O Inimigo Sem Rosto – Tex contra o Estripador!

Por Jesus Nabor Ferreira*

“De todas as criaturas já feitas, o homem é a mais detestável. De toda a criação, ele é o único, o único que possui malicia. São os mais básicos de todos os instintos, paixões, vícios – os mais detestáveis. Ele é a única criatura que causa dor por desporto, com consciência de que isto é dor.”
Mark Twain

Personagens principais:
– Tex Willer  – Ranger do Texas e chefe dos Navajos, torna-se Xerife de Glenwood (Colorado) para investigar os crimes do Estripador.

– Nebraska – um veterano auxiliar de Xerife na cidade de Glenwood
– O Estripador – misterioso assassino que traz a morte para a cidade de Glenwood
– Vance Holden – Prepotente fazendeiro da região
– Larry Casey – Capataz do rancho de Vance Holden, preso em Glenwood
– Sally McGuire – Jovem independente e corajosa
– Hebbert J. Addison – Jovem jornalista que investiga os crimes do Estripador
– Wendy Barlow – A primeira vitima do Estripador

O Homem da Lei chega à cidade!

Durante a sua longa carreira de homem da lei, Tex Willer enfrentou os mais diversos inimigos, fossem eles rancheiros prepotentes, banqueiros gananciosos, políticos corruptos, militares autoritários, homens da lei desonestos e uma gama de criminosos comuns entre ladrões, assaltantes e sequestradores. Todos eles tinham em comum o desejo de que com suas ações obterem vantagens financeiras ou pessoais. Ganância e poder norteavam os seus atos. Alguns outros, aqueles ditos os arqui-inimigos, engendravam os seus planos por conta de um desejo de vingança pessoal contra a figura do famoso homem da lei.  Mas e se o ranger enfrentasse um inimigo que não se enquadrasse em nenhum destes perfis? E se o inimigo na sombra fosse alguém que simplesmente nutrisse um desejo compulsivo de matar, sem motivo aparente algum? Um serial killer, um assassino frio, impiedoso e mortal!  Estaria Tex preparado para enfrentar alguém que criou para si uma personagem acima de qualquer suspeita? Poucas vezes na sua longa trajetória o herói se viu às voltas com um adversário tão complexo. Tex tem de assumir nesta aventura o papel de coadjuvante de luxo. Ouso dizer que nesta aventura desaparece a figura do grande herói, mitologicamente criada por Gianluigi Bonelli, Guido Nolitta e por Claudio Nizzi, em centenas de histórias anteriores, e surge um Tex que, mesmo guardando as principais características do heróico ranger daqueles três autores, está mais para um valente homem da lei da Fronteira Americana, rude, firme, decidido, mas quase um comum homem do oeste.

Tex chega à cidade de Glenwood como um cavaleiro solitário, velho homem da lei do Oeste selvagem, implacável em busca da sua presa – neste caso um ladrão de gado e assassino – e depara-se com uma cidade aterrorizada que perdeu o seu Xerife recentemente, onde um matador já cometeu três assassinatos e onde o maioral da região ameaça destruir tudo e todos para fazer valer sua vontade. Ao aceitar a estrela de Xerife, Tex além de investigar os crimes do Estripador (apelido dado ao assassino pelo jovem repórter Hebert Addison, que chega a Glenwood depois de fazer uma elaborada investigação sobre o matador, levantando a suspeita que ele poderia ser o que os jornais europeus alcunharam de “O Monstro de Edimburgo” e que, depois de deixar a Europa voltou a cometer os seus crimes no Novo Mundo), tem também de desvendar quem matou o Xerife e também proteger a cidade contra Vance Holden.  Quando cai a noite sobre Glenwood, debaixo de uma torrencial chuva, a violência explode na cidade, os homens de Holden atacam e Tex conta apenas com a ajuda de Nebraska, do jornalista Hebert e da valente Sally. Mas, inesperadamente alguns moradores do lugar deixam a sua cobardia de lado e lutam junto com Tex para protegerem o seu lar. A coragem infelizmente cobra um alto preço e mais vitimas caíram no fim do confronto. E em meio ao combate, nas sombras, cobardemente o assassino ataca mais uma vez. “Já são quatro, quem será a quinta?”: estas são as palavras encontradas ao lado do corpo no tradicional bilhete deixado pelo assassino. Mas alguma coisa estava diferente em relação aos outros assassinatos. Algo parecia não se encaixar…

O herói não luta só!

