Por Moreno Burattini*
No imaginário coletivo a personagem de Tex encontra-se intimamente ligada à dos seus pards: Kit Carson, companheiro de mil aventuras, Kit Willer, digno filho do pai, e Jack Tigre, o índio irmão de sangue. Impossível vê-los galopar todos juntos e não nos sentirmos transportados por eles, e com eles, em direção às terras da Aventura, onde o sonho é um sol que nunca se põe e onde se respira o vento inebriante da emoção. Tex, Carson, Kit e Tiger não são apenas heróis, são amigos. Amigos leais e de confiança para uma vida inteira.
Quatro pards: um poker de ases que não é jogado em cada aventura, apesar de frequentemente o vermos colocado na mesa. Contudo, é mais habitual ver atuar in tandem a parelha entre Tex e Carson. Mas é o quarteto em conjunto, aquele que chama pelo leitor desde o clássico frontispício de cada álbum, que garante o máximo das emoções em qualquer tipo de ambiente, seja com os pards cavalgando ao longo dos rochedos empoeirados do Arizona ou nos desertos ensolarados do México, seja a deslocarem-se entre as florestas das Montanhas Rochosas ou nas encostas do Grande Norte.
No entanto, no início Tex era um herói solitário. Na verdade, era mesmo um fora da lei: vítima de uma atroz injustiça, era procurado por todos os xerifes. O quarteto forma-se alguns anos após o início da saga e, mesmo antes de ser absolvido, Tex será reabilitado e integrado no corpo dos Rangers ao lado de Carson.
Cabelos de Prata
O primeiro encontro entre Tex Willer e Kit Carson dá-se no oitavo álbum da primeira série em tiras, intitulado El Diablo, no longínquo ano de 1948. Ou seja, pouco tempo depois do aparecimento nas bancas da nova publicação e do novo herói da camisa amarela e do esvoaçante lenço negro. Quando as tiras foram reeditadas em volumes gigantes (as do formato atual), este primeiro encontro com o futuro Cabelos de Prata é inserido no primeiro número, La mano rossa. Na realidade, trata-se apenas de uma fugaz aparição. Carson ainda não é o velho camelo que vamos aprender a conhecer: nesta altura, os seus cabelos, a barba e o bigode são pretos e o seu rosto tem traços de jovem. Entre ele e Tex há apenas um apertar de mão, que os dois trocam quando Willer é integrado no corpo dos Rangers. Mas rapidamente se cumprimentarão, uma vez que há uma missão iminente. A amizade, firme e viril, nascerá mais tarde: agora há uma menina a salvar. Perante esta emergência, nada pode reter o nosso herói, acabado de transformar-se de presa em caçador: na verdade, até há bem pouco tempo era, mesmo que injustamente, considerado um fora da lei. No entanto, Tex tinha ajudado um ranger, Jeff, contra El Diablo, um latifundiário mexicano que tinha ao seu serviço um exército pessoal e por isso conquistado a estima de Herbert Marshal, chefe dos Texas Rangers, assim como de Kit Carson, um dos seus melhores homens. E será este que irá propor a Tex que integre os Rangers.
Só algum tempo depois é que Tex e Carson se reencontram e vivem juntos a primeira de uma extensa série de aventuras. Acontece no episódio La banda di Kid Billy, que se inicia no décimo nono album da primeira série em tiras, posteriormente reeditado no segundo volume da série gigante. São apenas 43 pranchas, mas memoráveis, porque é a partir daqui que os rangers iniciam a sua parceria, destinada a revelar-se à prova de bala. A parceria entre Águia da Noite e Cabelos de Prata, a mais frequente ao longo da série (nem sempre os quatro pards atuam em conjunto, mas Carson está quase sempre ao lado de Tex), é uma das mais bem sucedidas na história da banda desenhada e seguramente uma das razões do sucesso das aventuras texianas. As longas cavalgadas lado a lado, as divertidas escaramuças verbais entre os dois, as visitas ao restaurante para devorar bifes com dois dedos de altura, enterrados numa montanha de batatas fritas, os tiroteios e os acontecimentos vividos em conjunto, a constante entreajuda, tornam este duo de velhos amigos num ícone único do imaginário coletivo.
Embora seja sem dúvida inteligente, ao ponto de também poder ser considerado um herói por inteiro, Kit Carson é de alguma forma o representante do leitor dentro da história, na comparação com o protagonista que é sempre Tex. É com Cabelos de Prata que Águia da Noite faz o ponto da situação e examina os elementos das suas investigações e é a ele que explica os seus planos e exemplifica as hipóteses, de modo a que o leitor seja informado. Tal como aconteceria com o leitor, Carson resmunga e considera uma loucura os planos audazes do seu amigo, mas depois não hesita em segui-lo. O Velho Camelo, tal como acontece com Yanez com Sandokan, nunca rouba o protagonismo a Tex. Este reconhece ao seu velho amigo a sabedoria, a experiência amadurecida com a idade e adquirida com as missões realizadas, enquanto que Cabelos de Prata, por seu lado, sabe que Tex vence sempre os seus desafios com o destino, mesmo os mais difíceis.
