Por Mário João Marques
Um reputado médico mexicano, Eduardo Palacio, é perseguido por um bando de obscuros cavaleiros, mas consegue chegar até à casa de El Morisco, a quem entrega o seu diário antes de morrer. As páginas deste diário narram os estranhos acontecimentos testemunhados pelo médico durante uma sua estadia na mansão da família Diago, onde entre inúmeras divisões, extensos jardins e um número desconhecido de caves e subterrâneos, parece residir uma obscura ameaça, conhecida pela estirpe do abismo, uma antiga lenda Maia que evoca a criação de uma raça de homens serpente. El Morisco chama Tex e os seus pards, com o objectivo de decifrar este enigma e os factos que poderão ter levado ao assassinato do médico, partindo todos rumo a uma aventura fantástica.
Há aventuras que por variadas razões (o tema, o género, personagens ou autores) parecem prometer muito. La Stirpe dell’abisso insere-se no filão das aventuras fantásticas de Tex, recupera a fascinante personagem de El Morisco, após La Cavalcata del Morto, escrita pelo mesmo Boselli, assim como marca o regresso do excelente desenhador Alessandro Piccinelli. Atributos suficientes e capazes de criar elevadas expectativas junto do leitor. Apesar de ser seguramente uma óptima aventura, com uma história interessante pela originalidade do tema base e que consegue manter o leitor numa permanente atmosfera de suspense e fascínio, a verdade é que a história de Boselli tinha condições para ter ido mais além.
Um primeiro motivo residirá no facto de que, contrariamente a outras aventuras de Boselli, como por exemplo La mano del morto, El Supremo ou Giovani assassini, a acção de La Stirpe dell’abisso limita-se a 2 ou 3 cenários principais bem delimitados, os quais acabam por reunir as principais personagens da trama. Na realidade, desta vez a opção de Boselli não passa por apresentar um conjunto mais ou menos extenso de personagens, que vão actuando em diferentes cenários, interligando-se de modo gradual ao longo da aventura. Desta vez, o autor opta por apresentar praticamente apenas dois cenários principais, no início a casa de El Morisco e mais tarde a mansão da família Diago, dando o protagonismo a um conjunto de personagens mais ou menos restrito. Efectivamente, para além de uma breve participação de Eduardo Palacio, a aventura é protagonizada por Tex e os seus pards, El Morisco, Eusébio, a família Diago e o médico Sandoral. Apesar das evidentes qualidades narrativas de Boselli, esta limitação de cenários, ambientes e personagens, acaba por delimitar a aventura e de certa forma cortar algum dinamismo, sobretudo na fase que decorre na mansão dos Diago, entre a chegada de Tex e o desenlace final.
Outro ponto que nos parece menos conseguido leva-nos directamente à cena onde Tex e Kit Willer, exclusivamente para marcarem terreno e demonstrarem o seu valor, divertem-se a disparar contra uma fonte, destruindo esta. Esta demonstração de alguma superioridade é característica do jovem Tex bonelliano das primeiras aventuras, ainda em busca de um nome, ainda cimentando o seu caminho. Não é o Tex maduro que posteriormente e durante décadas se firmou, deixando o seu nome bem vincado pelos pontos mais recônditos do velho oeste. Este Tex age em função de uma motivação concreta, não para patentear, de modo mais ou menos barato, a sua superioridade. Este Tex é um ranger com uma elevada auto-estima e certamente orgulhoso das suas inúmeras capacidades, mas sem que isso o leve a exibi-las sem uma motivação evidente. Por isso, esta cena, apesar de visualmente apelativa e que Piccinelli compõe na perfeição, surge algo fora de contexto e retrata um herói que, entretanto, já evoluiu.
E já que falamos de Alessandro Piccinelli, sublinhe-se o bom trabalho do desenhador, aqui no seu terceiro trabalho em Tex, depois de Vendetta per Montales e I trappers di Yellowstone, ambos de Mauro Boselli. O autor, nascido na cidade de Como, sucede a Letteri, Galep, Villa, Marcello e Civitelli, desenhadores que também tiveram oportunidade de compor graficamente a fascinante personagem de El Morisco, também conhecido como o bruxo de Pilares, apresentando aqui uma composição muito fiel à fisionomia da personagem criada por Letteri.
O desenho de Piccinelli sofre evidentes influências de Villa, no traço elaborado e elegante, assim como o seu Tex guarda as mesmas características faciais e fisionómicas. A atmosfera lúgubre e os ambientes de intensidade fantástica são perfeitamente interpretados, sendo ainda de realçar o dinamismo nas cenas de maior acção, com destaque para a cenas iniciais e finais da aventura.
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