Correr risco de vida para salvar o Texone: Enrique Breccia

Por José Carlos Francisco

Italo Marucci, ilustre sócio honorário do Clube Tex Portugal, entre Enrque Breccia e a senhora Barbara, esposa do Mestre argentino

Como escreve Italo Marucci, ilustre sócio honorário do Clube Português, na revista nº 4 do Clube Tex Portugal “Não é fácil encerrar numa única definição categórica a obra de um artista que reflecte em si as contradições úteis e as curiosidades estimulantes de uma cultura e de uma arte que tem múltiplos aspectos expressivos: é o caso de Enrique Breccia. Nos seus quadros não há perda de tempo em detalhes, mas uma síntese, uma simplificação unitária dos variados aspectos da nossa existência. Em algumas obras, Enrique Breccia deixa de lado as suas qualidades de desenhador e lança mão de uma inteligente economia gráfica e de uma grande força colorífica, nas quais sabe fundir as experiências do realismo, das expressões e dos tons, para obter um discurso unitário, no qual traduz o senso dramático da vida. Também na banda desenhada ele une figuras, formas, objectos, animais, paisagens, numa espécie de incrustação gráfica em que se fundem desenho e trama.

Capitan Jack, o Tex Gigante de Enrique Breccia

E tudo isso comprova-se igualmente no recente Tex Gigante acabado de ser publicado na Itália, mais precisamente no passado dia 21 de Junho e intitulado “Capitan Jack” e que está a provocar alguma celeuma entre quem já leu a obra porque à arte de Enrique Breccia ninguém consegue ficar indiferente até porque como também escreve Marucci no artigo intitulado Mestre na BD e na pintura:A essência da arte de Enrique Breccia está no movimento das suas imagens, construídas com um traço rápido que sugere a consistência sólida das personagens. A energia imaginativa de Breccia nesse processo criativo adquire extraordinárias capacidades de comunicação à medida em que os elementos das ilustração são confiados às criações, às magias expressivas, linguísticas e culturais. É evidente que o seu modelo é um exemplo de linguagem severa e essencial, de técnica rigorosa na busca dos valores gráficos e tonais, e que, assim, frequentemente consegue ter nas suas páginas o fascínio de quem pela primeira vez traça um relato de movimentos, presenças, aparições.

O volume publicado e os originais do Texone de Enrique Breccia

Mas hoje mais do que arte do Mestre Argentino, queremos mostrar uma faceta desconhecida para muitos e que mostra bem o profissionalismo de Breccia, mas sobretudo o quanto ele levou a peito este trabalho com o Ranger criado por G. L. Bonelli em 1948 e o quanto o considerava, não somente trabalhando fins de semana e feriados santos, mas pondo inclusive em risco a sua própria vida ao resgatar do seu estúdio em chamas as páginas já desenhadas, num depoimento da sua esposa Barbara a Enrico Valcamonica:
O Tex Gigante foi para Enrique um trabalho que o envolveu completamente nestes últimos 4 anos. Quero-vos contar um facto acontecido que pode descrever com quanta responsabilidade Breccia assumiu este compromisso com a Sergio Bonelli Editore e com os seus leitores.
Estávamos em Dezembro de 2014, Enrique na altura queria entregar o Texone completo até ao final de Fevereiro de 2015 de modo a que pudesse ser publicado ainda o ano passado, desejava muitíssimo cumprir essa meta e por isso trabalhava incansavelmente, inclusive no Natal.
Naquela altura nós vivíamos numa belíssima casa no centro de Spoleto, muito grande, tanto que o nosso quarto era muito distante da sala de jantar.
Durante a noite eu acordei com um “ruído infernal”, o barulho de uma janela a partir-se, “veste-te depressa e chama os bombeiros” disse-me Enrique “a casa está em chamas”.
Na noite anterior, acendi a lareira na sala de jantar e antes de me ir deitar desliguei-a cuidadosamente como eu sempre fazia, mas a chaminé tinha uma rachadura junto ao tecto, ao lado das vigas de madeira e era impossível de ver porque tínhamos um tecto falso e durante a noite as vigas pegaram fogo fazendo cair o tecto em chamas.
Inútil descrever o que se sente às 4 horas da madrugada de noite e com frio a tentar fugir de uma casa a arder.
Chamei de imediato os bombeiros e consegui abrir a porta de casa, mas não compreendia onde estava o Enrique.
Foram somente poucos minutos, mas pareceram intermináveis.
Finalmente ele apareceu e saímos à pressa da casa, trazendo ele qualquer coisa debaixo do braço.
Ficamos ao relento à espera dos bombeiros (foram necessários 4 auto-tanques para apagar o incêndio), olhando em silêncio para a nossa casa em chamas pensando em tudo que estava a ser destruído, foi verdadeiramente doloroso não poder fazer nada.
Éramos eu,  Enrique e o Texone.
Enrique tinha-o nas mãos e disse-me: o Texone está salvo!
Era a coisa mais importante para ele, um trabalho em que tinha dado tudo de si mesmo.
Esta tragédia aconteceu na madrugada do dia 31 de Dezembro, às 4 horas e às 11.30 Enrique tinha recomeçado a desenhar em casa de amigos, não obstante o cansaço e as preocupações de ter ficado sem casa… tinha um trabalho para entregar.

Enrique Breccia tem nas suas mãos todas as suas páginas do Tex Gigante, inclusive as resgatadas do terrível incêndio ocorrida na sua casa

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

6 Comentários

  1. Tex cruza-se novamente com uma daquelas personalidades capazes de fazer do processo criativo uma epopeia de demiurgo: imenso, sacrificial, contra tudo e contra todos e principalmente… capazes de perceber a enorme importância deste herói popular. Por ser de facto Popular, no melhor sentido neo-realista do termo.

  2. Se eu já estava ansioso por ler esta Obra, agora sim aguçou-me mais ainda a curiosidade! Terá um lugar de honra na minha biblioTEX. Obrigado Sr. Breccia!

    Sílvio Introvabili

  3. Sem palavras para descrever o tamanho do profissionalismo do Mestre Breccia.

  4. Sou fã de Breccia desde a primeira vez que vi sua HQ (Alvar Mayor) na revista Skorpio no final da década de 70. Agora ele mostra a importância de seu trabalho, a ponto de arriscar sua própria vida, isso só me faz o admirar ainda mais. Estou ansioso pra ver esse Tex Gigante aqui no Brasil. Vida longa a Breccia vida longa a Tex.

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