Gianluigi Bonelli pediu emprestado o nome de uma figura histórica para o seu herói: um scout do exército, que efetivamente se relacionou com os Navajos, mas como adversário. Trata-se do Kit Carson que passou da História do Oeste para a lenda do western, sobre quem já desde a sua época se escreveram dezenas de romances baratos, como aconteceu com Buffalo Bill ou David Crockett. No entanto, para além do mesmo nome e do facto de ambos serem heróis da epopeia do Oeste, nenhuma outra relação pode ser feita entre o Carson da História e o Carson da saga de Tex.
Pequeno Falcão
No início da saga, o ainda jovem Tex Willer casou com Lilyth, uma jovem índia destinada a sair de cena muito em breve, vítima de uma epidemia de varíola provocada deliberadamente por brancos sem escrúpulos, contra os quais se voltou a implacável vingança de Tex. Com a morte do sogro Flecha Vermelha, torna-se líder dos Navajos, investido com o nome de Águia da Noite. Da união de Tex com Lilyth nasceu Kit, batizado em honra de Carson, mas chamado de Pequeno Falcão pela tribo da mãe. Mesmo que se possa ver neste nome uma comparação entre ele e o pai (maior do que ele, evidentemente), o jovem não se sente seguramente ofuscado pela figura paterna: para ele, Tex não é um monumento embaraçoso que lhe faz sombra, mas um mestre de vida que o ilumina. Pouco se sabe da sua infância: sabemos que frequentou por pouco tempo uma escola de missionários e que depois regressou à aldeia navajo.
Habituados a seguir Tex aventura atrás de aventura, como se cada missão cumprida cedesse a sua vez, sem uma relação de continuidade, a uma nova missão a cumprir, é de admirar que, no início da saga de Águia da Noite, encontrem-se bem evidentes dois notáveis saltos temporais. O álbum do início da terceira série de tiras de Tex (reeditado no décimo álbum gigante, Il tranello), de facto mostra pela primeira vez os futuros quatro pards em conjunto, acrescentando a Carson e a Jack Tigre, já vistos anteriormente, também o pequeno Kit Willer. Datado de 22 maio de 1951, o episódio intitulado L’orma della paura começa com uma nítida diferença relativamente ao último episódio da série anterior. Entre a última aventura da segunda série e esta, de facto Tex viveu alguns acontecimentos. A sua mulher Lilyth morreu em circunstâncias que viremos a conhecer em flashback apenas mais tarde, enquanto Tex vive entre os Navajos junto do filho Kit, apelidado pelos índios de Pequeno Falcão, e do sogro Flecha Vermelha. O início da história é marcado pela chegada de Carson à aldeia, que vem pedir a Tex para reintegrar os Rangers, propondo-lhe que use de novo a estrela que Águia da Noite tinha devolvido numa aventura anterior.
E chegamos ao segundo salto temporal: com a história seguinte inicia-se a quarta série de tiras (posteriormente reeditada nos álbuns gigantes 12 e 13) e Pequeno Falcão cresceu. Apesar de ainda um adolescente, Kit pode entrar em ação com o pai e Kit Carson contra um certo Black Sam e o seu bando de encapuçados. Depois de terem criado e deixado fora de cena o jovem Kit, Bonelli e Galleppini zelam também pelo seu crescimento, inserindo uma explicação: “depois de ter frequentado por um certo período de tempo a escola dos Padres Missionários de Santa Anita, Kit regressou à aldeia navajo de Flecha Vermelha onde vive com Tex. Kit deu provas da sua grande inteligência, mas nas suas veias flui o sangue do pai e o seu instinto impele-o para a vida selvagem das amplas pradarias e não para a vida monótona das cidades”. Com estas palavras ficou traçado um retrato eficaz do jovem mestiço: a Fronteira, se bem que perigosa, é de igual forma incomparavelmente mais fascinante do que a Civilização.
