O ”WESTERN” NA EUROPA
Evidentemente que muitos anos antes dos filmes de “western” europeus darem os seus primeiros passos, nos inícios dos anos 60, a Banda Desenhada europeia sobre o tema, já tinha percorrido um largo e bom caminho, recheado de excelentes trabalhos produzidos, principalmente, a partir de 1948 e 1950. Em Espanha um pouco mais cedo, pois 1946/1947, marcam o início de “Cuto Nos Domínios dos Sioux” (1946) de Jesus Blasco e “El Coyote” (1947) de Francisco Batet. Em Itália e em 1948, surgem “Tex” de Bonelli e Galleppini, “O Pequeno Xerife” de Camilo Zuffi e um anos depois, De Vita e Paparella criam “Pecos Bill“. Em França é a vez de “Sitting Bull” de Dut e Marijac (arg.), igualmente criado em 1948 e “Sam Billie Biil” de Lecureux e Nortier, um ano depois.
Em Portugal e embora em 1946, Eduardo Teixeira Coelho já tivesse surgido com trabalhos ligados ao tema, com “Falcão Negro“, será, sem duvida, Vitor Péon, o pioneiro, com o seu verdadeiro “herói“, “Tomahawk Tom” e que terá mais de uma dezena de aventuras publicadas. Finalmente em Inglaterra e com “Riders of The Range” (1950) de Charles Chilton e Frank Humphris, dá-se ali, igualmente, os primeiros passos nas aventuras de “western“.
Mas para este país teremos que fazer um parêntesis, já que o material criado em Inglaterra no campo de “western“, não só desenhado por artistas ingleses como por estrangeiros, é de tal modo intenso e de grande qualidade, que não seria justo passar ao lado. Não nos podemos esquecer de “Kit Carson” de Geoff Campion, Patrick NicoLle, Ron Embleton, Derek Eyles, etc., “Strongbow The Mohawk” de Philip Mendonza, Robert Forrest, Colin Merritt e “Buffalo Bill” de Fred Holmes, Steve Chapman, Jesus Blasco, Eric Bradbury, etc., mas sobre eles falaremos num capitulo à parte.
Não nos podemos esquecer finalmente da Bélgica, que nos legou uma personagem fabulosa e cheia de encanto, como émulo de “Lassie” e de “RinTinTin“, a cadela “Bessy” criada em 1952 por Willy Vandersteen e “Sargent Kirk” de Hector Oesterheld e Hugo Pratt, criado em 1953 na Argentina, mas muito melhor divulgado na Europa, inclusive em Portugal.
As histórias do Oeste criadas por argumentistas e desenhadores norte-americanos, nunca fizeram justiça ao verdadeiro Oeste. Com raras excepções, talvez “Red Ryder” fosse uma das poucas séries, que retratou, mais ou menos bem, a vida do Oeste. Todas as outras e talvez baseadas nos filmes da época, apresentavam-se normalmente com um “cow-boy” quase invencível, bom a cavalgar e rápido no gatilho, amante da justiça e pouco mais. Os europeus souberam recriar, muitas vezes sem se deslocarem ao local da acção, a verdadeira vida do Oeste, a colonização, o conflito com os índios e o seu genocídio, os costumes, a vida nos ranchos e toda uma série de factores que viriam a influenciar sobremaneira, a expansão e o engrandecimento do Velho Oeste (hoje, velho). Algumas tentativas já tinham sido feitas anteriormente, embora mais simples e limitadas, se nos debruçarmos sobre outros trabalhos de outros autores. Por exemplo, “Rob The Rover” (Pelo Mundo Fora), datado de 1920 e da autoria do inglês Walter Booth e onde uma vez, “Rob” se vê confrontado com o oeste, numa das suas viagens. O francês Marijac, autor de uma pequena obra-prima, “Sitting Bull” (publicado no nosso saudoso “Cavaleiro Andante“), já se tinha iniciado com “Jim Boum” em 1931.
Reg Perrott, outro inglês famoso, criou “A Flecha de Ouro” em 1937, Rino Albertarelli (desenhador italiano) e Walter Molino (argumentista italiano), já tinham criado as aventuras de “Kit Carson” (1937) e os franceses Le Rallic e René Giffey, ocuparam-se das séries, respectivamente, “Poncho Libertas” em 1944 e “Buffalo Bill” em 1946. A Banda Desenhada europeia viria a evoluir, muito mais que os trabalhos norte-americanos, isto porque estes encontram-se normalmente confinados às páginas dos “comic-books” e ao seu número, 7/12 por história, enquanto os europeus possuíam um número ilimitado de páginas para trabalhar. Por exemplo, “Sitting Bull” tem 300 páginas, permitindo-lhe por isso uma aproximação e um desenvolvimento mais exaustivo do tema e das personagens.
