Entrevista Exclusiva: Giorgio Giusfredi, o Cozinheiro Escritor

Introdução e Tradução de Mário João Marques *
Revisão de José Carlos Francisco

No final de Janeiro de 2020 surgiam em Itália os primeiros casos de pessoas infectadas com coronavírus, dois turistas chineses. O governo italiano decretou, então, o estado de emergência e anunciou a suspensão dos voos de e para a China, como medida de precaução, numa altura em que a própria Organização Mundial de Saúde afirmava não haver razões para a tomada desta decisão, apesar de outros casos que já tinham sido confirmados em países como França, Alemanha, Finlândia e Reino Unido. De então para cá, o comércio fechou portas, tal como farmácias, supermercados e postos de combustível, linhas de produção e de abastecimento foram interrompidas, culminando no anúncio da quarentena em meados de Março. Apanhada no meio desta dramática situação, a Sergio Bonelli Editore (SBE) foi também forçada a fechar portas e os seus autores confinados a trabalhar em casa, longe do rebuliço e do habitat natural da fábrica dos sonhos italiana.

Durante este período, de modo a manter o contacto e estreitar relações com os seus leitores, a SBE foi divulgando vários vídeos com autores, “Em Casa com o Autor”, e Giorgio Giusfredi foi um dos eleitos. Apaixonado pela cozinha, pela escrita e pelos fumetti, Giusfredi é actualmente figura de proa na editora, onde foi subindo a pulso. Começou em Zagor, continuou em Dampyr (de cuja série é curador em partilha com Mauro Boselli), até chegar a Tex. Como o próprio refere, este período de confinamento representou muito esforço e metade do rendimento, por isso, o artigo que o autor tinha prometido escrever acabou por ficar adiado, apesar de continuar prometido, em função de outras prioridades editoriais. Mesmo assim, Giusfredi não deixou de acarinhar o Clube Tex Portugal e responder a um conjunto de questões que, de certa forma, pretende apresentar aos menos conhecedores um jovem autor que já deixou de ser promessa, para se tornar numa agradável certeza do fumetto italiano.

Giorgio Giusfredi

Começamos, então, com uma pequena apresentação: quem é Giorgio Giusfredi?
É um rapaz (se é que com 36 anos ainda posso definir-me como tal, mas espero que sim), que começou a trabalhar desde muito cedo na cozinha e que agora trabalha no mundo da banda desenhada lado a lado com os seus ídolos de infância e da adolescência.

Como e quando é que entraste na Sergio Bonelli Editore e qual foi o teu primeiro trabalho?
O meu primeiro trabalho foi um artigo para um número da colecção Almanacchi, dirigida por Graziano Frediani. Creio que foi um Almanacco del Giallo, publicado no final dos anos 2000, antes do falecimento do saudoso Sergio Bonelli. Foi o próprio Graziano que me trouxe à editora, apresentando-me a todos os colaboradores, entre os quais, Maurizio Colombo, Moreno Burattini e Mauro Boselli

O que significou para ti a estreia em Zagor?
Antes de eu ter começado a lidar com quem estava nos bastidores de Tex, as minhas personagens preferidas eram Zagor e Dampyr. Quando conheci Moreno, o curador de Zagor, propus-lhe um argumento francamente horrível e muito extenso. Cordialmente, ele fez-me ver que se tratava de um projecto falhado e convenceu-me a colocar as minhas ideias em poucas linhas, para que pudesse ver se eram boas. Ele apreciou todas e disse-me para escolher uma e, a partir dali,escrever um guião. Acabei por escolher uma que tinha personagens de Mauro Boselli e então Moreno disse-me que eu devia optar por outra ou então teria de convencer Boselli a escrever o meu guião. Moreno disse-me ainda que não tinha tempo para ensinar-me a escrever. Nessa altura, entrou em cena Maurizio Colombo, que escolheu uma ideia (mesmo que depois ficasse praticamente apenas o meu título) e deixou-me escrever o guião com ele, para me ensinar como fazer. Foi um trabalho longo, mas ele assim o fez e ensinou-me muito. E representa para mim o primeiro trabalho como autor profissional de banda desenhada. Para mais, desenhado pelo criador gráfico de Zagor, Mestre Gallieno Ferri!

