As Leituras do Pedro*
Tito Faraci (argumento)
Pasquale Frisenda (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 10 de Maio de 2018
190 x 260 mm, 120 p., pb/cor capa dura
10,90 €
A atracção pelo desconhecido
“E agora, se isto fosse uma história num livro, o leitor exigiria uma explicação… mas ao mesmo tempo, fugiria dela como da peste.”
In Le Storie: Sangue e Gelo
.
Cheguei a Le Storie – excepção para mim, juntamente com Dragonero, nesta colecção Bonelli – como a maioria dos leitores: sem conhecer (nada d)a série que, a exemplo da mítica Un Uomo, Un’Avventura, utiliza contextos históricos reais para narrar aventuras ficcionadas. Mas cheguei com grandes expectativas, geradas pelas boas críticas que lhe fui conhecendo.
A leitura confirmou-as.
[Posso ter escrito um pouco mais do que alguns desejavam sobre o enredo deste volume, embora pense que não o fiz; avancem acutelosamente, por vossa conta e risco…]
.
.
.
.

Por isso se torna difícil ‘classificar’ Sangue e Gelo. Ambientada na Rússia, na derrocada da invasão napoleónica, começa por ser uma narrativa histórica.
.
Centra-se num pequeno grupo de soldados, em retirada, semi-perdidos, abandonados, divididos entre o respeito pela autoridade e a descrença que os domina e os leva a ultrapassar os seus próprios limites naquela situação. A crítica à guerra – a todas as guerras – é o ponto seguinte que o leitor mentalmente anota – inevitavelmente a par das tensões nos relacionamentos que os momentos de desespero provocam, com o manter da autoridade a todo o custo, por um lado, e, por outro, a hesitação entre o respeito que lhe é devido e a vontade de assumir o controlo do seu próprio destino – seja lá o que isso for quando se está num país estrangeiro, perdidos, numa paisagem sempre igual, sempre gelada.
.

.
Entretanto, os autores já deram nova mostra de originalidade. Um deles, o cabo Écrienne, com vocação de escritor, está a narrar ao seu superior – ao mesmo tempo que a nós – a história. A dizer(-nos) o que viram, o que sentiram, como as coisas correram.
.
A partir daqui, as mudanças sucedem-se – não a um ritmo frenético, pois Sangue e Gelo é um relato pausado, recheado de suspense, com silêncios e pausas para o leitor ir absorvendo tudo – e nada ficará como até ali. Um adversário surpreendente vai surgir, o que parecia uma situação limite e desesperada para aquele pequeno grupo de homens, vai revelar-se sê-lo ainda mais, e Faraci e Frisenda, que já nos prenderam completamente, vão levar-nos até ao abismo, numa história que se evidencia como sendo, afinal, de terror – como sendo, afinal, também de terror – com assinalável mestria.
.

.
Terminada a leitura, ecoa a frase citada no início deste texto, que vinca o final em aberto e a possibilidade de interpretação oferecida a cada leitor, que, se por um lado o desesperam, sem as respostas definitivas e as explicações que ansiava, tornam ainda mais estimulante e sugestiva esta introdução (portuguesa) a Le Storie, pela possibilidade de cada um ‘escrever’ a sua conclusão.
.
.
*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)