Há na verdade, nesta aventura, duas tramas que correm em paralelo, uma mais conhecida do leitor, em que estão presentes aqueles grandes momentos tão caros aos fãs: a luta quase desigual do ranger e alguns poucos aliados contra o maioral da região, um rancheiro autoritário que quer e faz valer a sua vontade com mão de ferro, oprimindo uma população que se encontrava indefesa até à chegada de Tex. Para esta linha argumental o autor traz elementos que já ficaram famosos principalmente em vários filmes de faroeste, entre estes talvez o mais lembrado pelos fãs da sétima arte seja “Onde Começa o Inferno” (título brasileiro do filme Rio Bravo de 1959, realizado por Howard Hawks), quando um Xerife, interpretado por John Wayne, tem de defender-se contra um poderoso adversário, contando apenas com os seus auxiliares, um bêbado desacreditado por todos, um veterano ancião que mal se aguenta e um  jovem pistoleiro intempestivo. Mas também me faz recordar uma clássica aventura de Ken Parker: Sangue nas Estrelas, em que Ken também assume a estrela de xerife de uma cidade aterrorizada por um rancheiro violento.  Aqui o Xerife é Tex Willer, que precisa enfrentar o poderoso do lugar contando com a ajuda apenas do seu auxiliar, um velho vice-xerife que já viu dias melhores. Esta é a linha argumental mais ao estilo tradicional das histórias de faroeste típicas. Uma luta entre o herói e os seus poucos amigos contra o maioral do lugar que sempre está cercado por capangas dispostos a todo tipo de violência para fazer valer os seus desejos.

O Assassino Misterioso!

Mas é na outra trama da história que iremos encontrar um momento quase que sem precedentes na grande mitologia do personagem, quando Tex se depara com os assassinatos de algumas prostitutas da cidade de Glenwood e da região, crimes cometidos com uma ferocidade pouco vista antes pelo valente homem da lei e que causou repulsa, até mesmo no experiente médico, e também ao agente funerário do lugar, tamanho era o grau de violência. Será a partir da investigação destes misteriosos e macabros crimes que o autor traz para o universo do ranger elementos até então pouco ou nunca explorados: conceitos de misoginia, por exemplo, onde o assassino pratica os seus crimes de maneira odiosa, violenta, quase que patológica contra a figura feminina, e a presença no roteiro de um serial killer, algo que usualmente não encontramos antes nas aventuras do ranger, fazem desta história um momento especial na carreira do herói.

O papel da mulher no universo de Tex

Nos diversos argumentos feitos até hoje para as aventuras do ranger não encontrámos em nenhum deles uma figura feminina que destoasse do padrão criado por Gianluigi Bonelli, ou seja, a dama em perigo, ou a companheira do vilão, ou a filha ou esposa de um amigo em apuros, ou em raríssimas vezes a inimiga por trás de uma máscara. Nunca se viu nas tramas texianas uma criação feminina que assumisse as rédeas do seu destino, que fosse independente e que enfrentasse de igual para igual os perigos do Oeste selvagem (quando foi assim, a personagem em questão vestia as roupas da vilã(o) da história. Dentro da estrutura criativa e do modelo criado por Gianluigi Bonelli para as aventuras do ranger e seus pards, a mulher, quando aparecia na história, assumia sempre o papel de figura decorativa, para compor uma cena… Mas nesta aventura em particular, o autor abandona o perfil anteriormente traçado para a figura feminina e apresenta mulheres que ganham a vida trabalhando como prostitutas (uma atividade comum e porque não dizer necessária a todas as cidades do velho Oeste) e também uma personagem independente, segura, dona da sua vontade, sem vínculos com a tradicional e protetora figura masculina. Encontramos a jovem Sally, uma mulher independente que vive na sua propriedade sem necessitar da ajuda masculina (ao menos isto parece) e que incomoda os “valentões” do lugar pela sua atitude altiva. Corajosa, será uma das poucas pessoas da cidade a lutar ao lado de Tex contra o bando de Holden.