Depois de Zagor veio Dampyr. Uma mudança radical. Porquê?
Como disse, para além de Tex e Zagor também era e sou fã de Dampyr. Quando Mauro viu o meu trabalho em Zagor com as suas personagens, disse-me: “não penso sequer desenvolver um guião baseado num dos teus argumentos, mas, por acaso, tens alguma ideia para Dampyr? Entreguei-lhe dois argumentos, que lhe agradaram.E desenvolvi-os ambos. Dito desta forma parece fácil, mas a verdade é que, quer com Colombo, quer com Boselli, tudo levou muito tempo e foram feitas muitas alterações. Ainda hoje eu continuo a aprender com os meus mestres. Mas a minha aplicação talvez tenha levado Mauro a pensar que eu poderia ser-lhe útil na redacção. Foi um golpe de sorte para a minha ambição de argumentista. Se bem que editor e argumentista sejam duas tarefas diferentes, trabalhar ao lado do Bos ajuda-me a crescer mais rapidamente, muito mais depressa mesmo como escritor.

Como ocorreu a tua passagem para a equipa de Tex?
Com Mauro, trabalho quer nas histórias de Dampyr, série onde desde há uns meses tenho o privilégio de figurar como curador ao seu lado, quer também em Tex, que conheço muito bem e de quem sou apaixonado. As histórias que escrevi saíram quase todas de forma sucessiva, mas algumas tiveram uma longa gestação, durante a qual eu fui amadurecendo o desejo de escrever para a personagem porta-estandarte da SBE.

O que significa para ti escrever histórias para uma lenda do fumetto como é Tex?
É um sonho tornado realidade. Um desafio contínuo. Um esforço agradável. É algo muito importante na minha vida. Conheci Tex e lia-o mesmo antes de andar na escola, atraído pelas capas western. Graças às minhas duas avós que me criaram a pão e western, com os velhos filmes que eram transmitidos na programação da tarde, tal como ver uma capa de Tex nas bancas era um verdadeiro choque. Há um tempo atrás, revi uma das minhas professoras da escola primária que me disse que no 5º ano eu estava constantemente a falar de Tex, juntamente com história, geografia e até matemática.

Quantas histórias de Tex estás a escrever actualmente? Podes contar-nos algo sobre as mesmas ou alguma particularidade?
Estou a escrever duas histórias. Uma longa e uma mais curta. Esta última será para um dos álbuns cartonados a cores que a editora tem vindo a publicar desde há uns anos e será desenhada por Alfonso Font, um dos grandes autores mundiais da banda desenhada. Estou muito orgulhoso em poder trabalhar com ele em Tex. E as pranchas já realizadas são verdadeiramente belas.

Que autores serviram de inspiração?
Ao lado de Gianluigi Bonelli, o autor mais influente é sem qualquer dúvida Mauro Boselli. Com Mauro eu cresci como leitor, tanto que às vezes ele pergunta-me: “como é que tu sabes isso?”. E eu respondo-lhe: “aprendi com uma das tuas histórias”. Depois, também Sergio Bonelli e Claudio Nizzi. Acho que se alguém pretende escrever Tex deve absolutamente ler e aprender, tal como com uma canção, as histórias de Bonelli, Nolitta, Boselli e Nizzi. Mas também as de Pasquale Ruju, que já é, sem dúvida, um dos grandes nomes do nosso amado Ranger.

Em 2018 saiu para as bancas a nova série Tex Willer. Como tem sido a aceitação, sobretudo entre os leitores mais conservadores e antigos?
Um sucesso incrível. Aliás é Tex! Certamente mais jovem, um fora-da-lei destemido e um pouco mais vulnerável, mas é sempre Tex. Mas não devo ser eu a dizê-lo, uma vez que sou um dos colaboradores, mas o nível das histórias é altíssimo.

Vais continuar a escrever para Tex ou trata-se apenas de um breve período da tua carreira, como aconteceu com Zagor e Dampyr?
Além das duas histórias de Tex, estou também a escrever três histórias para Dampyr e irei escrever muitas mais, sem dúvida. Também para Zagor começarei em breve a escrever o argumento de mais uma daquelas ideias que entreguei há doze anos atrás ao Moreno.

Para finalizar, falemos um pouco da situação actual de pandemia em Itália e no mundo inteiro. Como fazes o teu trabalho em confinamento?
Com o triplo do esforço e metade do rendimento. Eu habito em Lucca e Mauro em Milão. Muitos e muitos telefonemas, um sem número de emails, muitas informações chegam-me por via digital, outras pelo correio.

De que forma esta situação anómala influenciou a actividade da Editora e em particular de Tex?
Além da cadeia de trabalho que, como já sublinhei, é muito fatigante, pouco mais alterou. Todas as publicações saíram nas datas previstas e eu estou bastante orgulhoso daquilo que ainda está para ser publicado. Tudo histórias emocionantes e convincentes, vocês vão ver!

* Entrevista publicado originalmente na Revista nº 12 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2020.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Excelente entrevista! Muito bom ver a trajetória dos autores. Verdadeiramente inspirador.

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