EL MORISCO (por Moreno Burattini)

Por Moreno Burattini*

El Morisco (desenhado por Fabio Civitelli)

Se querem o meu conselho, estejam atentos… falar com El Morisco dá azar”. Assim disse o mexicano a quem Tex e Carson tinham perguntado como chegar à casa, um pouco distante de Pilares, onde vive o estudioso egípcio. Os dois rangers precisam dos conselhos do bruxo (ou seja, o “feiticeiro”, como é conhecido pelos locais) para resolver um caso, mas até então ainda não o conheciam.

El Morisco e Tex na arte de Claudio Villa

Com efeito, à primeira vista a casa do brujo parece ter sido construída especificamente para despertar o medo, dadas as assustadoras máscaras decorativas e a insólita arquitetura que a distingue. No entanto, Tex e Carson não são do tipo de se fiarem nas aparências. Basta darem uma olhada dentro da casa para clarificarem as ideias. “Não! – diz o velho Cabelos de Prata – nenhum mágico ou feiticeiro!“. “Provavelmente um naturalista – responde Águia da Noite – e bastante inteligente também!“. A partir daquele primeiro encontro, surgido no nº 77 (Il tesoro del tempio“), Tex e os seus pards voltarão a encontrar El Morisco em mais de uma ocasião, ele que pode ser considerado como um verdadeiro “consultor” de Águia da Noite no que diz respeito à magia e ao esoterismo, mas também, de um modo mais geral, no campo naturalista, arqueológico ou científico. Em suma, um especialista em todos os campos da chamada epistemologia, isto é, o estudo do conhecimento, entendido quer em termos cartesianos (isto é, questionando certos conhecimentos), quer de maneira anti-cartesiana (ou seja, aberto ao ocultismo e à transcendência). Uma personagem contraditória? Pelo contrário, fiel ao conceito do mundo como porta de entrada para outros mundos, aquele segundo o qual “existe algo mais no céu e na terra do que aquilo que contempla a tua filosofia”. Em resumo, El Morisco não é um feiticeiro, mas um cientista iluminado. Capaz de iluminar a escuridão  com o seu conhecimento científico, para roubar ao oculto os seus segredos.

Diante dos olhos de Carson, que não esconde a sua preocupação, a viagem alucinógena de Tex tem início – Tex 77, página 69

É animado por uma curiosidade insaciável de estudo e conhecimento perante as maravilhas do mundo, e para ele também é uma maravilha tudo aquilo que para nós é desprezível. Uma figura que fascina, desde a caracterização inolvidável dada por Letteri, uma personagem capaz de abrir as portas da aventura até ao mistério. Mistério a ser revelado, sim, mas também a ser respeitado. A sua presença numa história é sempre sinónimo de uma viagem ao desconhecido, um olhar sobre um abismo encantado onde tudo é possível, mas nada é uma loucura, porque El Morisco está pronto a estudar o que quer que lá se encontre. Mesmo quando, como nesta história, surjam cogumelos alucinógenos, profecias, templos astecas e uma bela mulher, Esmeralda, a última descendente de Montezuma, que todos nós gostaríamos de ver por perto, se os já vivos desenhos de Letteri pudessem ganhar vida. Tal é a confiança que os pards têm de El Morisco após esta primeira aventura que Tex, sob o cuidado atento do brujo, está convencido a experimentar uma “viagem psicodélica” à base de pejote. “O seu amigo está a ver coisas certamente extraordinárias“, diz El Morisco, tranquilizando Carson preocupado em ver Willer “com aqueles olhos tão abertos”. Pena que, apesar do bruxo de Pilares ter assegurado que “absolutamente nada” iria acontecer a Tex, alguns instantes depois o ranger começa a disparar às cegas, ainda atordoado pelo ácido, acreditando estar diante de, nada mais nada menos, Mefisto!