Ao analisar este “O Estripador”, fica bem nítido realmente a existência destas duas tramas distintas, que afinal irão encontrar-se para revelarem todo o mistério sobre as mortes das vitimas do serial killer e, enquanto se desenvolvem, permitem-nos ver a magistral qualidade do texto de Medda. Nenhum acontecimento ficará sem explicação e até mesmo eventos que pareciam banais no inicio se mostraram relevantes para a conclusão da história. O elemento psicológico das motivações do assassino deverá ser estudado profundamente para que se possa chegar à sua identidade. Mas estes motivos apenas serão conhecidos futuramente com a conclusão da aventura, pois Tex não tem meios de conhecer o passado do matador e, portanto, não poderia encontrar a chave para desvendar o mistério dos assassinatos. Esta revelação vem ao conhecimento do herói apenas nas últimas páginas e aqui, novamente, vemos como trabalha Medda diferentemente dos seus colegas escritores, sem a obrigação de centralizar em apenas um personagem todo o protagonismo da trama. O final é totalmente inspirado em outras grandes obras da literatura policial, com suspense, reviravoltas, revelações e por fim aparece a verdadeira face do louco assassino.

Medda inspirou-se claramente nos crimes cometidos pelo cruel assassino inglês Jack, o Estripador, para compor a trama desta aventura. Porém, diferentemente do que aconteceu com o criminoso da História, que nunca foi identificado, o autor desta vez deu um rosto, um motivo e um final para as séries de mortes do monstro de Glenwood, pois mesmo com todos os elementos “sui generis”, esta ainda é uma aventura de Tex e nas tramas do ranger o mal não irá ficar impune, tem de haver punição, preferencialmente de maneira exemplar. Porém, não espere o amigo leitor um confronto titânico entre o herói e o seu adversário misterioso, não, pois esta história tem seus diferenciais e lembre-se, o tempo das lutas e tiroteios já passou, estamos no anti-clímax onde vai cair a cortina final para o último ato do Estripador. Resta saber quem serão os atores principais deste último ato. Talvez seja a mão do destino que irá escrever a palavra fim…

E ao finalizar a sua missão, vemos mais uma vez a figura do cowboy solitário deixando a cidade, que fica entregue aos seus próprios fantasmas, cavalgando em direção ao horizonte sem olhar para trás, rumo a novas aventuras. E jaz, para sempre, numa sepultura recente no cemitério de Glenwood, aquele que ficou conhecido como o ESTRIPADOR! 

Jack, o Estripador, na banda desenhada e outras publicações

Mas Tex não foi o único herói dos quadradinhos a envolver-se com a figura do Estripador dentro da própria casa Bonelli. Dois outros conhecidos personagens também já enfrentaram a figura misteriosa do assassino de mulheres: Dylan Dog e Martin Mystère também já andaram às voltas com “encarnações” do famoso serial killer. Jack The Ripper tornou-se fonte de inspiração para centenas de escritores teorizarem sobre a sua identidade e também inspirou argumentos fictícios de todo tipo. Um dos mais lembrados por nós é o famoso encontro entre o mitológico Sherlock Holmes e Jack The Ripper relatado no livro brasileiro O Xangô de Baker Street do multifacetado artista Jô Soares. Também os super-heróis já tiveram os seus encontros com Jack, como por exemplo o Batman em Batman Gotham 1889, onde o famoso detetive enfrenta um Jack the Ripper que assombra a Gotham City da era vitoriana. Mas nos últimos tempos nenhum outro autor conseguiu trazer o mito do matador de Londres para os quadradinhos como Alan Moore na sua obra, chamada apropriadamente Do Inferno (From Hell). Um trabalho de fôlego nas suas mais de 500 páginas repletas de referências. Do Inferno originou um filme do mesmo nome com o ator Johnny Depp que também obteve sucesso em todo mundo, demonstrando que as massas ainda nutrem um mórbido interesse pelo estripador de Whichapel, seja em que media for.

Assassinos em Série: Loucura ou Maldade?

O mais famoso de todos os serial killers sem duvida foi Jack, o Estripador, não tanto pelo número de vitimas que fez, mas principalmente pelo mistério em torno da sua identidade – que permanece até hoje – e pelo destaque que os media da época (e após) deram aos seus crimes. O sensacionalismo da imprensa inglesa explorou à exaustão as circunstâncias das mortes, o perfil das vítimas, e todo e qualquer elemento misterioso do caso era potencializado ao extremo para vender jornais e garantir que o público permanecesse interessado no caso. Dezenas ou centenas de estudos da sua personalidade, a partir das famosas cartas que Jack teria enviado à policia, deram origem a dezenas de teorias especulativas a respeito de quem seria o matador do Distrito de Whitechapel. Assim como Jack, dezenas de outros serial killers notabilizaram-se por cometerem os seus crimes sem que parecesse haver qualquer tipo de motivação especial para os mesmos, que não fosse apenas o desejo de sacrificar uma vida humana, pelo simples facto de poderem fazê-lo sem sofrer consequência alguma.  Estes indivíduos são chamados psicopatas e estas são algumas das suas características principais:
– Psicopatia;

– Modus Operandi definido – todos executam os seus crimes de maneira ritualística;
– O ato de matar costuma ser compulsivo/obsessivo;
– São massiva e predominantemente homens brancos solteiros;
– E parece ser um fenómeno, se é que se pode chamar assim, predominantemente Americano.

