Entrevista com Carlos Alberto Almeida – Coordenador do Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco, com a colaboração de Jorge Machado-Dias na formulação das perguntas.

Olá, Carlos Alberto Almeida, e bem-vindo ao blogue do Tex. Para aqueles que ainda não estão bem identificados, fale um pouco de si, fazendo uma pequena apresentação própria. Onde e quando nasceu? Qual a sua formação? O que faz profissionalmente, etc.
Carlos Almeida: Nasci em Lisboa, em 1960, porque os meus pais tinham aí um pequeno negócio de restauração, mas cedo fui viver para a aldeia de meus pais (Santa Cruz da Trapa, em S. Pedro do Sul). Tenho portanto ascendência humilde, cresci numa aldeia serrana, longe de tudo. Sou licenciado em História, sou docente em Viseu. Na minha aldeia tive contacto precoce com as artes e letras através da Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian, onde comecei a cultivar o gosto pela leitura de aventuras e banda desenhada. Coleccionava com sofreguidão todas as colecções que surgiam nas chicletes e rebuçados, especialmente as que diziam respeito a heróis da banda desenhada. Depressa me deixei seduzir pelas histórias do Tarzan ou do Príncipe Valente, do Tintin ou do Zorro. Mais tarde, já no 3.º ano, o livro de História com desenhos do grande artista Eugénio Silva deixou-me fascinado, e comecei a desenhar, copiando e repetindo os desenhos dos autores e heróis que mais me agradavam. Envolvi-me depois nos movimentos associativos, criando uma associação (hoje ARCA) em 1978, com 18 anos, e nunca mais parei de trabalhar nas áreas da cultura e associativismo juvenil. Quando fui estudar para a vila, aos 13 anos, tive contacto mais directo com a banda desenhada, e aí conheci o TEX e muitos outros heróis que comecei a coleccionar com avidez, gastando muito do pouco dinheiro que tinha nessa altura. Em 1987 vim viver para Viseu e ajudei a fundar o GICAV, e a partir daí tive um contacto mais assíduo com a banda desenhada, ajudando a fundar o Salão Internacional de Viseu em 1987/88, o qual já coordeno há mais de duas décadas.

O Salão de Viseu teve início há 17 edições atrás. Ainda se lembra como tudo isto começou?
Carlos Almeida: Conhecemos o Luiz Beira através de contactos com o IPJ (na altura FAOJ); ele tinha iniciado o salão de BD da Sobreda e desafiou-nos a trazer a Viseu algumas exposições; aceitámos logo o desafio e apresentámos esse primeiro salão no clube de Viseu (essencialmente BD franco-belga e portuguesa). O entusiasmo fez-nos continuar, cada vez com maior independência.

Quais foram, na sua opinião, os aspectos mais positivos desta edição do Salão BD Viseu 2011?
Carlos Almeida: De forma sintética poderei realçar a grande presença de fãs e amigos do TEX, numa organização irrepreensível da equipa por ti liderada, excelentemente enriquecida com a presença do grande desenhador e comunicador Fabio Civitelli; realço ainda o lançamento do livro “O Magriço”, um trabalho em BD totalmente realizado em Viseu por gente de Viseu, e por último o facto do local escolhido estar implantado dentro da grandiosa feira de S. Mateus, um espaço onde o salão se mostrou durante quase uma década e onde regressou com assinalável sucesso.

Porquê a aposta do GICAV na banda desenhada?
Carlos Almeida: Na altura da sua fundação, e nos anos seguintes, tanto eu como outros elementos do Gicav éramos interessados na banda desenhada; depois tivemos o grande apoio do Luiz Beira (Armando Correa) que viu desde cedo no colectivo Gicav uma aposta para a divulgação da banda desenhada no norte do país. A nossa biblioteca foi crescendo, a relação de amigo também, até dar origem à BDTeca Luiz Beira (parte oferecida por ele, parte coleccionada pelo GICAV).

Que dividendo tem tido o GICAV nesta aposta?
Carlos Almeida: Sobretudo o reconhecimento público de um trabalho sério e continuado na divulgação pedagógica e cultural da banda desenhada no centro/norte do país, longe da grande Lisboa, sobretudo através da instalação em Viseu da BDTeca Luiz Beira, sediada na Biblioteca Municipal, e depois a criação de uma rede de amigos fiéis ao nosso trabalho, como também já te consideramos a ti, e que muito têm contribuído para o alargamento dos horizontes da nossa acção.

Sempre nos pareceu, nas alturas em que visitámos este Salão, que a Câmara Municipal de Viseu não dá grande importância ao Salão de banda desenhada. É isto verdade? O Salão tem o apoio da Câmara? E, se sim, que género de apoio?
Carlos Almeida: O Gicav recebeu sempre da CM de Viseu apoio logístico e financeiro para a concretização do seu Plano de Actividades, embora eu tenha que reconhecer que da parte da autarquia haja dificuldade em assumir nestes apoios a importância nacional e internacional deste salão, e nem sequer o tenha ainda encarado como uma oportunidade especial de promoção da região, nomeadamente na abertura de circuitos culturais para com outras regiões e países; neste campo sinto algum desagrado por constatar que outras iniciativas de menor alcance têm por vezes um apoio mais explícito (por exemplo o lançamento do álbum “O Magriço” – CM de Penedono) e um acompanhamento personalizado; a autarquia deveria olhar para a banda desenhada como uma área cultural tão importante como o cinema ou o teatro, e isso parece ainda não acontecer. Ainda está distante o projecto de edição em BD da História de Viseu, por exemplo, bem como o arranque do projecto do museu da BD, anexo à BDTeca.

