As Leituras do Pedro: J. Kendall – As aventuras de uma criminóloga #153

As Leituras do Pedro*

J. Kendall #153 – Aventuras de uma criminóloga
Inclui Julia #196 e #197 (Itália, 2015)

Myhtos Editora
Brasil, Julho/Agosto de 2021
135 x 180 mm, 256 p., pb, capa mole, bimestral
R$ 25,90

A casa da Múmia
Giancarlo Berardi
e Lorenzo Calza (argumento)

Claudio Piccoli (desenho)

A Soberba
Giancarlo Berardi
e Maurizio Mantero (argumento)

Luigi Copello (desenho)

Grandes mudanças… inconsequentes

Demasiada proximidade de uma personagem de ficção – no caso de banda desenhada – tem um risco: perdermos (alguma) noção da realidade e deixarmos que ela, de alguma forma, entre na nossa vida e se torne quase parte da nossa família. Risco que se revela acrescido, quando começamos a fantasiar (com) situações da vida delas E que a nossa, de leitores empedernidos, já nos ensinou serem irrealizáveis.

Esta introdução, vem a propósito de A Soberba, a primeira viagem de Júlia Kendall a Génova, em Itália, para finalmente passar alguns dias de férias com Ettore, o seu actual namorado, para assim – de certo modo, também – avaliar da viabilidade da sua relação que, como sabemos nós, os tais ‘leitores empedernidos’ das investigações da criminóloga de Garden City, até agora existiu principalmente à distância, através do Skype.

Obviamente – já o intuíamos… – a visita turística e sentimental acaba por se transformar – de forma um pouco forçada…? – em mais um caso em que o investigador italiano e Júlia trocam informações e investigam juntos, enquanto o (projectado) aprofundamento da relação passa para segundo plano.

Nada que (nos) espante na verdade, se olharmos para trás retrospectivamente e lembrarmos o que já aconteceu com Alan Webb ou Tim O’Leary – ou nem sequer aconteceu (ainda?) com Leo Baxter, uma relação até agora sempre no plano platónico da amizade – ou se recordarmos como há alguns anos a Sergio Bonelli Editire travou uma outra iniciativa  de Berardi que prometia grande impacto e mudanças profundas: uma gravidez de Júlia.

Neste momento – agora para mim, há pouco mais de um ano no Brasil, em 2015 em Itália, aquando da publicação original deste relato… – não duvidamos, com certeza, que esta é uma relação a prazo e que, ultrapassado este devaneio – tão humano, por isso Julia continua a cativar-nos – tudo voltará ao normal.

Porque, não podemos, esquecer que os heróis de papel – como afinal Julia também é – são-no enquanto mantêm determinadas características a que os leitores se habituaram – e afeiçoaram. No caso de Júlia, é impossível que deixe a sua vida solitária, com as aulas na universidade, a visita ao lar da avó, os regressos pontuais de Norma ou a colaboração nas investigações conduzidas pela polícia de Garden City, pois uma gravidez, uma efectiva relação a dois ou outra mudança substancial nessas rotinas iriam alterar a substância daquilo que Julia é – e o que representa para (nós,) os seus ‘leitores empedernidos’: uma criminóloga sensível e humana que, mais do que uma justa penalização, procura entrar na mente dos criminosos para compreender o que os levou aquele ponto de ruptura.

[Movido pela proximidade ‘tóxica’ quase esquecia de referir A casa da Múmia, a narrativa (bem mais conseguida) que abre esta edição, um mergulho interessante e desafiador na literatura e na mente dos escritores, aqui de alguma forma representados por um pouco mediático Bertrand Hayes, que salta para a ribalta quando uma derrocada repentina revela um cadáver mumificado nas paredes do edifício em que habita.]

* Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro 

(capa disponibilizada pela Mythos Editora; pranchas disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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