Por Sandro Palmas*
Para Claudio Villa, desenhador das capas da série mensal italiana desde o número 401, a característica fundamental deve ser a de poder contar a história, partindo, naturalmente, da premissa que Tex deve ser sempre o protagonista absoluto no conjunto da capa. Certamente que há outros requisitos de igual modo importantes, como por exemplo evitar o risco de apresentar uma capa muito semelhante a outra que já tenha sido publicada. Assim como, sobretudo com uma personagem de ação como Tex, é preciso evitar as situações que apelem demasiado ao sentimento. Digamos que se trata de uma árdua tarefa, pois é necessário conciliar vários elementos fundamentais e não basta ter que lidar com a gestação das capas, uma vez que, entre as tarefas do artista, o “vitrinista” de Tex, como Villa gosta de se definir, há também que preparar o esboço final do desenho com as indicações das cores a utilizar. Faz parte do seu trabalho, e também o saudoso Aurelio Galleppini o fazia com têmpera[i] ou lápis de cera. Estas indicações são depois tratadas digitalmente pelo colorista da Via Buonarroti em Milão, sede da Sergio Bonelli Editore, com algumas exceções, como as capas dos números centenários, que apresentam as cores originais de Villa (o 500, o 600 e o número 700, publicado no recente mês de fevereiro), ou as edições comemorativas de cada década da série, os cinquenta, os sessenta e finalmente os setenta anos de uma personagem que se impõe nas bancas desde 30 de setembro de 1948.
Estas capas são, para todos os efeitos, produtos terminados e não as clássicas provas de cor de que falámos, todas inteiramente realizadas a têmpera (com exceção da capa do número 500, realizada inicialmente com têmpera e posteriormente preterida pela versão que foi publicada, a qual, para além da têmpera, apresenta também a arte final a tinta), tratadas detalhadamente, com uma aparência arejada e pictórica, e são as únicas onde é possível admirar todo o talento do artista comasco. Também neste caso, a tradição é dada pelo formato gigante bonelliano do número 100, intitulado “Supertex”, publicado no já longínquo ano de 1969, obra, naturalmente, de um extraordinário Aurelio Galleppini. Era intenção da editora apresentar o número 200 também a têmpera, mas a capa original apresentada pelo desenhador foi considerada na redação demasiado sensual para a época, devido à nudez da jovem squaw que Tex mantinha suspensa nos seus braços, diante do fogo que deflagrava na aldeia inimiga dos Hualpai. Pouco antes da publicação, esta magnífica ilustração foi assim substituída por uma colagem anónima, onde surge um ranger a cavalo, e que pretendia homenagear as capas dos velhos álbuns de tiras de Tex dos anos cinquenta.
Entre as provas desenhadas e coloridas por Galep e Villa e as capas impressas, como se evidencia nas imagens deste artigo, existem pequenas diferenças, particularmente nos tons das cores. Para os números 300 e 400 (que foi, para todos os efeitos, a última capa desenhada pelo artista da Sardenha), as capas tiveram uma colorização normal e só nos anos noventa, por ocasião das comemorações de algo que parecia impossível alcançar, os cinquenta anos de Tex, é que se pensou reapresentar aquele tipo de colorização, tão o agrado dos leitores. Em resumo, Claudio Villa desenha a tinta o original definitivo das capas e a prova das cores é a fotocópia deste desenho, ao qual adiciona as cores com marcador ecoline ou aguarela. Ambas os testes são entregues na redação e, a partir desta fase, o desenhador deixa de controlar o seu trabalho. Na sua elaboração, realizada digitalmente, o colorista geralmente mantém as cores sugeridas pelo desenhador e, na maior parte dos casos, o seu trabalho acaba por aproximar-se fielmente do original. Isto é válido para a maior parte das capas da edição italiana de Tex. A cor é muito importante, porque confere volume ao desenho, permite as nuances, a gestão das luzes (ou seja, os jogos de luz nos objetos ou sobre as personagens que, através das suas poses, por vezes modificam-nos, acabando por anular a cor), em suma, por intermédio das cores obtém-se aquilo que em jargão chamamos de “temperatura”, uma mini revolução que surgiu no Inverno de 1994, quando Claudio Villa foi encarregue de se ocupar das capas do mais importante e histórico “fumetto” italiano, após ter desenhado as de Dylan Dog.
