Entrevista com o fã e coleccionador: Everaldo Moreira

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco.

Para começar, fale um pouco de si. Onde e quando nasceu? O que faz profissionalmente?
Everaldo Moreira: Bueno, dando uma contextualizada, eu sou gaúcho, nasci no Estado do Rio Grande do Sul. Eu nasci e me criei na fronteira oeste desse Estado, que é divisa com a Argentina. Por isso eu costumo falar e usar muitos termos em espanhol. Aliás, na minha região só se fala o portunhol, que é o português misturado com o espanhol. Minha cultura gaúcha é muito apegada ao cavalo, às lidas do campo e ao contato com a natureza. Na minha região predomina a pecuária e a agricultura, e a nossa tradição é semelhante à dos gaúchos argentinos. Eu me criei numa pequena aldeia, cercado por grandes rancheiros, criadores de gado, e grandes agricultores. A cultura do meu Estado é diferente da cultura de todo o resto do Brasil. E a do gaúcho da fronteira oeste , que é o meu caso, é mais ainda. Pois na minha região os homens usam muito as bombachas, que é uma calça bem larga, botas com esporas, lenço no pescoço e chapéu de abas largas. O vício do chimarrão, que é um chá quente de erva mate, tomado numa cuia de porongo, predomina entre nós. Assim como a cultura do churrasco, que é comer carne assada espetada num espeto de madeira, feita preferencialmente num fogo de chão. Também como gaúcho, nosso Estado tem danças e músicas diferenciadas de todo o resto do País. No meu Estado, o Rio Grande do Sul, predomina também a cultura italiana e alemã, sendo que muitos imigrantes vieram pra cá no século passado. Eu, por exemplo, sou descendente de alemães, daí o sobrenome Lasch. Eu nasci numa pequena cidadezinha, chamada São Francisco de Assis, no ano de 1969, na fronteira oeste gaúcha. Aos vinte e cinco anos, mais ou menos, encantado com a pregação de alguns missionários católicos que pregavam pelas redondezas, entrei para um Seminário de Formação Religiosa. Quis ser padre. Nesse Seminário fiz faculdade de Filosofia, estudei Teologia, e vários outros cursos na área de Formação humana e espiritual. Fiquei vários anos como seminarista e missionário católico.
Conheci vários Estados do Brasil fazendo missão. Mas chegou um ponto , há alguns anos atrás, que vim a me decepcionar com a vida religiosa que levava, com coisas que presenciava e não achava certo, que acabei abandonando de vez essa vida. E eu saí com uma mão na frente e outra atrás, sem dinheiro e sem ter para aonde ir. Pois como religioso não tinha salário e só ganhava da instituição comida e teto para morar. Nesse meio tempo, devo de ressaltar, nunca deixei de ler Tex, Zagor e outros tipos de gibis. Mas principalmente Tex, que eu lia às escondidas de meus superiores no Seminário. Muitas vezes coloquei o gibi do Tex no meio de uma Bíblia grande, indo para uma capela ler. Bueno, sempre gostei também de desenhar e de escrever. E depois que deixei a vida religiosa passei a colaborar, no meu Estado, com alguns jornais por onde passava. Publicava charges, cartoons, crônicas, etc.. Todavia, como no nosso País a cultura é muito pouco valorizada, não conseguia sobreviver só disso, começando a trabalhar em qualquer atividade que aparecesse, a maioria braçal. Trabalhei muito também em Escolas, contratado por seus diretores para bolar peças de teatro e ensaiar com seus alunos. Teatro é outra paixão minha, e ainda hoje escrevo, dirijo e atuo em peças de teatro. Atualmente, devido às agruras dessa pandemia nefasta, estou morando no Estado do Paraná, aonde trabalho num serviço pesado e braçal, que é o de um ajudante de mudanças. Moro sozinho, nunca casei. Nesse Estado tenho colaborado com o jornal local, publicando tirinhas com personagens criados por mim. Outra coisa, escrevo, ilustro e publico livros por conta própria, os divulgando pelas escolas e bancas de jornais da região. Infelizmente, como já ressaltei, nosso País valoriza pouco a cultura, nossos jovens não querem saber de ler, só de redes sociais, e eu escrevo mais por amor e hobby mesmo.

Quando nasceu o seu interesse pela banda desenhada?
Everaldo Moreira: Bueno, não sei nem como responder direito essa pergunta, pois se eu falar com sinceridade tenho que destacar que meu amor pela banda desenhada nasceu ainda no ventre de minha mãe. Sabe, meu amado e saudoso pai era um leitor de quadrinhos inveterado. Lia de tudo: Zorro, Tarzan, Mandrake, Fantasma, Flash Gordon, Zagor, Disney, etc… Então, eu nasci e me criei rodeado por gibis. Meu pai era funcionário federal, passava muito tempo em casa, e a imagem que tenho dele na mente é ele, bem jogado numa poltrona, com uma xícara de café do lado e um gibi entre as mãos. Desse modo, minha paixão por quadrinhos se deu ao natural, veio de berço, mesmo.

Quando descobriu Tex?
Everaldo Moreira: Será que eu descobri Tex, ou foi Tex que me descobriu?!… Como já salientei antes, meu pai era fanático por quadrinhos, por leitura. De modo especial por Tex, é claro. E ele tinha toda a coleção de Tex em casa. Tudo aquilo que tinha sido publicado no Brasil naquela época ele tinha. Era o seu tesouro. Passava lendo e relendo e admirando suas capas. Lembro que ele guardava tudo dentro de uma grande caixa de papelão, que ele zelava como algo de valor insubstituível. Essa caixa era guardada em cima do guarda-roupa de seu quarto, e só ele tinha acesso a ela. Então, desde bebê, eu sempre vi o meu pai com um gibi do Tex entre as mãos. Uma curiosidade: eu e meus irmãos, porque éramos uma família numerosa, já fomos para a Escola, aos seis anos de idade, já sabendo ler e escrever. Aprendemos isso ao natural, incentivados por querer ler o que nosso pai lia e venerava, e também por termos sido criados no meio de uma pilha de gibis. Nosso pai sempre nos deixou ver seus gibis, admirar seus desenhos, nos incutindo orgulho por seu amor à leitura. É por isso que hoje, sempre que pego um Tex pra ler, não tem como não sentir uma pontada no coração e não voltar meu pensamento ao meu pai. Coitado, amava tanto Tex, e foi partir tão cedo, sem poder acompanhar por mais alguns anos a trajetória de nosso herói. Penso em como ele seria realizado hoje, cercado por essas aventuras fantásticas que estamos sendo brindados. Mas, concluindo, quando ficamos um pouco mais grandes, já sabendo ler bem, nosso pai passou a dividir seu tesouro com a gente, isto é, a fabulosa caixa de revistas do Tex.
Uma vez por semana, se não me falha a memória, nosso pai tirava a caixa preciosa de cima do guarda-roupa, aonde a gente não tinha acesso, nos chamava e nos autorizava a ler suas aventuras pelo dia todo. Isso fazia daquele dia um dia mágico, inesquecível pra nós. Pois ter acesso à caixa dos Tex do nosso pai, que era o seu grande tesouro, era pra nós algo sublime.

Porquê esta paixão por Tex?
Everaldo Moreira: Esta paixão por Tex vem então da herança do meu pai, porque Tex fez parte de toda a minha vida, ajudou a forjar meu caráter e a amar, cada vez mais, o mundo dos quadrinhos. Tex é sinônimo de justiça, de honestidade, lealdade, de esperança para os oprimidos, e isso tudo me seduziu por completo. Sem contar que suas aventuras são sempre de prender o fôlego e nos levam sempre a raciocinar sobre nosso papel nesse vale de lágrimas.

O que tem Tex de diferente de tantos outros heróis dos quadradinhos?
Everaldo Moreira: Tem seus pards fora de série, e suas aventuras não se prendem só no velho oeste tradicional, mas ora fazem incursões pelo sobrenatural, o misticismo, o mistério, etc… E a causa indígena, a quem Tex está por deveras ligado, é outro fator que o faz se sobressair sobre os demais heróis.

Qual o total de revistas de Tex que você tem na sua colecção? E qual a mais importante para si?
Everaldo Moreira: Como sou um errante, não tenho paradeiro fixo, deixo minha coleção aos cuidados de um irmão meu, que mora próximo à capital de nosso Estado. Tex normal tenho quase toda a coleção completa, publicada aqui no Brasil. Tex Almanaque e Tex Ouro, idem. Também tenho vários Tex Edição Histórica, Tex Anual, Grandes Clássicos de Tex e Tex Colorido. Sobre a mais importante, não saberia dizer, pois pra mim todo Tex é importante. Meus Tex são bem cuidados por esse meu irmão guardião e leitor, sua esposa e minha sobrinha, sua filha de 15 anos. Aliás, pra minha alegria, aos pouquinhos ela também está se interessando por Tex.

Colecciona apenas livros ou tudo o que diga respeita à personagem italiana?
Everaldo Moreira: Tenho camisetas de Tex, filme de Tex e pôsteres . No entanto, sou mais dos livros.

Qual o objecto Tex que mais gostaria de possuir?
Everaldo Moreira: Tudo o que foi publicado no Brasil sobre Tex posso dizer que já li. Gosto é de ler suas aventuras, ter o contato físico com seus gibis, aonde leio admirando desenho por desenho e cheirando folha por folha. Quanto ao objeto, gostaria de ter um dia um álbum de figurinhas do Tex, como o meu pai já teve em sua época.

