Pat Mac Ryan: o Bom Gigante

Por Pedro Pereira*

Pat Mac Ryan

O universo texiano reflete, de certa forma, a realidade humana: há personagens boas, más e outras que são assim assim. Há gente de confiança, mas também abundam os falsos, traiçoeiros, dissimulados ou traidores… ainda assim, sabemos que o Bem vence (quase) sempre e que uma pitada de humor e confusão ajuda sempre, até nos momentos mais difíceis, sobretudo se for uma personagem bem caraterizada e que seduza os leitores!

Por exemplo, em Cervantes esse papel é desempenhado por Sancho Pança, fiel escudeiro de D. Quixote que, em dados momentos, quase consegue ofuscar o seu Cavaleiro. Já em Gil Vicente esse papel cabe ao parvo Joane que, numa linguagem cómica e até “vernácula” nos faz rir e pensar!

No mundo de Águia da Noite esse papel cabe, muitas vezes, a um gigante de 2 metros de altura, emigrante da “Verde Irlanda” que partiu para os Estados Unidos em busca de melhor sorte! Ingénuo, com muita força e muito músculo, a par com uma inteligência mais limitada, e um coração do tamanho do mundo! São estes os principais ingredientes que compõem esta personagem tão querida dos/as leitores/as de Tex.

Quase que me atrevia a dizer, que em cada um de nós existe um pedacinho de Pat. Pode não ser na ingenuidade, na bondade ou na força hercúlea, capaz de por KO os adversários mais perigosos, derrubar casas, atirar inimigos a vários metros de distância como se fossem penas ou dobrar o cano de um Winchester e quase fazer dele um garfo, como o acusa Carson, mas somos todos Pat.

Ao longo dos anos, foi tendo uma importância variável dentro dos amigos de Tex. A sua verdadeira “revelação” aos leitores ocorreu na Edição Normal n.º 82, Tex Superespecial de Férias “Pat, o Irlandês”. Esta edição é daquelas que se lê “de fio a pavio” e com muitas risadas e marca o encontro de Pat com Tex e Carson.  Na reedição (ainda sob o selo da Vecchi), a própria capa é bastante diferente, apesar de Tex surgir na mesma, montado no seu fiel Dinamite, empinado sobre as patas dianteiras, numa pose de desafio.

Tex 1ª edição nº 82 – 1977 – Editora Vecchi – Brasil & Tex 2ª edição nº 82 – 1982 – Editora Vecchi – Brasil

Quem é afinal Pat Mac Ryan?

Na segunda metade do séc. XIX, o que hoje chamamos de Estados Unidos era uma nação em verdadeira ebulição e a Guerra de Secessão entre 1861-65 reforça isso. Uma terra de oportunidades, mas também de perigos que podiam surgir na forma de índios, mas também de brancos, de doenças ou fenómenos meteorológicos… o risco era uma constante, temperado com tiroteios, socos, bebidas de qualidade duvidosa e toda a espécie de violência, já para não falar nas doenças, má alimentação e falta de cuidados de saúde…
Era vulgar morrer-se jovem e enriquecer rapidamente, quase tão depressa como ficar sem nada. Imperava mais a lei da força que a força da lei e mesmo Tex usa ambas, mas de forma equilibrada.

Neste ambiente diverso e turbulento surge o jovem Pat. Pugilista de sucesso que vê na emigração a melhor solução para os seus problemas, mas com a particularidade de não se conseguir fixar em lugar nenhum. Uma espécie de ave com poiso incerto!

Tanto o vemos num ringue de boxe ou luta livre, como o encontramos a descarregar a carga de um navio, a aplicar trilhos numa linha de comboio ou como lenhador. É o homem dos 1001 ofícios e a sua força é a sua principal arma, aliada a uma generosidade ilimitada!

Sempre que encontra os nossos pards deixa tudo para os seguir, um bocado na lógica dos discípulos de Jesus Cristo, mas acabam sempre por se separar. É assim que tem de ser! Cada um tem que seguir o seu caminho, mas “só as montanhas não se reencontram” e é isso mesmo que sempre acaba por suceder!

É interessante ver que esta personagem, fruto da genialidade criativa de Bonelli e do traço magnífico de Galep foi sofrendo alterações, mas não mudou nunca a sua essência: continua forte, puro e ingénuo como sempre, mas deixou de ser aquela personagem “certinha” que nem sequer bebia bebidas alcoólicas para agora gastar até ao último cêntimo em cantinas e saloons! É o que poderíamos chamar de evolução na continuidade!

Pat Mac Ryan nas vestes de pugilista. Arte de Giovanni Ticci

A sua relação com os 4 pards é distinta: da obediência incondicional a Tex, da simpatia de irmão mais velho a Jack Tigre, o carinho que se tem por irmão mais novo como Kit Willer e, finalmente, Kit Carson! Entre estes dois é onde se nota uma maior proximidade! Vários dos seus diálogos são de nos levar às lágrimas e entre um “gigante sem tutano” e um “camelo velho” há uma amizade à prova de tudo! Mesmo as permanentes “alfinetadas” de parte a parte só servem para reforçar isso!

