Texto da secção Banda Desenhada de 29/04/2023
F. Cleto e Pina
João Amaral: “O western está nos meus genes”
* O lançamento de “A Oeste”, a mais recente obra de João Amaral, é um dos destaques da edição deste ano da Mostra do Clube Tex, em Anadia. O JN esteve à conversa com o autor.
Um ano depois de ter lançado “Rattlesnake”, João Amaral regressa ao Museu Vinho Bairrada para apresentar o seu mais recente livro, “A Oeste”. Embora o título não seja um western no sentido tradicional do termo, o criador português diz tratar-se de um género que o transporta para as leituras de juventude. Mais importante para Amaral é explorar a ideia de que “o fanatismo pode deturpar uma ideologia, mesmo que seja válida”.
Depois de “Rattlesnake” no ano passado, volta à Mostra do Clube Tex, em Anadia, para o lançamento de “A Oeste”. Porquê a escolha deste evento?
Em primeiro lugar, porque também eu sou um admirador de Tex que leio desde a minha juventude quando ainda chegava ao nosso país, através da editora Vecchi e, por isso, tenho acompanhado ao longo dos anos este evento. Depois, porque em Anadia, sempre senti que estou entre amigos que sempre me apoiaram e incentivaram e que têm acompanhado bastante de perto o meu percurso. Por isso, o ano passado como ia publicar um western, achei que fazia todo o sentido que ele fosse lançado lá. Este ano, apesar de a obra não pertencer propriamente ao género, é, no entanto, na forma como é narrada, uma espécie de homenagem a essa forma de contar histórias. Por isso, continuei a considerar que a Anadia era o sítio ideal para a apresentação do livro.
Que acolhimento teve lá no ano passado?
Foi fantástico. Como disse anteriormente, na Anadia estou entre amigos. E em relação ao acolhimento tenho muito a agradecer, quer ao José Carlos Francisco, quer ao Mário Marques ou ainda ao Carlos Moreira que sempre me acolheram como se fosse um deles. Para além disso, foi uma oportunidade única para conviver com admiradores do Tex, que não vejo noutros eventos. Por fim, as idas à Anadia permitem-me sempre ter dois dedos de conversa com os desenhadores convidados e podermos falar um pouco entre nós sobre os desafios que a arte nos coloca.
Qual a sua relação com o western?
Digamos que o western está quase nos meus genes. Uma das coisas que ainda recordo com muitas saudades são as brincadeiras, enquanto criança, de cowboys que tinha com um vizinho meu, onde de certa forma dávamos continuidade às histórias de filmes que víamos na altura. Por isso, pode-se dizer que este sempre foi um dos meus géneros favoritos e, desde que me tornei autor de banda desenhada, alimentava o sonho de um dia poder construir um western, sonho esse que acabou por ser concretizado apenas no ano passado. No entanto, anteriormente já tinha feito o que se pode designar como um falso western. Tratava-se de “O Fim da Linha” que publiquei nas extintas Seleções BD e que mais não era do que um remake de “O Comboio Apitou Três Vezes”, um dos filmes que muito me marcaram. Uma das poucas diferenças em relação ao original era o facto de a ação se passar na atualidade, mais concretamente na viragem do milénio.
Apesar de não ser um western, “A Oeste”, que decorre no Portugal do século XIX, tem pontos de contacto com o género. Quer falar um pouco da obra?
Tem, claro que tem e tem algumas parecenças com “Rattlesnake”, porque na verdade, apesar do livro só sair agora, eu concebi-o algum tempo antes desse livro sair. É que, na verdade, “Rattlesnake” durante muitos anos não passou de um projeto que tentei publicar no estrangeiro, mas no qual infelizmente não fui bem-sucedido e só se concretizou o ano passado quando, após publicar as pranchas que já tinha feito no blogue o Jorge Deodato me desafiou para dar vida ao livro. “A Oeste”, na sua maior parte, foi feito antes disso e como pensava que o meu projeto de construir um verdadeiro western estava morto e enterrado, transferi alguns elementos do projeto inicial para este, nomeadamente o facto de a protagonista ser uma mulher sem nome. Para além disso, esta é também uma história que reflete um pouco sobre como o fanatismo pode deturpar uma ideologia, mesmo que ela possa ser até válida. Quem ler o livro pode até pensar que eu sou monárquico, o que não é verdade. O que pretendi transmitir é que os radicalismos podem acabar por matar um ideal, por muito válido que ele seja, porque o radical acaba sempre por deturpar os textos todos a seu favor…
Como conseguiste equilibrar o lado ficcional desta obra com o seu contexto histórico?
Quando decidi começar a elaborar esta obra, decidi pesquisar um pouco sobre o que foi o século XIX em Portugal e fiquei fascinado ao ver que tem muitos elementos que dão para construir verdadeiros westerns. Basta dizer que até uma guerra civil houve em Portugal, nessa altura. No entanto, eu quis centrar-me no conflito entre os ideais republicanos e monárquicos, porque se é verdade que a implantação da república só se deu em 1910, a verdade é que já no século anterior havia várias organizações clandestinas que a defendiam e a proclamavam como o regime ideal para acabar com a miséria vigente e com o estado de coisas a que o país tinha chegado. Por isso, sim, existe uma espécie de relação entre a realidade e a ficção.
Curiosamente, a mulher na capa de “A Oeste” faz lembrar a protagonista de “Rattlesnake”. Porquê este protagonismo no feminino?
Pois, como disse anteriormente, “A Oeste” foi concebido, antes de “Rattlesnake” ver a luz do dia. Como tal, a forma de conceber as heroínas foi algo similar. Para além disso, posso afirmar que acho as personagens femininas muito mais interessantes e menos contraditórias que as masculinas e tenho um fascínio particular por mulheres guerreiras que lutam um pouco contra as injustiças que as rodeiam.
Em que está a trabalhar agora? Vamos voltar a encontrar-nos com a protagonista de “Rattlesnake”?
Vou responder a essas duas perguntas ao mesmo tempo, porque na realidade estou a trabalhar precisamente no segundo tomo de “Rattlesnake”, onde posso adiantar desde já que os leitores irão saber mais qualquer coisa sobre a protagonista.
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