O crepúsculo do Western no centenário de Gianluigi Bonelli, no Jornal de Notícias: 27 de Dezembro de 2008

Texto da secção Cultura de 27 de Dezembro de 2008
F. Cleto e Pina

Logótipo Jornal de Notícias

Crepúsculo do western

* Histórias de cowboys em declínio na banda desenhada, reflexo da mudança dos tempos.

Crepúsculo do westernUma das mais famosas imagens dos westerns aos quadradinhos é a vinheta final dos álbuns de Lucky Luke, na qual canta “Sou um pobre cowboy solitário, muito longe de casa”, cavalgando rumo ao pôr-do-sol…

Esta imagem, de alguma forma, pode ilustrar o crepúsculo que vive o género na banda desenhada – e também nas outras artes…

A perda do fascínio e do mistério que o Oeste selvagem em tempos exerceu e que desapareceu neste tempo globalizado em que toda a informação está ao nosso alcance; a transferência daquele fascínio para mundos siderais, onde as aventuras narradas, em muitos casos são puros westerns… espaciais; a substituição do ser humano – protagonista por excelência dos westerns, enquanto narrativa de superação – pela máquina, em tantas situações; o aparecimento de outras fontes de entretenimento, são algumas das justificações para esse estado.

Novos desenhadores têm dificuldades em desenhar cavalos e o velho oeste em geralÀs quais Gianfranco Manfredi, em entrevista recente ao site Universo HQ, acrescentou o facto de “os novos desenhadores terem dificuldades em desenhar cavalos e o oeste em geral”, ao anunciar para 2010 o fim de Mágico Vento (um aclamado misto de western e terror, bem condimentado com a exploração dos costumes índios e o paralelismo ficcional à realidade histórica, distribuído mensalmente entre nós em edição brasileira da Mythos).

Por isso, é cada vez mais difícil substituir as imagens que estão na memória de todos aqueles que algum dia cavalgaram juntamente com o insubordinado Blueberry, foram companheiros de Jerry Spring, vibraram com o duelo de Red Dust e Kentucky ou viveram as preocupações humanistas de Buddy Longway ou Ken Parker. Isso, porque são poucos os que vêm renovar o género – Gus, Bouncer ou Preacher, são parcos exemplos – juntando-se aos resistentes: Blueberry, Lucky Luke, Túnicas Azuis, Jonah Hex, Zagor ou Tex.

Tex é o mais duradouro cowboy da banda desenhadaTex que é o mais duradouro western da BD, algo que Giovanni Luigi Bonelli, nascido a 22 de Dezembro de 1908, em Milão, estaria longe de imaginar quando o concebeu, em 1948, como um herói duro e determinado, capaz de usar a força das balas para obter justiça. Antes dessa estreia, com o desenhador Aurelio Galleppini, G. Bonelli, consumidor voraz de romances e filmes de aventura, cujo centenário do nascimento, se cumpriu no passado dia 22, tinha já uma assinalável carreira na BD, na literatura para a juventude e como editor.

Giovanni Luigi BonelliTex, inspirado nos grandes êxitos cinematográficos do género, seria a sua grande criação e, depois da chegada do seu filho Sergio à direcção da editora, tornou-se um imenso sucesso e a face mais visível dos fumetti (a BD italiana). Forçado a abandoná-lo, devido à idade e à doença, em 1991, Gian Luigi Bonelli deixou muitas outras criações (e westerns) populares, nas quais sempre exaltou a amizade, o companheirismo, a lealdade e o espírito de aventura

Tex Willer desenhado por Giovanni TicciOs 100 anos do seu nascimento ficam marcados pela atribuição do seu nome a uma rua de Agropoli, pela primeira reedição do único romance de Tex que escreveu – “Il massacro di Goldena” (1951) – e indissociavelmente ligados às comemorações do centenário do nascimento dos fumetti, com a revista “Il Corriere dei Piccoli”, cumprido exactamente hoje.

Quanto a Tex, mantém vendas mensais de cerca de um milhão de exemplares, no conjunto das suas várias colecções, pelo que custa a acreditar nas pessimistas previsões de Sergio Bonelli aqui abaixo, quase apetecendo dizer que, se Tex reflecte o crepúsculo da BD nos quadradinhos, muitos bandidos tombarão ainda perante as suas balas certeiras antes de chegar a noite escura e triste.

* Mini-entrevista com Sergio Bonelli, argumentista de Tex

Mini-entrevista com Sergio Bonelli, argumentista de Tex“Mais novos não gostam”

Tex está praticamente inalterado desde a sua criação. Por razões comerciais, artísticas ou sentimentais?
Infelizmente não é verdade. Apesar do esforço de imitar o seu criador, todos os novos argumentistas introduzem diferenças que os leitores mais atentos não deixam de apontar.

Os tempos actuais não pedem um herói mais politicamente correcto?
Pelo contrário, o rigoroso “politicamente correcto” exigido por alguns incomodaria outros. É difícil contentar todos. O mundo dos quadradinhos pode abrigar personagens de todo o tipo: o leitor facilmente encontra heróis “modernos” sem se desnaturar um “herói” tradicional.

Histórias de cowboys em declínio na banda desenahdaTex continua a conquistar leitores?
As novas gerações não gostam de western. Tex continua a ser a BD mais vendida em Itália, mas todos os meses perde leitores; pode ser que daqui a 5 ou 6 anos já não haja suficientes para o manter. Infelizmente, a BD está destinada a dar rapidamente lugar a outros divertimentos mais fáceis e cativantes.

Copyright: © 2008 Jornal de Notícias; F. Cleto e Pina
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Uma visão pessimista do género. Em Itália podem ficar contentes com mais de um milhão de revistas vendidas, quando para França o máximo alcança quinhentos mil. O principio do fim? Acho que sim… Daqui a 10 anos, o Ranger só será uma lembrança…

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *