Existe uma geografia de Tex, que não é aquela das pradarias, dos desertos e das montanhas atravessadas pelo Ranger na sela do seu fiel Dinamite. É uma geografia totalmente italiana que se estende entre Milão, onde ficava a Editora Audace (dirigida no pós-guerra por Tea Bonelli, esposa de G. L. Bonelli) e a Ligúria (Génova e depois Varazze) para onde G. L. Bonelli, após se separar da esposa, se transferiu e iniciou uma pequena actividade editorial de onde desenfornava roteiros para História em Quadradinhos. Daquelas centenas de folhas escritas surge um pistoleiro de nome Tex Killer que, rapidamente se transformará em alguém mais tranquilo, Tex Willer, a quem o desenhador Aurelio Galleppini dará um rosto semelhante a um jovem Gary Cooper, mas que na realidade é o seu próprio. Quando em 30 de Setembro de 1948, sai pelas edições Audace o primeiro número da Série de Tex, uma pequena revista em formato de tiras (talão de cheques), Sergio Bonelli, filho de Tea e G. L. Bonelli tem pouco menos de 16 anos, mas já trabalha na Editora. A partir de 1957 assume a direcção e ainda hoje resiste ao leme de uma indústria que lançou quadradinhos como Zagor, Mister No, Martin Mystère, Dylan Dog, Nathan Never, Júlia, Mágico Vento e tantos outros.
Em suma, Sergio Bonelli, Tex é um herói do Oeste ou um herói italiano? Quanto do nosso País (Itália) existe no seu sangue?
Sergio Bonelli: Existia muito, ao menos no início. E isto por falta de documentos e livros que nos explicassem como de facto era o Oeste. Naqueles anos, em Milão, não se encontrava um livro ou uma revista americana nem que pagasse um milhão. Lembro-me que, no quiosque da Piazza della Scala, chegava apenas uma cópia de True West e de algumas Histórias em Quadradinhos, que eram sempre compradas por Rinaldo D’Ami (desenhador e posteriormente editor – NDT) que falava bem o inglês. Assim, nas revistas de Tex daquela época, existem espingardas improváveis, desenhados por gente que jamais tinham visto uma Winchester de perto, existem panoramas e paisagens italianas, montanhas que são um pouco do Grand Canyon e das Dolomitas (montanhas italianas que ao amanhecer e ao entardecer, assumem uma coloração rósea – NDT), onde Galleppini passava as suas férias. Existem também córregos da Sardenha, onde o desenhador viveu por anos, ranchos que lembram povoados toscanos ou do Agro Pontino. E ainda há a camisa sem mangas que Tex mostra em alguns quadradinhos, diferente das longas ceroulas que os heróis dos filmes de faroeste costumavam usar: dizem que ela nasceu em Marselha, mas a camisa sem mangas é um pouco a roupa-símbolo do italiano daquela época.
Na Itália do pós-guerra Tex poderia ser um debandado à procura de uma relação institucional onde se reencontrar, como lhe aconteceu nos quadradinhos: de fora-da-lei a Ranger?
Sergio Bonelli: Sobretudo ele é alguém que sofreu um revés e quer fazer justiça sozinho. De resto o nome Tex Killer agradava demais a Gianluigi Bonelli. Meu Pai amava o pugilismo e as histórias cheias de acção, socos, mortos e feridos. Havia uma paixão particular para os duros à maneira de Mike Spillane.
Mas as raízes de Tex e as fontes de Gianluigi Bonelli estão mais na literatura ou no cinema?
Sergio Bonelli: Meu Pai leu de tudo, ele gostava sobremaneira dos romances de capa e espada e as aventuras africanas, mas na realidade escolhia o cinema porque era mais próximo da sua linguagem de argumentista.
Ter-lhe-ia sido aprazível fazer cinema?
Sergio Bonelli: Certamente. Ele desenvolveu um guião com o improvável título de “Os falcões voam sobre os montes” e outro, sobre Cagliostro (Conde Alessandro Cagliostro, foi um viajante, ocultista e mago, nascido em Palermo Itália em 1743 – NDT), era bonito terminado e encadernado, mas permaneceram na gaveta. O mundo do cinema tinha uma atitude snobe em relação à banda desenhada: disse não ao grande Hugo Pratt, imagine a Bonelli…
O mito do Oeste ainda resiste?
Sergio Bonelli: Nos jovens cada vez menos, e depois a facilidade das viagens, mais ou menos organizadas, exauriu o fascínio das aventuras do Velho Oeste ou das aventuras exóticas tipo Legião Estrangeira. Tex é um sobrevivente, expressão de sentimentos simples…
Porém ainda vende as suas boas 200.000 cópias mensais, sem considerar os álbuns especiais, os Tex Gigantes, etc. Depois dele não faltam releituras em quadradinhos de heróis do Velho Oeste: de Ken Parker a Mágico Vento, mas nenhuma teve um sucesso tão duradouro e substancioso. Por quê?
Sergio Bonelli: Porque nenhuma dessas personagens, embora importantes e de grande qualidade, têm a facilidade comunicativa de Tex.
Existe algo de inédito, de novo a respeito de Tex que Gianluigi Bonelli nunca tenha revelado?
Sergio Bonelli: Bem, praticamente foi dito e escrito de tudo. Uma coisa curiosa, porém devo lhe dizer: Gianluigi gostava de contar aos outros que ele, não era senão uma espécie de intermediário, um médium em uma sessão espírita. Ele começava a escrever a história, mas depois eram as personagens que lhe diziam como levá-la adiante, como enredar as acções. Talvez acreditasse nisso de verdade, mas por certo era de tal modo convencido da sua capacidade de autor que não traçava nunca um argumento e a história crescia assim, como se já estivesse escrita.
Entrevista apresentada no sítio L’Unità.it
Copyright: © 2008, L’Unità.
Tradução e adaptação a cargo de Sílvio Raimundo.
NDT – Nota do tradutor
Obrigado ao blogue, ao tradutor pelo esforço magnífico, uma entrevista memorável! Um abraço. Orlando Santos Silva – Lisboa
Muito obrigado pela entrevista José Carlos.
O senhor Sergio Bonelli é uma grande personagem. Quanto aos jovens, tenho a certeza que não leem muito. Mas posso dizer que eu só tenho 20 anos, e leio o Ranger com um grande prazer. 😉