Numa das mais belas aventuras de toda a série, aquela que se inicia com o álbum Il solitario del West, escrita por Guido Nolitta e desenhada por Giovanni Ticci, o jovem Willer fica perturbado com a morte de um amigo índio. Ouvindo as palavras sentidas de conforto ditas pelo pai para elevar-lhe o ânimo e vendo a preocupação de Águia da Noite pelo tormento interior de Pequeno Falcão, que se prolonga no tempo, observamos a indiferença do jovem, que todos adoram, para com os seus pares na aldeia navajo e para com as raparigas da tribo, sublinhando o facto de que, em circunstâncias normais, Kit tem uma vida social e sentimental, da qual geralmente pouco se sabe. Numa outra bela história, escrita por Claudio Nizzi e desenhada por Claudio Villa, L’uomo senza passato, Pequeno Falcão perde a memória depois de ter sido ferido, apaixonando-se pela sua salvadora, Flor de Lua, a mais bela donzela da tribo dos Utes, que o trouxe das águas do rio onde caiu. Mas tal como já acontecera com o seu pai, também Kit perde tragicamente a mulher amada. Também Kit Willer tem a sua Lilyth.
Sangue navajo
Forte é a ligação entre Kit Willer e Jack Tigre, um homem de poucas palavras, mas de olhar intenso. Olhar que pode transmitir algo ou permanecer impenetrável. Quem não o conhece será levado a pensar que debaixo daquele olhar não existem emoções. Não é assim, como bem sabem os seus amigos, aqueles que conhecem a dor que marcou o seu passado, que carrega consigo com dignidade, acompanhando-o desde então. E a dor é uma boa professora quando se é um grande aluno.
Foi durante o confronto com o bando dos Dalton, numa célebre aventura que podemos encontrar nos álbuns gigantes 8 e 9, que Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini introduziram na saga uma nova personagem: Jack Tigre. “Kit! Este é Jack Tigre, o meu companheiro índio” disse Tex a Carson quando lhe apresentou o orgulhoso navajo. Desengane-se quem pense que o fiel navajo é apenas um mero executor de ordens ou um ajudante, um esmerado criado pronto a seguir as ordens e obedecer cegamente às mesmas apenas com um estalar de dedos. Jack Tigre mantém com Tex um relacionamento de igualdade: não discute a sua autoridade de chefe, mas reconhece-a com base no carisma de Águia da Noite. Para Tex, Jack Tigre é um amigo, não um mero seguidor ou servidor. Para Tex, Jack Tigre não é um guarda-costas, um guia ou um mero acompanhante. É um pard, um companheiro fiel, e a sua amizade sã e viril representa um símbolo em como homens de diferenças raças e culturas diversas podem viver lado a lado em estima recíproca, iguais em dignidade, amizade e fraternidade.
Uma vez que Gianluigi Bonelli não disse mais nada sobre a personagem, coube a Claudio Nizzi, através dos desenhos de Giovanni Ticci, contar o passado de Jack Tigre numa longa aventura narrada em flashback nos álbuns gigantes 384 a 387. Nesta, descobrimos que um drama pessoal sepultado no seu passado é semelhante ao vivido por Tex: ambos sofreram a morte, violenta e injusta, mas implacavelmente vingada, das mulheres que amavam. Como é que Águia da Noite e Jack Tigre se conheceram? Tex tinha reparado no índio, entre os outros guerreiros, desde a sua chegada à aldeia de Flecha Vermelha, mas no início os dois não mantiveram qualquer relação em particular. Naquela altura, Tex ainda usava um casaco de peles com franjas e cavalgava com Dinamite. E é montado no seu fiel cavalo que Willer segue o rasto de sangue deixado por Jack Tigre, que partira em busca da sua amada, Taniah, raptada por brancos. Em Santa Fé, Tex salva Jack Tigre de um bando de desordeiros que o queriam linchar, e a partir daquele momento os dois tornaram-se como irmãos, inseparáveis. A morte violenta de Taniah forjou na dor um rapaz desesperado num incansável justiceiro. E esta transformação ocorreu após um período de retiro monástico nos montes Navajos. “Tiger Jack partiu em meados de novembro”, recorda Tex, sentado junto aos seus pards, atentos a escutar o seu relato. “Em breve começou a nevar e aquele ano ficou na memória como um dos mais agrestes. Passaram três meses e Tigre não voltava. Não fui ao seu encontro, sentia que não era justo. Finalmente, chegou a Primavera, a neve começou a derreter engrossando as correntes, e um dia, finalmente, Tigre regressou. A sua face estava mais magra e seca, marcada pelo vento e pelas tempestades, mas o seu olhar revelava uma nova vontade em viver. Desde então, como sabem, permaneceu sempre comigo, tornando-se praticamente na minha sombra. E alguns anos mais tarde, quando perdi a minha adorada Lilyth e ele teve que enfrentar essa mesma tragédia, nenhum outro esteve sempre ao meu lado”. Silencioso e orgulhoso, amigo para sempre.
* Texto de Moreno Burattini publicado originalmente na Revista nº 5 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2016.
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Uma arte mais bonita que a outra, heim, show.