Com que apoios financeiros se realiza o Salão de Viseu?
Carlos Almeida: Do orçamento global para o Plano de Actividades, o Gicav cativa uma percentagem para a realização do salão; estas verbas têm origem nos apoios da autarquia, da Expovis, do Ministério da Cultura (excepto este ano) e de receitas de actividades próprias da associação.

Já agora, numa altura em que a transparência nos gastos, obrigando a que esses gastos sejam tornados públicos, quais são os custos reais do Salão de BD de Viseu?
Carlos Almeida: O salão de 2011 rondou os oito mil euros de orçamento, uma verba que envolve o trabalho de ano e meio; de realçar que todo o trabalho realizado por mim e pela equipa de coordenação (seis elementos) é completamente gratuito: telefones, viagens, centenas de horas de trabalho, e outras. O Festival de BD da Amadora tem gastos 10 ou 20 vezes superiores, como sabemos, porque tem o apoio concreto da autarquia e pode assim apresentar outra qualidade e dignidade, consolidar estruturas e melhorar ano após ano.

A presença de uma exposição relacionada com Tex e a visita em pessoa de um dos seus mais consagrados autores, Fabio Civitelli, deve ter contribuído para um aumento de público no Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu deste ano. Pareceu-lhe que isso aconteceu? E foi possível contabilizar o público? Se sim, como foi feita essa contabilização?
Carlos Almeida: Acredito sinceramente que outros públicos visitaram este ano o salão, em função da presença do Fabio Civitelli. Durante os dias em que estive presente no salão isso foi notório, sobretudo quando se elucidavam os visitantes da presença do desenhador. Não fazemos uma contabilidade de visitantes porque a entrada no salão é gratuita. É esta a nossa filosofia, trabalhamos com dinheiros públicos, não temos a coragem de cobrar dinheiro pela abertura da nossa actividade ao público viseense.

O Salão é visitado por muita gente e visto pelos habitantes da cidade e Concelho como uma mais-valia cultural, ou nem por isso?
Carlos Almeida: Essa é uma questão à qual ainda não consigo responder, uma vez que falta realizar uma auscultação pública à população sobre a importância cultural deste evento. Algumas escolas e colectividades têm revelado ao Gicav a importância da continuidade deste projecto, mas do público em geral não temos a opinião formada. Será uma boa tarefa para o futuro.

Pensa que a aposta do Salão BD Viseu 2011 na personagem Tex Willer, foi uma aposta ganha, tendo em conta a presença de Fabio Civitelli e da exposição dedicada às Cidades do Tex?
Carlos Almeida: Com certeza. A exposição em causa foi uma das melhores presentes no salão, sobretudo no que diz respeito à qualidade do desenho e das pranchas, a escolha das pranchas e do material cultural foi excelente, o Fabio deixou todos maravilhados, só nos resta agradecer os esforços de todos os que contribuíram para este sucesso.

Globalmente, qual é a sua opinião sobre a visita de Fabio Civitelli e que dados novos ela introduziu no Salão?
Carlos Almeida: A entrega do prémio a um artista estrangeiro desta projecção contribuiu para solidificar o projecto (sobretudo ao nível dos apoios locais) e abrir novas portas no futuro. A entrega do prémio a um artista consagrado (que fez o pleno em salões portugueses) deixa-nos honrados e é uma página de glória na história do salão de Viseu.

Com que impressão ficou do consagrado desenhador italiano?
Carlos Almeida: Excelente comunicador, a simpatia em pessoa, um olhar crítico e actual sobre a arte e a BD em particular.

Para terminar, se pudesse escolher sozinho um autor/artista de BD para vir ao próximo Salão quem é que escolhia?
Carlos Almeida: Possivelmente o Hermann, ou o Milo Manara, artistas que muito admiro, dois “monstros” da moderna BD Europeia (ambos estiveram já em Portugal, na Sobreda, Amadora e Beja, mas não em Viseu).

As perguntas chegaram ao fim, deseja dizer mais alguma coisa antes de terminarmos a entrevista?
Carlos Almeida: Um grande abraço aos texianos pela colaboração que deram no engrandecimento do Salão de BD de Viseu neste ano presente. O Gicav fica reconhecido e por isso já disponibilizou os materiais de apoio à exposição (ampliações do TEX a cavalo) para integrarem o futuro acervo do museu do TEX.

Obrigado, Carlos pela disponibilidade para esta conversa que gentilmente concedeu ao blogue do Tex.

(Para aproveitar a extensão completa das fotos acima, clique nas mesmas)

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