REFLEXOS AMERICANOS

Por Júlio Schneider*

Tex, com o nome de Águia da Noite, tornou-se chefe dos índios navajos de forma legítima, devido ao seu casamento com a filha do então chefe Flecha Vermelha e, depois da morte deste, ter sido eleito pelo conselho de todos os anciões para o lugar do finado sogro. Homem honesto e corajoso, várias vezes salvou os navajos de grandes e graves dificuldades, e, graças à sua atuação, o grupo étnico viveu os seus melhores anos. Tudo isso é muito justo e com isso todos concordam, porém, Tex é um cara-pálida e passa boa parte do seu tempo longe de casa (ou seja, fora da reserva), ocupado em debelar ações criminosas perpetradas por patifes brancos por todo o Oeste, no Canadá, México e além, ou envolvido em questões com índios de várias tribos que não têm nenhuma ligação com os navajos.

Com isso tudo, como é que nenhum navajo jamais pensou em questionar a posição de Tex, em colocar em dúvida o facto de ser chefiado por alguém de fora que nem sempre está presente? É o que se vê na aventura Sinistros Presságios, uma das mais marcantes tramas da saga do herói, na qual o autor Gianluigi Bonelli introduz um filho secreto do velho chefe Flecha Vermelha, um jovem chamado Sagua que, instigado por Zhenda, a sua mãe-bruxa, participa numa revolta com o objetivo de colocar em discussão a legitimidade de Tex à frente da nação navajo.

Publicada originalmente em Itália em 1965 (republicada em 2020, em língua portuguesa, pela Mythos Editora, a casa brasileira de Tex, nos volumes Tex em Cores n° 42 e 43), é uma história texiana com grande variedade de estilos gráficos, em que Aurelio Galleppini fez o lápis, com a arte-final de Raffaele Cormio em alguns desenhos, e em outros contou com a participação dos parceiros Virgilio Muzzi e Francesco Gamba – embora nos créditos oficiais constem somente Galep e Gamba como desenhadores. Além de toda esta equipa artística, os desenhos ainda contaram com reflexos de uma BD publicada anos antes do outro lado do Atlântico, obra de dois autores italianos, um já consagrado e outro um futuro mestre: Alberto Giolitti e seu jovem aluno Giovanni Ticci. A imagem com três quadradinhos vista acima, é de uma página da revista Man From Wells Fargo n° 1287, datada de fevereiro de 1962, publicada pela americana Dell Comics, e nela se veem duas imagens que se assemelham a passagens da história texiana, que também reproduzimos aqui.

Não nos é dado saber se o trabalho de Giolitti e Ticci serviu de base ou de inspiração a Galep e companhia, ou se teria sido o próprio G. L. Bonelli a sugerir aos desenhadores certos enquadramentos. Mas é até possível, visto que o criador de Tex era ávido leitor das revistas importadas dos EUA por um quiosque do centro de Milão, e até o índio da edição americana, Red Cloud, lembra um pouco o gigante Sagua. Seja como for, mesmo que assim tenha sido, tal situação não configura, em hipótese alguma, demérito aos autores de Tex, longe disso, trata-se apenas de um facto curioso.

Ademais, costuma-se dizer no meio artístico que um dos parâmetros da boa qualidade de uma obra é o facto de servir de inspiração para outros artistas, e isso ocorre com pinturas, filmes, canções e, claro, banda desenhada. Ainda no caso específico de revistas de BD western, também há incontáveis capas cujas cenas repetem-se em séries das mais variadas personagens, e essas, por sua vez, espelham-se em cartazes de cinema, cujas cenas também se parecem com outras já retratadas. A propósito, o nome do índio da mencionada revista americana, Red Cloud, traduz-se por Nuvem Vermelha, que é o mesmo do conhecido feiticeiro navajo criado por G. L. Bonelli muitos anos antes dessa publicação norte-americana.

* Texto de Júlio Schneider publicado originalmente na Revista nº 12 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2020.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

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