Ouro Negro «Chegar ao topo do mundo»

Por Carlos Almeida*

Leomacs pode ter chegado ao topo, com esta obra Ouro Negro! É a minha profunda convicção.

Não me arrependerei seguramente do que escrevo aqui para o universo Texiano. Ouro Negro é uma admirável obra artística que em bom momento a editora Polvo decidiu abraçar e incluir na coleção “Romance Gráfico” de Tex.

Tenho afirmado (para que conste) que não sou crítico de arte nem de Banda Desenhada, apenas apaixonado desde pequeno pelas histórias aos quadradinhos, leitor e admirador da arte aos quadradinhos (no particular em preto e branco) e depois diretor técnico do departamento de Banda Desenhada do GICAV (Viseu), a primeira instituição a convidar o José Carlos Francisco a mostrar publicamente e ao vivo o Tex aos portugueses (Viseu que viu ainda nascer este projeto do Clube Tex em Portugal, durante um Salão também dedicado ao herói ranger do Texas).

Propus-me escrever sobre este maravilhoso romance gráfico pelo respeito que devo ao José Carlos e aos apaixonados pelo Tex, e em segundo lugar porque continuo convicto admirador da arte aos quadradinhos a preto e branco. E esta obra acrescenta mérito ao género western a preto e branco, tal a qualidade que Leomacs empresta à narrativa de Manfredi em singularidades e pormenores artísticos de
elevada qualidade.

Não me demorarei a escrever sobre a história em particular, uma narrativa que se apresenta para além das memórias históricas de um período de grandes mudanças na América e no mundo industrializado, onde a ambição dos lucros se confundia com as visões de um progresso imparável, fruto de inovações tecnológicas e utilização de novas fontes de energia (o petróleo). Uma narrativa que facilmente poderia transformar-se num sucesso cinematográfico.

A obra em análise, com apresentação pública na 4.ª Mostra Tex 2017 na Anadia (onde tive o prazer de conhecer Leomacs em pessoa), foi uma grande aposta, como vêm sendo as edições da coleção Tex Romance Gráfico. A qualidade do papel e da arte final/impressão, o tamanho escolhido, a capa original, tudo contribui para engrandecer esta obra. Mas para mim o fundamental encontra-se na arte de Leomacs, que que faz desta obra uma autêntica joia de colecionador.

O artista italiano, nascido em Roma em 1972, revela-se nesta obra um desenhador seguro, um passo à frente em relação a outros trabalhos anteriores, claramente à vontade na construção de ambientes e personagens western assumindo o estudo dos mesmos com um traço próprio expressivo, avolumando nas dinâmicas dos enquadramentos certos pormenores e detalhes que engrandecem a qualidade gráfica e narrativa.

Ao nível da construção das personagens, estas ganham força ao longo da narrativa na vitalidade ou singularidade dos gestos (Tex bebendo uma cerveja), no respeito pelas caraterísticas físicas e psicológicas, na qualidade dada aos planos aproximados (como na página 29) e na expressão das emoções claramente acentuada. A sensualidade serena das prostitutas, libertadas em grande parte da sua condição irreversível, é apresentada quase como um reflexo do humanismo artístico renascentista, tornando-se até decisivas na construção de um certo “happy end” da narrativa.

Ao nível da construção de impressões sensoriais, Leomacs não se poupou na procura de soluções simples para transmitir claramente a ideia do movimento das figuras, nos jogos do claro//escuro (nos planeamentos, nos ambientes, na profundidade de campo de algumas vinhetas, na distinção dos corpos e no trabalho pormenorizado das sombras e distâncias), no recurso a linhas paralelas e ritmadas ou manchas que se descobrem em direção à luz; as impressões da noite são maravilhosamente conseguidas obscurecendo artisticamente os rostos ou os fundos de paisagem e fachadas; a narrativa é constantemente enriquecida pelas sonoridades adivinhadas das bocas gritando, dos sons associados aos movimentos. As cenas de ação são repletas de ritmos e sons, onde os corpos se agitam e agigantam no uso de diversas perspetivas (como na página 78).

A perfeição do traço, leve na construção da ação narrativa, é extremamente confiante nos mais indispensáveis pormenores (nos pormenores do desenho de cavalos e de cenários, dos rostos e expressões faciais, no rigor de ambientes interiores e exteriores, na construção dos enquadramentos preenchendo vinhetas a toda a largura da prancha, e que quase sempre privilegiam a profundidade dos espaços) aproximando Leomacs de outros grandes desenhadores de Tex, colocando-o decisivamente na galeria dos maiores autores italianos desenhadores de Tex.

A narrativa termina com esta expressão conclusiva de Tex: ”Quanto mais alto se sobe, maior é a queda”! Mas esta máxima popular, tão do agrado dos portugueses, não se aplica de todo aos autores.

Leomacs traz um valor acrescido ao western e ao universo texiano, chegando ao topo com “Ouro Negro” e daí não sairá jamais!

* Texto de Carlos Almeida publicado originalmente na Revista nº 7 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2017.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *