As Leituras do Pedro: Tex: A chicotada (Editora A Seita)

As Leituras do Pedro*

Tex: A Chicotada
Pasquale Ruju (argumento)
Mario Milano (desenho)

Matteo Vattani (cores)
A Seita
Portugal, Março de 2021

200 x 280 mm, 56 p., cor, capa dura

14,00 €

O melhor de três mundos

Continuando a apostar nos fumetti Bonelli, uma ‘marca’ em crescimento nos nossos dias, dando razão aos que apontavam a sua qualidade apesar do seu carácter predominantemente (?) popular, A Seita estreia no seu catálogo Tex Willer.

Ao optar pela colecção Tex Romanzi a Fumetti – (erradamente) publicada no Brasil como Tex Graphic Novel…– a editora portuguesa tenta aproveitar o melhor (?) de três mundos.

Por um lado, explora o protagonismo crescente de Tex, o Ranger protagonista do western mais antigo em publicação ininterrupta, e pisca o olho aos seus muitos fãs – que em Portugal até formaram o primeiro clube oficial consagrado ao Ranger – com a vantagem desta história se poder ler sem conhecer o longo percurso anterior do Ranger e pela independência entre os diversos tomos desta colecção.

A Chicotada; Editora A Seita

Por outro lado, é mais uma incursão no western, um género que muitos deram por morto e enterrado, mas que nos últimos anos tem sabido reinventar-se – (também) na BD – renascendo com um vigor inesperado, para gáudio dos seus muitos apreciadores que (ainda) subsistem.

Finalmente, é também um convite aos leitores habituais de franco-belga – a quem a Sergio Bonelli Editore também quis seduzir com esta colecção – pelo formato álbum e – já agora, sejamos justos – pela edição cuidada apresentada, enriquecida com alguns extras: uma ilustração exclusiva, entrevista aos dois autores e estudos da capa, o que a transforma na mais completa edição desta história, superior mesmo à lançada em Itália há menos de um ano.

A Chicotada; Editora A Seita

Mas, porque este intróito já vai longo, passemos ao que realmente importa, a história em si.
É uma história de vingança, tema recorrente no western com muitos matizes e sobejamente bem sucedido.

Como protagonista dela – e mesmo da história – temos um pistoleiro, Diego Portela, regressado para tirar desforço de um castigo que lhe foi infligido muitos anos atrás, cujas marcas foram abertas na sua pele à chicotada – sendo esta a origem do título. Portela e o seu rasto de sangue, violência e morte, acabará por se cruzar com Tex Willer e Kit Carson, que estão em território mexicano em perseguição de um bando de traficantes, tendo esse encontro lugar na majestosa herdade de Don Léon Alvarado, onde tudo começou anos atrás. Ela será igualmente palco do desfecho, com a filha do proprietário, Blanca a surgir então como a quarta protagonista desta narrativa tensa que apresenta algumas nuances interessantes, nomeadamente o facto de só no final sabermos o que realmente aconteceu no passado e motivou a sequência de acontecimentos descrita.

A Chicotada; Editora A Seita

Bem construída, a história de Pasquale Ruju trabalha muito bem alguns (inevitáveis) estereótipos do género, dotando-os de ritmo e consistência a par de algumas surpresas que se encarregarão aos poucos de mudar o rumo dos acontecimentos que alguns leitores pensavam intuir.

Quanto ao trabalho gráfico de Mario Milano está à altura dos seus pergaminhos, pese embora, aqui e ali, algumas dificuldades no tratamento do rosto de Tex. O seu traço realista apresenta-se muito detalhado, bastante dinâmico e com o ritmo narrativo a ser pontuado por sucessivos grandes planos. que vincam os momentos de maior tensão, e também pela planificação diversificada, em que se destacam algumas vinhetas sem limites ou enquadradas no interior de outras – sendo esta uma das respostas a quem se questiona se a mudança da planificação Bonelli para o formato franco-belga faz assim tanta diferença…

A Chicotada; Editora A Seita

Para além do contributo visual, diversidade de planificação é um trunfo inegável, que concorre definitivamente para uma dinâmica narrativa mais acentuada. Como senão, fica o recurso, por vezes, a cinco tiras por página, o que torna mais difícil desfrutar do desenho de Milano. Fica a sensação que A Chicotada teria beneficiado de um formato maior ou de poder contar com mais uma dezena de páginas que permitissem uma planificação mais arejada – mas isso deve-se decisões editoriais a montante da obra, que não é possível contornar.

As cores de Matteo Vattani contribuem para o bom impacto visual do álbum e para um aumento da credibilidade do retrato de um México poeirento, ensolarado e de temperaturas elevadas que mexem com os homens e despertam a violência latente.

A Chicotada; Editora A Seita

Uma nota final para a inteligente escolha deste álbum para o início desta nova vertente editorial de A Seita – para lá da sua óbvia qualidade intrínseca – pela data recente de publicação, contornando o facto de muitos dos apreciadores portugueses de Tex já terem as edições iniciais em brasileiro.

*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
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(Versão revista e muito aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Março de 2021; imagens disponibilizadas pela editora A Seita; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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