Eu não iria participar desta magnífica união de tributos a Sergio Bonelli, não porque não partilhasse da ideia, mas porque eu não conseguia fazer nenhum desenho que saísse totalmente livre e puro de contaminações… de influências… eu percebia que a comparação com outros desenhadores levava-me a pensar mais num belo desenho do que em uma imagem que representasse o meu estado de ânimo.
Há poucos dias, ao manusear velhas recordações eu achei esta carta (mostrada mais abaixo), a carta que Sergio, no distante ano de 1976, me escreveu em resposta a alguns desenhos que eu havia mandado à redacção. Eu a guardei por 36 anos… perfeitamente conservada… a demonstrar o quanto era importante para mim.
As suas palavras dizem tudo o que há para dizer de Bonelli.
E ainda me devolveu os desenhos…
Outros 9 anos deveriam se passar até eu atingir a qualidade necessária para poder ambicionar a ser publicado em suas revistas…
Tradução da carta:
Caro Marco,
Examinei com atenção as suas páginas e achei-as interessantes. Revelam fantasia, criatividade e gosto pelo enquadramento, além de uma cultura incomum para um jovem de dezoito anos.
O que ainda precisa melhorar é o desenho. A figura humana é muito singela, tanto na anatomia quanto nos movimentos e na expressão dos rostos. Como não sei há quanto tempo você desenha e o quanto você se dedica a esse empenho, não posso dar um juízo preciso sobre as suas possibilidades. Repito que há elementos positivos e negativos que coexistem em seu trabalho. É possível que, com muita dedicação e com grande vontade, você possa melhorar e chegar a um produto melhor. Pensar em publicar hoje os seus desenhos parece-me prematuro.
Envio-lhe o meu mais sincero augúrio e agradeço pela confiança depositada na minha capacidade de julgamento.
Sergio Bonelli
P.S.: Devolvo-lhe os seus desenhos.
Tradução e adaptação: Júlio Schneider
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)
Quem já passou pela redacção de uma revista de BD e foi contactado por jovens com aspirações artísticas, em busca de uma primeira oportunidade – como frequentemente acontecia e acontece ainda –, sabe como é importante para eles a atenção pessoal do editor e o critério de análise, objectivo e moderado, isto é, procurando não ser superficial nem contundente, aos trabalhos da sua lavra… na maioria dos casos, salvo algumas brilhantes excepções, ainda longe do ponto que separa a aprendizagem laboriosa da qualidade segura.
Sergio Bonelli era bem o exemplo desse editor atento, interessado e criterioso nos seus comentários, que sabia dar uma palavra de estímulo aos jovens desenhadores ainda com pouca tarimba, apontando-lhes defeitos e qualidades, abrindo-lhes uma janela de oportunidade para um futuro possível, sem desistências… e mostrando, o que não é menos importante, consideração pelos seus trabalhos ao ponto de lhes devolver os originais (que para um jovem, mesmo principiante, têm sempre um valor especial, como é sabido).
Sinal de que na Editora Bonelli havia organização, método, procedimento consciencioso… e sobretudo um chefe que, apesar de estar no topo da hierarquia, gostava de comunicar directamente com os seus leitores e com todos aqueles que procuravam os seus conselhos, até os que não eram ainda seus colaboradores ou poderiam nem vir a sê-lo.
Não admira, por isso, que Sergio Bonelli seja considerado, no sentido mais positivo, um editor à moda antiga… ou antes, para ser mais exacto, o MELHOR editor à moda antiga!!!