Tex e Carson conhecem Eusébio, o lúgubre mordomo de El Morisco – Tex 77, página 55

Quando confrontado com os infernais “ouriços” extraterrestres que disparam espinhos capazes de matar em segundos, El Morisco sente a necessidade em eliminar esta ameaça, mas sem exterminá-los totalmente: “Não precisamos matar todos – diz – a ciência deve ser capaz de estudar estes seres extraordinários, e para isso é necessário que pelo menos dez espécimes sejam salvos e mantidos vivos!”. El Morisco é a chave com a qual Tex, mais racional e com os pés bem assentes na terra, consegue aceder às obscuras dimensões da magia, assim como às misteriosas fronteiras da ciência. “Você tem uma grande inteligência – diz Águia da Noite, voltando-se para o estudioso – enquanto eu e os meus pards temos a vista apurada e o gatilho rápido!“. O corpulento egípcio com a pele polida, que passa os seus dias a estudar livros empoeirados e a lidar com vitrines cheias de tarântulas, escorpiões e cobras de todos os tipos é, sem dúvida, uma figura fascinante.

El Morisco – Capa de Aurelio Galleppini

O verdadeiro nome de El Morisco é Ahmed Jamal. O seu pai era médico em Menfi, no Egito, onde Ahmed nasceu e viveu durante vinte anos, estudando medicina e ciências naturais. Depois da morte do pai, o jovem Jamal mudou-se para o Cairo e decide abandonar a medicina para se dedicar ao estudo da papirologia e paleografia, aprofundando assim o conhecimento das antigas magias orientais e dos ritos esotéricos dos sacerdotes egípcios. Procurado pela seita dos “Filhos de Horus”, Jamal é obrigado a deixar o Egito, e graças à ajuda do arqueólogo Professor Doberado, consegue obter uma cátedra na Universidade da Cidade do México. No entanto, poucos anos depois, deixa o ensino e retira-se para Pilares, dedicando-se exclusivamente à investigação. As suas experiências tornam-no numa autoridade no estudo das antigas civilizações pré-colombianas, não só a nível histórico, mas também no que respeita ao mundo sombrio dos mitos e das lendas, das plantas e dos minerais com estranhas propriedades e das antigas práticas medicinais dos curanderos. Os locais trazem-lhe exemplares da fauna e da flora da região, por isso Ahmed tornou-se num especialista em botânica e zoologia e organizou um eficiente laboratório. Os seus estudos permitiram-lhe contactar com mágicos e feiticeiros, e assim adquirir uma espécie de sexto senso que lhe permitiu orientar-se, como poucos, nos labirintos da magia e do desconhecido e também compreender as técnicas da hipnose. Alguém com estes interesses é, naturalmente, alvo da desconfiança dos habitantes de Pilares. De facto, El Morisco é visto positivamente quando cura os doentes, mas às vezes é acusado de ser o portador da desgraça na região. No fundo, este é mesmo o destino dos brujos, pois todos aqueles que vivem na fronteira entre o conhecido e o desconhecido, representam uma porta entre o nosso mundo e aquele obscuro que se encontra no além, o que é sempre de arrepiar.

El Morisco na arte de Guglielmo Letteri

Ao lado de El Morisco, desde a primeira aventura está sempre o seu fiel servidor Eusebio, “criado fiel, secretário, cozinheiro e guardião”, como o próprio egípcio o define. Embora lúgubre e taciturno a ponto de, à primeira vista, parecer pouco inteligente, o mexicano é mais do que um mero intérprete das tarefas domésticas. Mestiço com um aspecto sombrio, nas suas veias corre sangue asteca, e é conhecido pela sua notável perspicácia, espírito de iniciativa, prontidão de reflexos, habilidade no uso de armas. A presença de Eusébio, que tem parentes na região, consegue tranquilizar, de alguma forma, os habitantes de Pilares, que cultivam uma relação de amor e ódio para com o brujo.

El Morisco e Eusebio

* Texto de Moreno Burattini publicado originalmente na Revista nº 10 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2019.

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