As Leituras do Pedro: Júlia #3 – A matadora disponível

As Leituras do Pedro*

Júlia nova série #3
A matadora disponível
Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero
(argumento)
Steve Boraley
(desenho)
Myhtos Editora

Brasil, Janeiro de 2022
160 x 210 mm, 128 p., cor, capa cartão
R$ 32,90

Zona de conforto

Há obras assim, a que regressamos regularmente – ou que seguimos religiosamente (de forma consciente, sem fanatismos) – sabendo o que nos espera. Raramente desiludem, por vezes surpreendem. Criamos laços com (o)s protagonista(s), conhecemos a sua vida, amigos, família, trabalho, gostos, anseios e inseguranças.
Para mim, Júlia – Julia, J. Kendall… – é um desses casos.

Agora em formato italiano que, em papel melhor, assegura melhor impressão, os desenhos – de Steve Boraley, no caso, assentes num jogo de contrastes branco/negro – respiram melhor, permitem outro tipo de aproveitamento, dão mais corpo aos argumentos de Berardi, sempre inteligentes e desafiadores, fazendo avançar a par a vida da protagonista e os casos de que ela se ocupa. E, ainda o formato, destaca o belo traço de Cristiano Spadoni na capa, trabalhado com um colorido apropriado, onde ressalta um pormenor que recria graficamente de forma feliz como se sente Júlia em relação a Myrna…

Em A matadora disponível, como bónus extra, temos mais um regresso de Myrna Harrod, a assassina em série apaixonada/obcecada por Júlia. É a certeza de mais uma narrativa incómoda e violenta, com as duas a tocarem-se tangencialmente, de forma pontual e única, como garante a definição, afastando-se de novo após mais uma aproximação que, como sempre, deixa o leitor sempre na dúvida até onde irá Berardi/irão as duas, cada uma por si.

O ponto de partida, neste volume, é a inveja de um colega de Júlia, ressabiado por não ter o lugar que foi oferecido à criminóloga, o que o leva a procurar Myrna com o intuito de unirem esforços para satisfazerem os desejos comuns.

Numa narrativa em que a titular da série pouco mais é do que elo de ligação involuntário e figurante ao longo de quase toda a edição, é mais uma oportunidade para Berardi nos fazer mergulhar no íntimo de Myrna, nas suas obsessões e recalcamentos e lhe conceder livre curso para as suas loucuras e atrocidades. E para nos mostrar, como um soco no estômago, até onde é capaz de ir o ser humano com o incentivo apropriado.

No final, confortado pelo reencontro, satisfeito pela confirmação de mais uma boa leitura, sobra o incómodo de perceber o quanto torci por Myrna e pelo prolongamento temporal da simples tangente a que assisti…

Nota final
Registo, a título de curiosidade, o facto de a edição brasileira da Mythos ter eliminado do título do episódio o nome da assassina em série – o título original italiano é Myrna: killer offresi, o que pode ser visto como uma tentativa de preservação do âmago da narrativa, mas comercialmente me parece uma má decisão.

* Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro 

(capa brasileira disponibilizada pela Mythos Editora; restantes imagens disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)

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