Além disso os autores europeus debruçaram-se sobre outros temas, principalmente histórias verídicas. Muitas figuras célebres começam a ser desmistificadas, relatando os acontecimentos tal como se passaram na realidade e não como fruto da lenda. Isto irá permitir uma maior credibilidade do trabalho dos artistas e, ao mesmo tempo, os leitores interessados, passam a considerar este tipo de leitura mais fiável. Aliás, ao longo dos anos, esse facto vai-se tornando cada vez mais flagrante, com outras séries que vão aparecendo na década de 50:
“Jerry Spring” (1954) de Jijé (Joseph Giliain), “Matt Marriott” (1955) de Tony Weare, “Gun Law” (1956) de Harry Bishop, “Ticonderoga” (1957) de Oesterheld e Pratt, “Wess Slade” (1960) de George Stokes, “Fort Wheeling” (1962) de Oesterheld e Pratt também e “Tenente Blueberry” de Jean Giraud e Charlier. Mas a história mais perfeita e mais emocionante de todas, nasce da pena de autores italianos, que irá ter duas edições, apesar dos seus 73 volumes na primeira e 75 na segunda. Chamava-se “Storia Del West” (História do Oeste), (1967) da autoria de Gino D’Antonio, Renzo Calegari e Sergio Tarquínio.
A mesma seria editada em Portugal e no Brasil, mas em moldes diferentes no nosso país, através dos editores Mário Assunção e José Martins Ramos. No Brasil ela seria inicialmente editada pela Ebal. Teve os 73 volumes editados, tendo surgido o primeiro em finais de 1969, vindo a terminar quase em finais de 1987. Duraria pois, 18 anos, isto porque a colecção chamava-se “Epopeia-Tri” e como o seu nome indicava, cada edição saia de 3 em 3 meses. Esta foi uma decisão da Ebal, que nunca agradou ao editor italiano Bonelli.
Em Portugal a mesma colecção apareceria três anos depois, em 1972 e era publicada mensalmente. Chamava-se “Histórias do Oeste” e viria a terminar 3 anos depois, em 1975, unicamente com 38 volumes publicados. O Nº. 1 respeitava a saga dos “Mac Donalds“, mas muitos volumes apresentavam-se com outras histórias, que embora da autoria de desenhadores italianos também, nada tinha a ver com a história de Gino D’Antonio. Recordando: O Nº 1 respeitava à saga, tendo a mesma capa da edição italiana. Os Nºs. 3, 5, 7, 9, 11, 12, 13 e 14, incluíram os episódios, respectivamente, dos N°s. 2 ao 9 da edição italiana e brasileira. Os N°s. 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 35 e 38 da edição portuguesa, publicaram os episódios da família Mac Donald, respectivamente, dos N°s. 10 ao 22. As aventuras publicadas nos outros números da edição portuguesa, não correspondentes aos episódios da “História do Oeste“, incluem as aventuras de “Davy Crockett“, “Rio Kid“, “Rapaz do Oeste“, “Sargento York“, “Yuma Kid” e aos “Três Bill“, da autoria dos desenhadores Alfio Ticci, Uggeri, Rinaldo D’Ami (Roy D’Ami), Benvenuti, D’António, Calegari, etc..
A reedição da edição italiana da “História do Oeste“, teve 75 volumes. Porquê este número em vez dos iniciais 73? Tal deve-se a que os três primeiros volumes desta série, publicados em Julho de 1967, pela primeira vez em Itália, não possuíam episódios completos, continuando nos 2° e 3° volumes. Além disso, os factos eram narrados de uma forma muito rápida. Com a publicação da 2ª edição dos Mac Donalds em Itália, Gino D’António resolveria escrever mais 200 páginas e intercalou-as nos volumes 1 a 3, transformando estes em 5. Duas novas capas, algumas correcções ao trabalho anterior e também meia dúzia de alterações na ordem dos episódios, transformaria esta nova edição, numa das melhores colecções do Oeste, que até hoje se publicaram em qualquer parte do mundo. A Record, uma editora brasileira, resolveria publicar de novo essa colecção, com essas alterações. Infelizmente ficaria pelo Nº. 21. E ainda bem, pois a impressão era péssima. Essa colecção só teve a particularidade de seguir fielmente a edição italiana, com novas traduções, mais fieis (alguma frases foram suprimidas pela Ebal e alguns nomes de índios viriam a ser alterados). Do mesmo modo, a Ebal alteraria a capa do Nº 1 de sua colecção, colocando a figura de “Bret Mac Donald” a cavalo, em vez do índio.