Qual a sua história favorita? E qual o desenhador de Tex que mais aprecia? E o argumentista?
Everaldo Moreira: São tantas as histórias que me emocionaram, que marcaram minha adolescência, que fica difícil destacar uma só aqui. Mas entre essas está El Muerto, que com um colega de escola tinha na ponta da língua as falas do Kit, ao surrar um capanga gordo de El Muerto. Eu gosto muito mais das aventuras em que aparecem os 4 pards. Como também sou fascinado pelas tramas que envolvem personagens como El Mourisco, Mefisto, Yama, Pat, Gros-Jean e Jim Brandon. Quanto ao desenhista, sou fã número um de Fusco. Ele será sempre imortal para mim. O Tex de Fusco, aliás, vejo como o Tex verdadeiro, o Tex que sintetiza bem o nosso ranger, e que nos cativa já na primeira página. Em suma, senti muito a passagem de Fusco para as pradarias celestes. E falando do argumentista, em primeiro lugar destaco seu criador, nosso inesquecível Bonelli. Depois vem Nizzi, Boselli e Pasquale Ruju.

O que lhe agrada mais em Tex? E o que lhe agrada menos?
Everaldo Moreira: O que mais me agrada são as tramas em que ele, para se safar de alguma enrascada, tem que contar mais com sua audácia e inteligência do que com seus colts. E o que não me agrada é ele e o Carson enfrentarem, cara a cara, mais de uma dúzia de adversários com os punhos sem levarem um soco sequer, saindo ilesos. Ainda mais Carson, que já tem idade e luta com os punhos contra bandidos mais jovens e se safa sem um arranhão. Era de se esperar que lutando com os mais jovens ele tivesse um pouco mais de dificuldades.

Em sua opinião o que faz de Tex o ícone que é?
Everaldo Moreira: São tantos os fatos que aqui eu poderia enumerar. Porém, acredito que sua coragem, sua perspicácia, seu senso de justiça, aliado ao seu lado humano e digno, contribuem muito para isso. Seus pards cooperam também com esse sucesso, assim como as aventuras que, como já destaquei antes, fogem de um padrão de velho oeste comum. Pra ilustrar esse meu ponto de vista, destaco aqui aventuras tipo Diablero, A Marca do Dragão, O Velho da Meia Noite, etc…, em que o sobrenatural, o surreal e o misticismo deixam-nas com um tempero único.

Costuma encontrar-se com outros coleccionadores?
Everaldo Moreira: Pessoalmente tive a honra e a bênção de Manitu de conhecer os pards Edison Bertoncello, Jim Halley e Luís Carlos Dias Machado. Os primeiros moram no Estado do Paraná, os visitei e foi uma emoção trocarmos abraços e ideias sobre nosso ranger imbatível. Aliás, graças ao personagem Tex hoje tenho mais do que um grupo de amigos, pois posso dizer que tenho uma família, a família texiana, aonde a reserva navajo são nossos corações. Mas, continuando, no Estado do Mato Grosso também tive a bênção de conhecer pessoalmente o grande pard doutor Luis Carlos Dias Machado. Um ser humano fora de série, como os dois que citei acima, e que hoje posso dizer que são meus irmãos de sangue. Só faltou fazer aquele ritual que o Tex fez com o Cochise… mas quem sabe um dia…

Para concluir, como vê o futuro do Ranger?
Everaldo Moreira: Pois é, tenho convivido muito com o pard Edison Bertoncello, e esses dias estávamos conversando, divagando, sobre isso… aqui no Brasil o Tex normal está no número seiscentos e pouco e, como sai um número por mês, vai levar um bocado de anos pra chegar ao número mil. Então, como já somos cinquentões, refletíamos se iremos ou não conseguir alcançar o número MIL de Tex. Se tivermos essa bênção, vamos estar velhinhos, mas felizes por termos batidos a meta. Agora, o futuro do nosso ranger é uma incógnita, nossos jovens, torno a bater nessa tecla, não querem saber de leitura e os únicos que cultivam o amor pelo ranger são todos dinossauros, tipo nós, e aí fica complicado…
Se dependesse só da nossa estirpe, Tex teria vida longa… mas, sendo um pouco pessimista, não querendo tomar o lugar do camelo velho, o futuro de Tex me preocupa. Queiram os deuses que consigamos chegar ao número MIL. Mas que não vai ser fácil, não vai.
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Prezado pard Everaldo Moreira, agradecemos muitíssimo pela entrevista que gentilmente nos concedeu.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

3 Comentários

  1. Belíssimo e comovente depoimento, pard Everaldo Moreira! Sua história e trajetória de vida são magníficas! É uma honra tê-lo conosco a abrilhantar o Universo Texiano. Não se preocupe com o futuro do nosso herói. Sempre haverá amantes do bom desenho e dos belos enredos, principalmente quando essas duas grandezas se juntam. E já se vão setenta anos que essa augusta união, nutrida pela paixão de seus criadores e de seus descendentes e manifestada pelas mãos e mentes de uma constelação de artistas consagrados, faz de TEX WILLER a quintessência da Banda Desenhada.

  2. Grande pard Everaldo, apaixonado pelas aventuras texianas, devorador de histórias, aficionado pelo mundo dos gibis, sempre em busca de uma história inédita, colega de trabalho, estamos na lida sempre peleando pra arrumar uns troco pros Tex do mês.

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