Uma das condições impostas foi, por exemplo, a de não utilizar o vermelho na camisa de Tex. De resto, nos seus ensaios de cor, observamos a forma como Claudio Villa se diverte com os jogos de luz relativos às cores dos fundos e das personagens, nomeadamente nos primeiros anos, apresentados uniformemente, com cores sólidas. Mas a camisa de Tex permanece ainda como um tabu, sempre amarela, que o colorista da editora continua a pintá-la lisa e uniforme, por questões de visibilidade do produto nas bancas. Em algumas capas, o colorista alterou a cor do céu que tinha sido sugerida por Villa nas suas provas de cor, como por exemplo no número 423 “L’uomo senza passato”, que passou de uma tarde azul chumbo para as cores do entardecer, ou no número 469 “Il diavolo della sierra”, onde o vermelho ardente do pôr do sol se transformou nas sombras do azul marinho da noite. Suspeitamos que as intervenções editoriais tenham sido feitas para uniformizar as capas com os ambientes das histórias a que se referiam.
Ainda mais evidentes foram as alterações efetuadas nos números 669 “Il colonnello Mano Cattiva” e 673 “Il segno di Yama”. Na primeira capa, a imagem encontra-se enquadrada de baixo e na horizontal, de modo a permitir a inserção do logo de Tex à esquerda. Aqui, a intervenção do colorista concentrou-se em alterar o fundo, através de um espectro de cores que anula o pôr do sol de Villa e que acaba por recordar uma espécie de aurora boreal. Já na capa do número 673, a intervenção redatorial resulta ainda mais concreta. Desaparecem as nuvens negras e os relâmpagos, as montanhas do fundo são redesenhadas, a árvore arde com chamas mais intensas, mas o que mais desaparece é o jogo de luzes que Villa tinha realizado na figura do ranger, onde, excetuando as calças, todo o resto é completamente anulado pelo colorista da editora. Também as cores de fundo de duas capas que em Itália foram publicadas o ano passado, falamos dos números 691 “Cuore Apache” e 696 “L’ombra del Maestro”, apresentam diferenças significativas no que se refere aos correspondentes estudos da cor. Nesta última, sublinhe-se nomeadamente como as cores do rosto de Tex refletem as cores dos fundos utilizadas pelo capista, enquanto o amarelo da camisa do ranger permanece inexoravelmente com uma cor sólida.
Outras variações das cores do céu são também reconhecíveis noutras capas, como por exemplo nos números 637 “El Supremo”, 655 “Inferno a Oil Spring”, ou ainda no número 661 “Ricercato vivo o morto”. No caso do número 693 “Il retorno di Proteus”, é a cor da personagem em primeiro plano, totalmente avermelhada no estudo, que acaba por ficar mais realista na capa que foi para as bancas. Regra geral, as restantes capas são bastante fiéis às versões originais, uma vez que, havendo intervenção do colorista, ela acaba por ser geralmente pouco saliente. Estas intervenções encontram-se patentes, por exemplo, na cor das rochas no número 628 “Una donna in ostaggio” (os exemplos são desperdiçados), ou respeitam a simples detalhes das capas, por exemplo no número 587 “L’artiglio della Tigre”, que segue em quase tudo as provas de cor de Villa, exceto a cor vermelha das telhas, cuja tonalidade é modificada. Mas o que importa salientar nesta capa é novamente o interessante jogo de luzes que encontramos, desta vez no punhal, e que no estudo de Villa está praticamente ausente.
Com a publicação da nova série Tex Willer, cujas capas são da autoria de Maurizio Dotti, mais conservadoras que as cores originais, mais modernas quando comparadas com as da série mensal, talvez se tenha aberto uma via de mudança, mas a verdade é que o estatuto de um “fumetto” septuagenário parece excluir alguma revolução, pelo menos a curto prazo!
[i] Técnica de pintura em que se utilizam pigmentos diluídos e adicionados a um aglutinante, como cola, emulsão de água ou clara de ovo.
* Texto de Sandro Palmas publicado originalmente na Revista nº 10 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2019.
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