Mais tarde e em Portugal, a partir de 15/7/81, a história foi adquirida pela Agência Portuguesa de Revistas, que passou a incluí-la, na sua colecção “Sioux“, a partir do seu Nº. 196 até ao 213, publicando ali 6 histórias, à média de uma em cada três números. Trata-se de uma obra a não perder, embora agora de difícil aquisição, onde é relatada a vida de uma família de pioneiros, com todas as vicissitudes por que passam, no seu contínuo deambular pelos Estados do Oeste, na procura do local sonhado.
Em paralelo vão surgindo a maior parte dos acontecimentos históricos, que fazem parte da colonização do Oeste. “Comanche” (1969) de Herman (des.) e Greg, “Sunday” (1969) de Vitor Mora e Vitor de La Fuente (des.), “Manos Kelly” (1970) de Antonio Hernandez Palácios, recentemente falecido e “I Protagonisti” (1971) de Rino Albertarelli (última obra deste desenhador), onde são relatadas as vidas de Billy The Kid, Custer, Gerónimo, Wyatt Earp, Wild Bill Hicock, etc., (quatro destas obras seriam igualmente editadas pala Ebal – Brasil), são mais algumas das séries que viriam a aparecer na década de 70. Derib um desenhador suíço, a trabalhar na Bélgica, cria quatro histórias ligadas ao Oeste: “Yakari” (1970), as aventuras de um pequeno índio que fala com os animais, “A Buddy Long Way” (1972), “Celui Qui Né Deux Fois” (1981) e “Red Road“.
“Jonathan Cartland” da autoria de Blanc-Dumont e Laurence Harlé, “Mac Coy” de Gourmelen e Palácios e “Os Pele-Vermelhas” (publicados em álbuns em Portugal) de Hans Kresse (desenhador holandês), todas criadas em 1974, são bem representativas, de como os desenhadores europeus conseguiram ocupar na Banda Desenhada um lugar cimeiro na criação, investigação e desenvolvimento de personagens ligadas ao “western“. Seguem-se ainda “Grandes Mitos Del Oeste” (1975) de Joseph Toutain e José Ortiz, abordando e descarnando, algumas das personagens do Oeste, retirando-lhes das suas vidas as lendas, “West” (1975) de Eleuteri Serpieri onde, mais uma vez, e por outro autor italiano, os mitos são postos de parte, “Jim Cutlass” (1976) de Charlier, Jean Giraud e Rossi, “L’Indien Français” (1977) de Ramaioli e Durand, “Ken Parker” (1977) de Berardi, Milazzo, Calegari e outros desenhadores, “Welcome To Springvill” (1977) pelos mesmos três autores indicados atrás, “Los Gringos” (1979) de Charlier, Guy Vidal e Vitor de La Fuente, “Durango” (1981) de Yves Swolfs, “Les Pionniers du Nouveau Monde” (1982) de Jean-François Charles e Ersel, “Verão Índio” de Pratt e Manara (des.), “História do Far-West” (1985) por Marcello, Serpieri, Frisano, Buzzelli, Bielsa, D’Antonio e outros mais (obra esta que seria publicada no nosso pais, infelizmente, só até ao 5°. volume, devido ao insucesso da mesma) e “Trent” de Rodolph e Leo.
É claro que não iremos continuar aqui a indicar mais títulos de histórias dedicadas ao “western“, que tenham surgido quer antes quer depois das que referimos neste artigo. Para tal e destinado a todos os interessados, irão ser incluídas todas as personagens num dicionário, apresentado num outro local deste Fanzine, com o seu nome, país de origem, ano da sua criação e respectivos autores, seguidos de uma ou outra ilustração, consoante o espaço que tivermos disponível.
Também os desenhadores europeus souberam divertir-se, parodiando muitas personagens e locais do Oeste, através da criação de muitos “heróis” que souberam e bem, defender o bom nome da Banda Desenhada europeia, especialmente a franco-belga: “Lucky Luke” de Morris (falecido em 2001), “Chick Bill” (1953) de Tibet, “Oumpah Pah” (1958) de Goscinny e Uderzo, “Les Tuniques Bleues” (1968) de Cauvin e Lambil, etc., etc..
Hoje a Banda Desenhada cujo tema é o “western“, tem os dias contados, mesmo a nível europeu. Com excepção talvez da Itália, país onde a tradição das Histórias aos Quadradinhos do Oeste se mantém inalterável, com as aventuras de “Tex” e “Zagor” (apesar da morte de Bonelli em 2001). Em quase todos os outros, com uma pequena excepção para França, devido ao aparecimento de novos autores de BD, a abordar o tema, que possa manter ainda a chama acesa, o fim está próximo. Agora com a morte de Morris, o panorama é ainda mais negro.
Nota: Baseado num artigo de Jorge Magalhães
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