A importância de Pat é de tal forma elevada que, se considerarmos também as reedições, surge em várias mais de 60 livros de Tex, com diferentes editoras e títulos, seja a cores, seja a preto e branco! Tem até direito a ser uma personagem das 40 figuras de Il Mondo di Tex, álbum da Hachette! Surge, no número 9, igual a si próprio, numa pose combativa, braços em riste e punhos preparados para enfrentar quem quer que seja!

Pat Mac Ryan – estatuetas

Tex, o Grande: Pat Mac Ryan na sua mais pura essência

Apesar de ficarmos a saber verdadeiramente quem é Pat Mac Ryan no número 82, já atrás mencionado, na minha perspetiva a sua melhor interpretação está talvez no texone Tex, o Grande.

Publicado no Brasil no já longínquo ano de 1988, mais concretamente em setembro, por ocasião dos 40 anos de Tex. Chegou até nós com a chancela da Editora Globo, com o magnífico traço de Guido Buzzelli, o roteiro do inconfundível Nizzi, em formato gigante e é uma verdadeira obra-prima!

Capa de Galep (Tex Albo D’Oro nº 23 – 5ª série – 1958) onde se vê toda a exuberância física de Pat Mac Ryan

De tal maneira foi importante que acabou de ter pelo menos mais 4 reedições:

  1. 10 anos mais tarde, ainda pela Globo, nos 50 anos de Tex, com a indicação na capa de que custava 750$00 em Portugal;
  2. Como Tex Gigante n.º 15, já com edição da Mythos, em 2005;
  3. Em Tex Edição Gigante em Cores n° 1 da Mythos, no ano de 2015;
  4. Tex Gold n° 18, editora Salvat, no ano de 2018 (muito difícil de encontrar em Portugal).

A trama desenvolve-se naquele que continua a ser um dos estados mais arborizados de todos os EUA, mais concretamente no Oregon, região de florestas e montanhas… onde Pat é agora um lenhador e a força do seu braço serve o Sr.Thompson.

Pat Mac Ryan em ação na arte de Aurelio Galleppini

Porém, a cobiça dos irmãos Patterson, concorrentes diretos do Thompson, está a levar a pequena empresa à falência e recorrem a meios ilícitos para anular o competidor. É que Pat se lembra de pedir ajuda a Tex e escreve (pelo menos tenta) e este e Carson vêm em seu auxílio tão rápido quanto possível, mesmo a tempo de evitar a falência do Sr. Thompson e garantir que não ocorrem mais mortes…

A ação desenvolve-se com a habitual rapidez, mas Pat tem um papel crucial em toda a trama: é ele que contesta a cobardia (ou será amor à vida, dos outros lenhadores), que pede ajuda a Tex, que mostra a sua infinita confiança nos pards como solução para todos os males, que distribui socos como coices de multa…

Pat, um perigo ao volante (Collana del Tex nº 14 – Série Nevada – 1957)

Um dos momentos mais mágicos de toda a história é a forma cómica e divertida como o advogado dos Patterson consegue afastar Pat da função de guarda costas de Thompson e sua filha Jane. Usa um subterfúgio brilhante: a empregada de saloon, uma bonita morena de nome Flora, por quem Pat tem uma paixoneta. Porém tudo corre mal para a jovem que recebeu dinheiro para o desviar e contava ainda ficar com a arrecadação arrumada!

Pat vem rapidamente ajudar a donzela deixando o seu papel de guarda costas, mas na arrecadação acaba por destruir tudo. De um enorme armário a um barril de whisky… é um verdadeiro terramoto, fruto da sua força descomunal e falta de jeito. Flora é descoberta, mas assume que o fez foi sem intenção de prejudicar quem quer que seja e Pat fica ainda mais embeiçado. Já Tex, na sua justiça quase divina, nada faz contra esta vítima do sistema que já foi suficientemente castigada por Pat, ainda que de forma involuntária.

Desenho de Claudio Villa, que nos mostra Pat, Tex e Carson protegidos pelo
muro da Fazenda Montales, situada junto ao Rio Bravo

No final, tudo acaba bem: os maus são punidos, o negócio de Thompson vai voltar a florescer e tex e Carson voltam a separar-se de Pat que continua junto do seu patrão e da filha. Quanto ao seu romance platónico com Flora nada mais sabemos!

Fica a desculpa para ler Tex e (re)descobrir esta personagem!

Ilustração de Claudio Villa, onde vemos Tex ao lado de Pat Mac Ryan, o velho amigo pugilista irlandês, junto à entrada da tenda do ringue do Boxing Circus estacionado na cidade mineira de Georgetown, no Colorado

* Texto de Pedro Pereira publicado originalmente na Revista nº 11 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2019.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

5 Comentários

  1. Grande Pat.
    Uma curiosidade que sempre tive, de onde veio a imagem para compor a capa da edição nº 82. Pela pesquisa que fiz, não foi usada nas edições italianas.

    • Excelente pergunta, pard Rinaldo… esta ilustração saiu nos álbuns Bonellianos em Itália… tem uma história muito curiosa, interessante e que poucos texianos que não tenham a colecção italiana devem conhecer…
      Deu-me até a ideia de muito em breve fazer um post contando a origem deste magnífico desenho de Aurelio Galleppini…
      Esteja atento para a conhecer 😉

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