É difícil determinar qual pode ser a imagem que o leitor médio de banda desenhada em Espanha, pode ter neste momento de um autor como Jesús Blasco. Se esta mesma pergunta fosse colocada há alguns anos, não havia dúvida alguma da resposta: Blasco era reconhecido como o Mestre dos Mestres. Duvidamos muito que esta seja a interpretação actual, sobretudo pela falta de memória histórica que sempre caracterizaram os nuestros hermanos.Jesús Blasco Monterde nasce em Barcelona em 1919 e falece nessa mesma cidade em 1995. Irmão mais velho dos também desenhadores Adriano, Alejandro e Pilar, Jesús começa a sua carreira no mundo da banda desenhada com apenas 15 anos na revista Mickey e já em 1935 cria Cuto, o seu personagem mais emblemático e todo um mito da banda desenhada espanhola dos anos pós-guerra. Pese o facto de ter sido criado em outra publicação, Cuto foi popularizado na revista Chicos, da qual se converteu em um autêntico estandarte. A série que beneficiava do elegante estilo do desenho do seu autor, foi um passo adiante na exploração dos quadradinhos de aventuras. Blasco consegue com o seu trabalho em séries de colecções como Tragedia en Oriente ou En los dominios de los Sioux construir uma série de narrativas que, por serem de uma temática de aventuras, não estavam destinadas somente a um público infantil ou juvenil.
Durante as décadas de 60 e 70 Blasco centra uma boa parte da sua produção nos mercados estrangeiros; assim a partir de 1964, para o mercado britânico realizará, com argumento de Tom Tully, a série Zarpa de Acero que se converte em outro dos seus trabalhos mais conhecidos. Uns anos mais tarde Jesús cria Los Guerrilleros, série com ambiente de western escrita em colaboração com Miguel Cusso, e com a qual se encerra, o que poderíamos chamar o triunvirato dos seus trabalhos mais célebres. Sem embargo, a sua imensa capacidade de trabalho, unida ao facto que muitas das suas obras foram realizadas em colaboração com os seus irmãos, fazer uma mera enumeração dos seus trabalhos seria uma tarefa árdua. Não é de estranhar que se possa encontrar a sua assinatura desde uma versão em banda desenhada da Bíblia realizada para o mercado francês, até ao número um do semanário britânico 2000AD – ilustrando a série Invasión – passando pelas diferentes revistas da Warren norte-americana; ou que em França o nomeassem Caballero de las Artes y de las Letras.
A sua participação no relançamento de Capitán Trueno levado a cabo a partir de 1986 e o seu labor na série Tex, confirmam as duas grandes vertentes em que se dividiu o trabalho de Jesús Blasco nos seus últimos anos de carreira. Uma carreira em que demonstrou sempre ser um desenhador elegante, com um traço preciso com o pincel; um ilustrador aparentemente clássico, mas com uma narrativa e uma montagem eminentemente modernas que serviram de referência para os autores que se lhe seguiram em Tex. Inclusive um desenhador com uma trajectória tão extensa, como é o caso de José Ortiz mencionava no início do seu trabalho em Tex que um dos motivos porque havia aceite o convite era poder trabalhar na mesma personagem em que havia trabalhado o seu Mestre Jesús Blasco.
O episódio 307 de Tex, editado na Itália em Maio de 1986 traz a estreia de Blasco na série, tornando-se desse modo no primeiro de uma série de excelentes artificies que incrementaram a fila de desenhadores de Tex. A sua primeira história, Delitto al Morning Star, tal como as restantes, excepto a última, foi escrita por Claudio Nizzi e trata-se de uma história de intriga: um detective da Pinkerton, que está a trabalhar incógnito como jornalista é assassinado. O detective que se encontrava a investigar algo referente a um misterioso bando denominado como A Mão Vermelha, deixa uma nota para Tex, embora este não o conhecesse. Quem Tex conhece, é o mencionado bando, com quem no passado já tinha se confrontado; se bem que não sabe quem é a personagem que dirige o bando e que tem um interesse especial em liquidá-lo.