A despeito do que se imagina ou se lê nos jornais, o serial killer não é um ser frio, tende a ter QI elevado, os seus atos são movidos por uma forte emoção e fundamentados num componente social que, geralmente, está associado à infância. Vindos de um ambiente familiar danoso, muitas vezes tendo sofrido abuso físico ou psicológico quando crianças, possuem um elevado grau de isolamento e um desprezo geral por outros indivíduos, dificuldade de lidar com a presença autoritária masculina, geralmente têm alguma obsessão pela mãe, todas estas características estão presentes na psicologia do matador.  Mas será que podemos dizer que estes indivíduos são seres do “mal”? Ou serão não mais que homens possuídos por uma patologia que deve ser estudada e compreendia?

“Além da Loucura”

– Devido ao caráter aterrador dos atos praticados pelos serial killers, alguns especialistas consideram que esses criminosos não se encaixam em nenhuma das categorias tradicionais de transtorno mental. Para eles, serial killers pertencem a uma classe própria, em algum lugar além dos limites do comportamento humano compreensível.

John Brophy escreve no seu livro The Meaning of Murder (O Significado do Assassinato), que estes assassinos “são Monstros” que vivem além da fronteira da loucura, pois até mesmo a loucura é algo concebível para a maioria das pessoas. Outros especialistas, mais recentemente, decidiram abandonar de vez o jargão psicológico e apelar para o entendimento milenar de “MAL” para estudar tais indivíduos. Como conceito de Mal, o psiquiatra forense Michael Welner, da Escola de Medicina da Universidade de Nova York, define: “Uma tentativa de causar trauma emocional, aterrorizar ou atingir os desamparados, de modo a prolongar o sofrimento e obter satisfação de tudo isso”.

Sempre existiram serial killers, eles apenas não eram chamados assim antes. No século XIX, por exemplo, eles eram chamados de “demónios”, “monstros”, seres “endiabrados”. E muitos deles não alcançaram a fama dos seus pares mais famosos e hoje estão relegados ao esquecimento, mas sempre existiram. Assim como sempre existiu o interesse das pessoas por estes homens e mulheres e seus trabalhos macabros. O culto e o fascínio por estes assassinos alcança nos dias de hoje uma proporção assombrosa, devido à exposição que os media fazem de tudo o que seja escabroso ou violento. Programas de televisão, séries, filmes, livros, memórias, histórias aos quadradinhos, são vastos os artigos e textos que procuram destrinchar, com o perdão do trocadilho, as regiões sombrias onde habitam estes seres das trevas. Especialistas proliferam, principalmente nos Estados Unidos, procuram toda a noite, em frente a bilhões de telespectadores, buscar uma explicação para os motivos por trás destas mentes perversas, desde traumas na infância, até mesmo disfunções genéticas. Mas ainda existem perguntas que não foram e nem podem ser respondidas a respeito destes psicopatas, que faz com que todos nós temamos a noite escura e os seus predadores. Há uma sombra lá fora e você deve sentir medo!

Referências bibliográficas:
Serial Killers Anatomia do Mal – Schechter, Harold
–  Do Inferno – Alan Moore / Eddie Campbell

* Texto de Jesus Nabor Ferreira publicado originalmente na Revista nº 3 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2015.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)

Um comentário

  1. O meu primeiro texto para a revista do Clube Tex Portugal. Dificilmente conseguirei transmitir aos amigos texanos a emoção e o prazer por ter sido convidado por os membros da direção desta publicação à colaborar na mesma. Zeca e demais amigos meu muito, muito obrigado. E espero que ainda hoje, tendo se passado alguns anos, esse texto desperte o interesse dos pards para esta aventura bastante emocionante do nosso Ranger. Um grande abraço e mais uma vez, obrigado.

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