PASQUALE DEL VECCHIO – PERCURSO DE UM TRAÇO ELEGANTE

Por Mário João Marques *

PASQUALE DEL VECCHIO – PERCURSO DE UM TRAÇO ELEGANTE

Para além do desenhador dotado, a visita de Del Vecchio a Anadia permitiu conhecer uma pessoa afável, muito simpática, prestável e incansável. Um verdadeiro texiano!

Nascido a 17 de março de 1965 em Manfredonia, Del Vecchio deu os primeiros passos no mundo da banda desenhada publicando pequenos trabalhos na revista 1984. Colaborou também com Il Giornalino e adaptou para BD as viagens em África de Walter Bonatti, célebre explorador e alpinista. Em 1991 desenhou com Davide Tuffolo Memphis Blue, escrita por Daniele Brolli. Pouco tempo depois, o contato com a Bonelli permitiu-lhe iniciar a colaboração com esta editora, desenhando um álbum da série Zona X (nunca publicado). Em 1993 inicia a sua colaboração no policial Nick Raider, estreando-se com a aventura Duri a Morire escrita por Gino D’Antonio, passando mais tarde a desenhar outra série da Sergio Bonelli Editore, Napoleone de Carlo Ambrosini.

A partir de 2003 começa também a trabalhar para o mercado francófono, criando com Richard Nolane a série Russel Chassepublicada pela editora Humanóides Associés. Durante alguns anos ensinou banda desenhada, atividade que entretanto abandona para se dedicar ao desenho e quase em exclusivo a Tex. Desde 2005 que faz parte da equipa regular de desenhadores da série, ao mesmo tempo que vai trabalhando para o mercado francês, onde desenha a série Les Montefiore para a editora Glénat. Todo este percurso permitiu a Del Vecchio obter conhecimentos em áreas e estilos diferentes.

Com Nick Raider aprendeu a desenhar ambientes metropolitanos, a mergulhar em atmosferas citadinas e de certa forma, diferentes do velho oeste. A série ajudou-o a não exceder-se nos detalhes dos ambientes, por isso o autor não é particularmente adepto de um desenho servido por muitos efeitos, a não ser que estes possam contribuir para as exigências da história. O desenho deve sobretudo estar ao serviço da história, deve ser apelativo no sentido de permitir uma leitura fácil, considerando-se, neste aspeto, um autor muito clássico.

Com Napoleone, Del Vecchio sublinha a oportunidade que teve em desenhar ambientes diferentes, mas foi com Tex que surgiram algumas dificuldades, porque o velho oeste americano requer do desenhador uma constante atenção à luz, aos planos, à caraterização das personagens de acordo com os diversos cenários, aos espaços abertos, à sua monumentalidade, tal como obrigam ao desenho dos cavalos e dos seus movimentos, pontos ambiciosos e com algum grau de dificuldade, mesmo para quem é um apaixonado pelo western desde a infância, como Del Vecchio.

Para o autor, Tex sempre representou o cume, o fumetto italiano por excelência, o representante máximo do western clássico de John Ford, pelo que desenhar um ícone desta importância comporta em si grandes dificuldades, em virtude das muitas regras a obedecer fruto de uma longa tradição.

Na esteira de muitos desenhadores que já serviram a série, Del Vecchio teve como principal ponto de referência Giovanni Ticci. Mas foi com Claudio Villa que aprendeu muito, porque se trata de outra das grandes referências texianas, não só pelo seu sumptuoso desenho, por ser o capista da série, mas também porque desde há muito que vem contribuindo para o desenvolvimento gráfico e sobretudo da caraterização do ranger.

O primeiro trabalho de Del Vecchio em Tex surge em 2007 com aventura escrita por Claudio Nizzi Soldi Sporchi. Em pleno deserto, no Arizona e a sul de Gila River, uma patrulha do exército que deveria levar o pagamento dos salários dos militares, instalados em Forte Gila, é brutalmente atacada. Tex e Carson não acreditam nos fortes indícios que parecem acusar um grupo de índios, julgando que no meio de tudo possam estar brancos. Nizzi apresenta uma aventura num espaço delimitado pelo deserto com o forte Gila a servir de principal cenário, mas onde parece faltar alguma emoção e tudo é previsível, denotando já a fadiga de que foi acusado nos últimos anos.

Em 2009 surge a segunda aventura, La Rivolta dei Cheyennes, ainda com argumento de Claudio Nizzi. Dois especuladores ambicionam que a linha do caminho-de-ferro ,em pleno desenvolvimento, atravesse a reserva dos Cheyennes, e para tal contratam os serviços de uma sinistra personagem e de um agente índio, provocando a revolta entre os índios. Tex e Carson são chamados a intervir para evitar uma guerra que tende a explodir. Uma vez mais, uma aventura previsível e sem grande chama, caraterística de um tempo onde Nizzi já se mostrava incapaz de renovar, depois de tantos e bons anos dedicados à série.


Em 2012 Del Vecchio apresenta o seu terceiro trabalho em Tex, agora com Tito Faraci a escrever Braccato, uma aventura que traz um Tex ferido depois de se envolver no meio de um tiroteio. Socorrido por um velho sargento reformado e pelo seu jovem ajudante, este vai avisar o xerife local do sucedido, não suspeitando que por trás do representante da lei encontra-se um perigo insuspeito.

Del Vecchio colhe críticas positivas, apesar de, sobretudo no início, ser acusado aqui e ali de um traço polido de mais para os ambientes do velho oeste. A verdade é que o autor soube ultrapassar esse aspeto e assumiu-se como um valor seguro, jogando com os contrastes específicos dos ambientes do western, sobretudo através do branco que permite uma claridade, utilizada por Del Vecchio como eventualmente por mais nenhum outro desenhador da série. A construção de cenários e a caraterização das personagens, sobretudo dos índios, vem revelar um desenhador documentado e que confere muita importância ao rigor, caraterísticas que não passaram despercebidas ao mais exigente leitor texiano.


Por isso, Del Vecchio é hoje considerado um dos desenhadores que veio refrescar a série, contribuindo deste modo para a sua evolução constante e para a modernidade que os novos tempos exigem. O seu Tex teve uma entrada algo tímida, porque o autor não apresenta logo um ranger pessoal, antes inspirando-se noutros modelos. Com o decorrer do seu trabalho, Del Vecchio tem vindo a assumir uma abordagem mais pessoal no ranger, assim como na forma e no modo como constrói as suas pranchas. Mas é na composição de Águia da Noite que Del Vecchio parece estar sempre mais à vontade, aproximando-se muito dos desenhadores clássicos e fundamentais que serviram a série nos primeiros anos.

O seu traço pode ser definido com vários adjetivos: clássico, elegante, claro, polido, preciso, cuidado ou nítido, mas não evita que alguns, cada vez menos, o acusem de pouco espetacular, crítica que, de certa forma, pode levar a alguma subvalorização do trabalho deste excelente desenhador. Nada mais incorreto, ou pior, nada mais injusto. Nos últimos anos foi mesmo uma das melhores aquisições para a equipa regular de desenhadores da série, acrescendo o facto de ser um autor regular e que regra geral obedece aos apertados prazos de entrega.

PASQUALE DEL VECCHIO - PERCURSO DE UM TRAÇO ELEGANTE

PASQUALE DEL VECCHIO – PERCURSO DE UM TRAÇO ELEGANTE

* Texto de Mário João Marques (director da revista Clube Tex Portugal) publicado originalmente na Revista nº 1 do Clube Tex Portugal, de Novembro de 2014.

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