Por Mário João Marques
I Razziatori del Nueces
Argumento de Mauro Boselli, desenhos de Bruno Brindisi e capas de Maurizio Dotti.
História publicada em Itália em Tex Willer nº 24 (“I razziatori del Nueces“), 25 (“Resa dei conti al White Horse“), 26 (“El Paso del Norte“), 27 (“I trafficanti di Coffin“) e 28 (“Texas Rangers“), de Outubro de 2020 a Fevereiro de 2021.
No início era tudo muito sereno e agradável. Os pais tinham chegado ao Texas numa das primeiras caravanas de pioneiros e estabeleceram-se em Nueces Valley. Ele foi o primeiro a nascer naquele novo período da vida destes pioneiros, assim como a sua mãe foi uma das primeiras a morrer. A ajudar o seu pai esteve sempre Gunny Bill, que para ele e para o irmão se veio a revelar como um segundo pai e um verdadeiro professor de vida. O seu irmão era mais novo um ano, mas era quase tão bravo como ele. Só tinha alguns preconceitos, mesmo problemas, com as armas. Simplesmente não se ajeitava com elas. Talvez por força do seu carácter mais tranquilo, parecido com a sua mãe, enquanto ele sempre puxou mais ao pai. A primeira experiência contra ladrões de gado teve-a ainda em criança e, nessa altura, foram os adultos que trataram de tudo.
Mais tarde, o irmão preferiu ficar no rancho ao lado do pai e de Gunny, enquanto ele foi com outros jovens transportar gado numa épica viagem a São Francisco. Porque os seus talentos corriam ao lado da aventura. E quando o pai foi assassinado por ladrões de gado, ele, já um adolescente, viu-se obrigado a atravessar a fronteira e a infringir a lei, não para capturar os bandidos, mas para os encher de chumbo. A partir deste dramático episódio a sua vida mudou, passando a ser caracterizada por um percurso de luta pelos seus ideais de honra e pela justiça, mesmo que durante anos o tenha feito como um fora da lei perseguido pelas autoridades, por caçadores de prémios e mesmo pelos rangers, o célebre corpo de homens instituído por Stephen Austin para manter a ordem e a lei no Texas, primeiro para defender a fronteira do novo estado contra as investidas dos índios e dos mexicanos, posteriormente contra todos aqueles que ameaçavam a paz. Homens que realmente existiram como Rip Ford, BuckBerry, Ben Dragoo ou Jim Callahan, e outros saídos da imaginação dos autores como Dan Bannion, Arkansas Joe e Kit Carson, que não se coibirão de expressar a sua admiração pelo jovem e defenderem o seu ingresso no corpo.
Como o leitor certamente já compreendeu, estamos a falar do jovem Tex Willer, e todos estes acontecimentos são-nos resumidos na primeira parte desta extensa aventura, funcionando assim como uma ocasião perfeita para Mauro Boselli apresentar o herói, sobretudo aos leitores que nunca tinham lido Tex e que, a crer nas vendas da revista e na aceitação colhida, são muitos. Descobriremos alguns dos episódios da juventude de Tex que nos tinham sido relatados em diferentes ocasiões, nomeadamente em aventuras como Il Passato di Tex, Nueces Valley, Il Vendicatore, Giustizia a Corpus Christi e Il Magnifico Fuorilegge, e que agora encontraram um fio condutor e uma lógica minuciosa, até chegarmos à fase em que Sam Willer decide vender o rancho da família e instalar-se junto a Culver City, no Arizona, onde vai acabar assassinado a sangue-frio por Tom Rebo, que ansiava apoderar-se das terras do irmão de Tex. Novo drama na vida do nosso herói, novamente obrigado a fazer justiça com as suas próprias mãos, e é assim que surge John Coffin, sócio de Rebo e aquele que para os leitores foi o primeiro inimigo do herói, surgido logo na aventura inicial de 1948 Il Totem Misterioso, e que, afinal, não tinha desaparecido num incêndio no seu rancho, tal como nos tinha sido relatado em Vivo o Morto, a primeira aventura da série Tex Willer e verdadeiro remake da aventura escrita por Gianluigi Bonelli.
É isso mesmo caro leitor, esta aventura da juventude de Tex marca o encontro final do nosso herói com John Coffin, mas não só. Esta é a história da formação de uma lenda, a construção de um mito, a edificação de um ícone, a base de muito da História do fumetto dos últimos setenta anos. Esta é a história e a génese de Tex Willer, um cowboy à moda antiga, impregnado de valores até a medula e como já não se faz. Em entrevista recente a Il Quotidiano del Sud, o histórico Milo Manara veio sublinhar que a banda desenhada atual privilegia mais a narrativa escrita e esqueceu a aventura, com o objetivo de almejar um reconhecimento cultural aceitável. Com raras exceções, a banda desenhada conta temas familiares, questões sociais, conflitos interpessoais e de género, o que não deixa de ser correto e positivo, contudo em prejuízo da outra banda desenhada, a que nos traz a aventura pura, assumindo-se Tex como uma louvável exceção. Nada mais certeiro, porque modestamente também partilho da mesma opinião e também eu, enquanto leitor, encontro em Tex esse romantismo que muitos autores tendem a esquecer, quiçá na tentativa de obterem outro tipo de reconhecimento cultural e não serem conotados com aquilo que, errada e preconceituosamente, possam achar ser um produto popular, esquecendo que Tex é popular porque chega a tudo e todos, a todos os extratos sociais e a todas as idades.
A verdade é que com I Razziatori del Nueces, Mauro Boselli conseguiu reunir a aventura pura, os dramas pessoais e os conflitos interiores de uma personagem imensa, numa história que ganha ainda mais relevo quando lida nestes nossos tempos de corrupção e compadrio, da ausência de ideais e de valores, onde pululam verdadeiros seres que rastejam numa sociedade demasiado correta, arreigada e agarrada como erva daninha na pedra a interesses que se distanciam em larga escala dos de uma personagem como Tex. Sente-se um verdadeiro prazer na escrita de Boselli, um sabor de nostalgia que percorre o percurso clássico do herói sem o desvirtuar, permitindo ao leitor desfrutar e apreciar a personagem e toda a sua envolvência de uma outra forma, certamente com acrescido prazer. Porque estas aventuras de Tex Willer escritas por Mauro Boselli, encontrando-se interligadas, no fundo deixam a sensação de nunca terminarem, remetendo o leitor para o passado, quando as cavalgadas e os tiroteios eram apresentados em tiras e nunca se sabia ao certo quando terminava uma aventura e começava outra. Como uma verdadeira metáfora de um herói que se tem mantido como uma presença contínua desde 1948 e cujas aventuras (e popularidade) parecem nunca ter fim!
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