em aventuras inolvidáveis: o já referido O Grande Roubo, mas também Os Assassinos de Lincoln (que marcou a sua estreia na série normal), Rumo a Forte Apache, O Trem Blindado, O Ouro dos Confederados ou ainda O Caçador de Fósseis, estas três últimas aventuras escritas por Antonio Segura, igualmente espanhol e também recentemente desaparecido.
O seu Tex, decalcado do modelo ticciano, sempre foi cínico e duro, imponente em páginas plenas de negros intensos, uma caraterística do autor que sempre dividiu os leitores, conferindo-lhe uma imagem de marca que muitos chegaram a apelidar de estilo porco, sem que esta classificação contenha em si alguma conotação negativa. Por outro lado, as suas personagens sempre foram vincadas na sua construção, muito maniqueístas, na medida em que rapidamente o leitor as identificava e rotulava com a sua própria natureza e com o papel que desempenhavam na ação. No entanto, desde há alguns anos que o seu traço acusava o passar do tempo, não apresentando a segurança e o detalhe que fizeram de Ortiz um autor muito apreciado no panorama da banda desenhada internacional.
Em jeito de homenagem, Boselli escreveu que o western é feito de sangue, suor e muita pólvora, onde a dura lei da natureza convive permanentemente com a liberdade dos grandes espaços. Os homens deste velho oeste devem ser duros e monumentais e Ortiz foi um dos artistas que soube captar e caraterizar bem esta verdadeira atmosfera e estas personagens. Nem mais!
Color Tex – Laboratório Experimental?
Inicialmente de periodicidade anual, o Color Tex passou entretanto a semestral, alternando números com aventuras mais extensas, desenhadas geralmente por um autor da equipa regular, com outros números onde se publicam quatro pequenas histórias, desenhadas por autores externos à série. Desta forma, a Sergio Bonelli Editore adotou uma política que constitui um marco na vida editorial da série, uma vez que, pela primeira vez, uma publicação de Tex apresenta exclusivamente histórias completas. Não é a primeira vez que os leitores de Tex têm o prazer de ler histórias mais curtas do ranger, mas os trabalhos anteriores de Galep, Ticci ou Civitelli tinham sido apresentados de forma isolada, nunca em seguimento de alguma opção editorial.
Diferenças também no papel utilizado e na colorização adotada, as aventuras mais extensas publicadas no papel habitualmente utilizado pela editora, com uma colorização mais uniforme, elementar e conservadora, alternando com os números que apresentam as aventuras curtas em papel couché brilhante, com uma colorização mais viva e moderna, sem que isso signifique uma melhor qualidade.
A Sergio Bonelli Editore parece ter aqui um desafio, não efetuar uma transição radical do preto e branco para a cor, numa série com décadas, sem ferir os mais puristas. Certamente que Tex não deixará de ser uma série fundamentalmente a preto e branco e apreciada por isso mesmo. No entanto, isso não invalida que a editora não possa e não deva adotar estratégias e políticas tendentes a conquistar novos leitores e outros nichos de mercado, seja por via de projetos editoriais específicos, como a parceria com os jornais La Repubblica e L’Espresso, seja por continuar a publicar aventuras a cores em cada número centenário da coleção principal ou através de novas coleções como este Color Tex.
Vejo com toda a naturalidade o caminho que a Sergio Bonelli Editore está a trilhar, o qual poderá ser mais ou menos longo conforme seja a resposta do mercado, mas sobretudo quais os ensinamentos a recolher deste laboratório de experiências que, no fundo, parece-me estarmos a assistir. A atmosfera de Tex, caraterizada por ambientes puros, poeirentos e que vive muito da caraterização da natureza e dos grandes espaços, estará mais ou menos preservada e defendida consoante a escolha do papel, o tipo de colorização e sobretudo do trabalho dos desenhadores, que deve ser previamente preparado em função e tendo em atenção a sua posterior colorização. Por exemplo, em entrevista concedida a propósito do seu trabalho em Delta Queen, Civitelli veio afirmar o cuidado que teve em não utilizar com tanta frequência o seu célebre pontilhismo, adotando fundos mais ligeiros e menos elaborados, devido à necessidade de posterior colorização da aventura.
Há ainda um ponto que me parece importante sublinhar e que se refere especificamente à opção por publicar aventuras mais curtas. Sempre tive preferência por aventuras mais extensas que permitam aos autores estenderem ação e personagens com maior desenvolvimento e densidade. Tex é uma série que vive muito dos tempos da narração e dos grandes espaços do oeste. Aventuras plenas de diálogos, sobretudo entre Tex e Carson, que se desenrolam em vários cenários, são uma das imagens de marca da série. De certa forma, as aventuras mais curtas não permitem o mesmo desenvolvimento, apelando antes a um maior impacto da ação, intensidade constante, outra capacidade para os autores poderem de algum modo surpreender o leitor. Numa linguagem bem própria, os autores têm que jogar rapidamente todos os seus cartuchos, o que por vezes não conseguem.
Não quero com isto dizer que esta opção editorial não tenha ou não possa vir a conquistar o seu espaço, muito pelo contrário, acho que é uma aposta da Sergio Bonelli Editore que tem tudo para dar certo. Tex é a série que iniciou a bem sucedida aventura editorial da Bonelli, é a série que mais vende, uma imagem de marca editorial e, por tudo isso, esta aposta tem tudo para dar certo. Permitirá apreciar o trabalho de desenhadores fora do staff normal da série, permitirá ver o herói em aventuras menos densas e com tempos mais concretos, apresentando-o dessa forma em registos menos habituais.
As Pinturas de Villa
E não nos esqueçamos das magníficas capas de Claudio Villa. Creio que 2014 foi mesmo um ano de excelente “colheita” neste aspeto. Repare-se em Delta Queen, com uma verdadeira pintura de um Tex em primeiro plano, atuante, perfeitamente enquadrado perante as águas do Mississipi iluminadas pelo luar e onde navega um luxuoso Delta Queen. Detenhamo-nos na primeira e na última capa da aventura El Supremo ou na de L’Indomabile, para por fim apreciar aquelas que considero serem as melhores, as duas capas que Claudio Villa compôs para Il Prigioniero di Yuma. Se a primeira retrata Tex e Carson perante a campa do casal Rainey, em busca de respostas que escasseavam, a segunda capa revela uma inovação na série normal, já que, pela primeira vez, retrata duas situações diferentes no tempo e no local, contemporaneamente presentes.
Nota: As aventuras Il Ricatto di Slade (de Tito Faraci e Giovanni Bruzzo), La Stirpe dell’Abisso (de Mauro Boselli e Alessandro Piccinelli) e L’Avamposto dell’Infamia (de Pasquale Ruju e Roberto Diso), foram publicadas em Itália já após a escritado presente artigo, pelo que os comentários aqui feitos não tiveram em consideração as mesmas.
* Texto de Mário João Marques publicado originalmente na Revista nº 1 do Clube Tex Portugal, de Novembro de 2014.
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