La Banda de Border, segunda aventura ilustrada por Blasco e publicada nos números 326 a 328, começa quando a Pinkerton se põe de novo em contacto com Tex e Carson para solicitar a ajuda de ambos. Nesta ocasião trata-se de desarticular um bando de ladrões de trens que pese o álibi de ex-combatentes sulistas fazendo algo de justo se mostram mais interessados nos proveitos económicos que em algum tipo de reivindicação política. Tanto esta história como a anterior são para Blasco o seu primeiro contacto com a série e servem sobretudo para ir fazendo uma rodagem para se identificar mais com os personagens e cenários. Assim será a partir da terceira história que começará a dar provas do seu grande talento. Fiamme sul Mississippi abarca as edições 351 a 353 e traz-nos de novo a Pinkerton pedindo auxílio a Carson e Tex. Em concreto trata-se de enfrentar um bando de piratas que se dedicam a assaltar barcos fluviais e que assina os seus golpes com uma carta com o desenho de uma caveira. Especialmente em destaque nesta história, são as diferentes imagens dos barcos, incluindo um em especial que o bando utiliza como base de operações, que Blasco desenha com uma singular elegância.
Rio Concho, quarta história de Blasco, aparece nas edições 369 a 371. O argumento gira em torno de uma investigação que Tex e Carson levam a cabo sobre uns estranhos ladrões de gado, que em vez de levarem as reses, fazem com que se despenhem por um barranco tentando não deixar pistas. De novo, Nizzi constrói um argumento em que os protagonistas devem dar cabo da cabeça para saberem o que está a acontecer, antes de poderem actuar para solucionar o caso. Os números 397 a 399 trazem o final da ligação Nizzi-Blasco: La citta della paura é uma história clássica de desafio do cowboy com o chefe local que tem atemorizado toda a população de uma cidade, depois de Carson e Tex receberem um pedido de ajuda de um xerife amigo que tenta manter a ordem na cidade de Topeka. A colaboração de Jesús Blasco em Tex conclui em meados de 1994 com Bande rivali, aventura publicada nos números 403 a 405, escrita por Michele Medda. A história apresenta a actuação de dois bandos distintos de delinquentes, em meio dos quais Carson e Tex se encontram quando por encargo da Pinkerton, de que Blasco já devia fazer parte por esta altura, tratam de resolver o sequestro de um jornalista, filho de um governador.
Se alguém perguntar o que trouxe Jesús Blasco a Tex, a melhor resposta, seria a elegância; ao menos é este o adjectivo escrito em maior número nestas linhas. É inegável que os seus desenhos já não eram tão dinâmicos e já lhe custava algum trabalho desenvolver as sequências de acção. Somente para poder desfrutar uma vez mais da mestria com o pincel de Jesús, vale a pena contemplar com atenção cada uma das suas páginas de Tex. A diferença da regra habitual dos desenhadores que fizeram a série no decorrer dos anos, que foi a de se incorporarem na série na primeira fase das suas carreiras de desenhadores, Blasco chegou quando já era um desenhador veterano e com um estilo já formado. E de facto, esse mesmo estilo era um dos mais distanciados dos modelos tradicionais que se deram à colecção, o que não o impediu que se soubesse adaptar ao modelo narrativo da série. Inclusive pode dizer-se que Blasco era um desenhador que casava bastante bem com o estilo de Nizzi: um argumentista de ritmo lento, que gosta de utilizar muitos tempos médios, com grandes sequências dialogadas. E é precisamente nessas sequências onde Blasco conseguia os seus melhores resultados, mediante uma profusa utilização de primeiros planos das personagens que sabia desenhar de maneira impecável.
Várias são as obras pelas quais os aficcionados recordam sempre de Jesús Blasco, mas o seu trabalho em Tex constitui sem dúvida um testamento artístico à altura do que ele foi: um dos maiores desenhadores que a banda desenhada espanhola deu em toda a sua história.
Texto de José Carlos Francisco, baseado no livro-catálogo “Tex Habla Español”.